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O ano era 1996. O recém-implantado Real valia mais que o dólar, o Ministério da Saúde criava uma nova forma de financiamento, a famigerada CPMF – o chamado “imposto do cheque” que era provisório e passou a ser permanente – e os telefones celulares ainda estavam restritos a uma pequena parcela de privilegiados. Também é dessa época a TV Escola, uma política pública de educação que resistiu ao tempo e às mudanças tecnológicas e vem se mantendo como uma opção de reforço dos conteúdos tratados em sala de aula.

Quando surgiu, sob a gestão do então ministro da Educação Paulo Renato Souza, a TV Escola era uma plataforma baseada na transmissão via satélite dos conteúdos para as escolas, que recebiam o sinal por meio de antenas parabólicas. O gerente de Conteúdo da TV Escola, professor Walmir Cardoso, lembra bem dessa época. “A ideia original era distribuir kits para as escolas, compostos de antenas parabólicas, videocassetes, televisores e um pacote de 10 fitas VHS para que a escola gravasse a programação da TV Escola. Eles recebiam uma grade da programação e daí escolhiam o que iriam gravar para usar em sala de aula”, explicou.

O projeto foi inovador, lembra Cardoso, mas não se mostrou funcional em todas as escolas. Apesar de o sinal estar disponível para literalmente todo o país, ainda havia alguns locais com mais dificuldade de receber o conteúdo. “Funcionou em partes, em outras escolas não funcionou. Mas esse era o início”, apontou.

Hoje, segundo dados da própria TV Escola, o sinal continua disponível para todo o Brasil, mas agora também por transmissão digital. A estimativa é que o público potencial de TV seja de cerca de 30 milhões de pessoas, tanto quem assiste pela parabólica quanto pelo sinal de TV a cabo (obrigatório, de acordo com legislação federal) e pelo sinal de TV aberto em Brasília, São Paulo e Rio de Janeiro.

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Há ainda o acesso sob demanda, tanto pelo computador quanto pelos celulares. A Fundação Roquette Pinto, parceira do MEC no projeto da TV Escola, estima que sejam mais de 12 milhões de usuários do portal, além dos seguidores nas redes sociais e dos usuários do aplicativo da TV Escola.

“Foram muitas [mudanças], dos videocassetes, passando pelos CDs e agora com conteúdo em nuvem, muito mais voltado para mobile, celular. É uma mudança grande. Mas talvez a maior mudança seja a presença agora bastante forte do mobile, do celular e dos smartphones de um modo geral”, avaliou o gerente de conteúdo professor Walmir Cardoso.

Conteúdo

Diferente das TVs comerciais, quem assiste à TV Escola o faz em busca de conteúdos específicos. Um dos principais produtos à disposição desse público são os materiais de apoio para quem vai prestar o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), a porta de entrada para a maioria das instituições públicas de ensino superior do Brasil. A “Hora do Enem”, por exemplo, completou em abril 500 programas produzidos. São vídeos com cerca de meia hora de duração, em que professores convidados reforçam conteúdos exigidos nas provas. O formato é bastante descontraído, e não raro conta com traços de humor.

Outros vídeos tratam de forma leve assuntos tidos como mais espinhosos pelos estudantes, como a matemática. Em um dos programas, o professor trata de frações usando a música como exemplo. O método é elogiado por Cardoso. “. É curioso isso, parece que a mente faz uma relação numérica intuitiva, ocorre essa relação entre música e matemática. É curioso. Um dos resultados mais positivos que a neurociência tem positivado nas suas pesquisas é justamente o fato de que jovens e crianças que são colocados diante de uma experiência musical antes de estudar matemática – esses são os resultados da pesquisa cientifica – aparentemente aprendem mais matemática, melhor do que aqueles que nãos estão submetidos à música”, comentou o gerente de conteúdo.

Esses dois exemplos são de produções próprias da TV Escola, mas não são os únicos a serem veiculados pela emissora. Boa parte da programação é de produções licenciadas feitas por outras emissoras educativas de todo o mundo. Todo o processo de criação e também de licenciamento dessas produções segue a linha editorial da emissora. “Temos um trabalho todo ligado à linha editorial, e esse trabalho orienta a ida de profissionais para feiras internacionais onde nós encontramos produtores e coprodutores de conteúdo. Nós fazemos coproduções, nós compramos produções prontas ou nós trocamos e licenciamos produções que são feitas por outros canais que tem condições similares à TV Escola. São canais educativos, públicos e que a gente troca os conteúdos deles com os nossos conteúdos”, afirmou.

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Cardoso não dá detalhes sobre quais são os principais pontos que baseiam essa linha editorial seguida pela TV Escola, ou mesmo se essa linha editorial sofre mudanças de acordo com cada um dos titulares da cadeira principal do MEC. Mas garante que esses detalhes são todos frutos de diálogos entre o ministério e os professores que compõem os quadros principais da TV.

“Não existe em momento nenhum uma imposição ou mesmo alguma coisa do gênero. O que acontece é um diálogo permanente, e a gente tem bastante liberdade editorial e sabemos bem o que fazer, como produzir, porque a gente conhece o nosso público. A gente conhece as escolas. As pessoas que trabalham aqui conhecem bastante o metiê. São professores, eu sou professor, a minha equipe é composta de vários professores, as pessoas que fazem curadoria são professores. Ou seja, os professores falam muito aos professores. Isso ocorre, e ocorre também com o MEC”, garantiu.

A liberdade apontada por Cardoso também aparece na descrição da TV Escola no próprio site da emissora. A descrição é clara: “A TV Escola não é um canal de divulgação de políticas públicas da educação, é uma política pública em si, com o objetivo de subsidiar a escola e não substituí-la. E, em hipótese alguma, substituir também ao professor. A TV Escola não vai ‘dar aula’, ela é uma ferramenta pedagógica disponível ao professor: seja para complementar sua própria formação, seja para ser utilizada em suas práticas de ensino”.

Professores protagonistas

Um dos projetos de formação oferecidos pela TV Escola aos docentes é a série de programas “Professor Presente”. A iniciativa começou há dois anos, mesmo período em que o professor doutor em Educação pela PUC Rio Marcus Tavares assumiu a gerência de formação da emissora. A ideia, segundo ele, é dar protagonismo aos professores compartilhando projetos que deram certo em sala de aula.

São programas curtos, de cerca de 5 minutos, em que os professores abordam três pontos: o objetivo do projeto; o grande desafio para executar o projeto e, por fim, a conquista. Participam das entrevistas os docentes que recebem o prêmio “Professor do Brasil”, de iniciativa do MEC.

“Começou agora no inicio de abril a terceira temporada e é um grande sucesso. Isso revela experiências de várias escolas públicas de diversos cantos do Brasil mostrando que o professor dentro da sala de aula dele vem desenvolvendo boas práticas, vem trabalhando as questões de conhecimentos e valores ligados com a Base Nacional Comum Curricular de agora. O que a gente vem percebendo junto aos professores é uma grande forma de eles se sentirem prestigiados, porque de certa forma a TV Escola vem colocando a cara deles na televisão. Quando a gente mostra projetos brasileiros de professores que estão às vezes em anonimato em diversos cantos do brasil, isso tem um significado e uma função social e educativa tão grande que eles se sentem superprestigiados, e isso faz com que esses projetos reverberem”, avaliou Tavares.

Outro projeto é a Mostra Vídeo Fórum, que é feita já há 20 anos dentro da programação do Festival de Cinema do Rio de Janeiro. Só que aqui o objetivo é dar visibilidade aos trabalhos realizados pelos estudantes. O gerente de formação explicou que não há competição nem premiações. “Os estudantes se encontram e debatem sobre os vídeos. É uma coisa muito legal, porque a gente está levando aos professores produções audiovisuais feitas pelos estudantes, com o olhar deles sobre o mundo, sobre as questões, sobre o conhecimento, sobre valores, sobre tudo. A ideia também de certa forma amplia, dá vez e voz também à produção audiovisual dos estudantes, para que também esses professores consigam cada vez mais se aproximar dessa geração, do que eles sentem e pensam. A ideia é promover um diálogo.”

Polêmica

Uma das pastas que mais gerou polêmicas nestes pouco mais de quatro meses de governo do presidente Jair Bolsonaro foi o Ministério da Educação. Enquanto era o titular do ministério, o professor Ricardo Vélez Rodríguez enfrentou uma disputa de poder e influência contra os chamados “olavetes”, seguidores do ideólogo de direita Olavo de Carvalho. Três integrantes desse grupo foram imediatamente admitidos na TV Escola após terem sido demitidos do MEC.

O advogado Tiago Tondinelli chefiou o gabinete de Vélez por aproximadamente dois meses e foi contratado para trabalhar na assessoria jurídica da TV Escola. Eduardo Freire de Melo foi secretário-executivo adjunto do MEC, e foi incorporado ao quadro da TV Escola como diretor geral adjunto logo após seu desligamento do ministério. Rodrigo de Almeida Morais, ex-assessor do MEC, foi contratado como assessor especial do canal.

Perguntada se houve algum tipo de influência ou indicação na contratação dos três, a Assessoria de Comunicação da TV Escola disse que “dos três colaboradores citados, somente um fez o curso de Olavo de Carvalho” e que “ele está na área jurídica”. A assessoria reforça que “os três foram contratados devido à expertise em suas áreas e seus currículos”, e que a Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, parceira da TV Escola, “tem mais de 300 colaboradores, entre eles há simpatizantes das mais diferentes ideologias e linhas de pensamento.”

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