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O goleiro Félix, tricampeão mundial em 1970, se estica para evitar o gol do Coritiba: Coxa jogou com camisa e escudo da Federação | Arquivo
O goleiro Félix, tricampeão mundial em 1970, se estica para evitar o gol do Coritiba: Coxa jogou com camisa e escudo da Federação| Foto: Arquivo

Torcedores

Lembranças de uma partida inesquecível

O público total anunciado de quase 22 mil pessoas não convence o historiador Heriberto Machado, autor do livro Futebol do Paraná – 100 anos de história. "Havia bem mais, muito mais mesmo, que isso", diz ele. O ingresso popular custava 8 cruzeiros novos e daria direito a participar do sorteio de um fusca zero quilômetro. A arrecadação do célebre desafio foi de NCR$ 152.108,00 – quantia suficiente na época para comprar uma "mansão imponente de 550 m2 na Desembargador Motta, próximo ao Atlético" (segundo anúncio imobiliário publicado na Gazeta do Povo).

Entre os presentes, o recém calouro de Engenharia Tico Fontoura, hoje presidente do Conselho Deliberativo do Coritiba. "Lembro de como fiquei espremido na arquibancada. O estádio ainda estava em obras", puxa pela memória o empresário, que estava com 18 anos.

Mais confortável, nas sociais, o torcedor José Luís Lins de Souza. "Fui um dos primeiros a comprar cadeira no estádio", recorda o hoje conselheiro vitalício do Alviverde, que, aos 30 anos, trabalhava na Atlântica Boa Vista Seguros. "A expectativa era grande. Até por causa do Nilo, jogador do Coritiba, ter sido convocado", diz o empresário, lembrando do ídolo coxa-branca, mesmo ele estando emprestado ao rival Atlético naquela temporada.

Outro que recorda a expectativa do público curitibano pela presença de Nilo é o ex-jogador do Pinheiros na década de 70, Eduíno Gabardo Filho. Com 15 anos em 1968, ele foi levado ao estádio pelo pai. Porém, talvez por não ser torcedor coxa-branca como Tico e José Luís, o que mais valeu foi ter visto o Rei em campo. "Não foi um jogaço. O Pelé também não fez uma partida brilhante, mas marcou vê-lo de perto. Lembro de uma jogada dele que hoje o Ronaldinho faz, aquela de olhar para um lado e tocar para o outro", recorda, selecionando o lance entre os que conseguiu enxergar em pé, da geral do Belfort Duarte.

Nícolas França e (RF)

  • Nilo dá autógrafo no gramado do Belfort Duarte: lateral-esquerdo só entrou em campo após Pelé convencer o técnico Aimoré Moreira

Na próxima quinta-feira, uma partida especial completa 40 anos de história. Corria o dia 13 de novembro de 1968 quando Pelé, Jairzinho, Tostão e Gerson transformaram em festa, em meio à opressão do regime militar, uma quarta-feira à tarde de Curitiba. Era a primeira aparição do time nacional no estado. Uma visita que levou os bancos a abrirem apenas até a hora do almoço, ponto facultativo aos funcionários públicos e até dispensa do trabalho de muitos comerciários.

Naquela ocasião, ainda sob o comando do técnico Aimoré Mo-reira, o grupo que viria a conquistar o tri na Copa de 70 venceu o Coritiba por 2 a 1. Conforme a contabilidade da bilheteria, 21.932 (17.162 pagantes) estiveram no Alto da Glória.

Todo o clima festivo teve início logo na segunda-feira, quando os craques desembarcaram no Afonso Pena. O ônibus da delegação passou pelo centro recebendo intensa chuva de papel. Os políticos chegaram a colocar na agenda das estrelas um jantar em Santa Felicidade e passeio de litorina até Paranaguá, que acabou cancelada a pedido dos dirigentes.

Para um atleta o embate acabou sendo ainda mais especial. Nilo – lateral-esquerdo pertencente ao Coritiba, mas emprestado ao Atlético – era o único selecionável com vínculo no futebol paranaense. Fazia um Torneio Roberto Gomes Pedrosa (o Brasileiro daquele tempo) de encher os olhos.

"Fui o destaque da goleada contra o Corinthians. Metemos 4 a 0 neles e eu acabei com o jogo. Aí, fui convocado", conta ele, hoje aos 65 anos, à procura de emprego como treinador.

O representante local no "escrete" viu então sua história ser dividida em antes e depois daquela tarde no Belfort Duarte (hoje Couto Pereira). "Entrei em campo com o uniforme do Coritiba para receber a faixa de campeão estadual. Depois, desci para o vestiário me trocar. O Aimoré ficou louco, pois a seleção estava toda no gramado. Disse que isso era palhaçada e me avisou: 'Não vai jogar mais'. Porém, o Pelé foi substituído no 2º tempo e intercedeu por mim. Disse ao treinador que era um 'pedido da torcida'. Acabei entrando", lembra.

Mas lembranças não são o ponto forte desse gaúcho radicado em Curitiba e morador de Santa Felicidade. A camisa que usou na partida foi dada de presente a um compadre de Sinop, no Mato Grosso. Fotos do dia de glória têm poucas, menos de dez. Nenhum quadro na parede. Apenas uma certeza. "Fiz bons contratos depois disso. Mas não gostava de jogar bola. Parei cedo, aos 33 anos. Entrei então para um conjunto de samba, o Evolução. Não suportava mais treino físico", fala, com humor.

Dirceu Krüger, ídolo alviverde daquele turbulento fim dos anos 60 (auge da ditadura, na mão pesada do presidente Costa e Silva), é outro com saudades do encontro. O craque coritibano viveu naquela tarde algo inédito e único na longa carreira com a camisa do clube. "Um fato marcante para mim, em especial, foi ser o capitão do Coritiba. Nunca havia ocorrido isso antes. E nem depois. O técnico (Francisco Sarno) me avisou na preleção. Peguei a tarja muito feliz e nem perguntei o porquê disso", explica.

Para o hoje coordenador das categorias de base do Coxa, o público que foi ao estádio torceu contra o Brasil – uma equipe repleta de astros, entretanto desafinada com o anseio da opinião pública.

"A torcida, evidentemente, ficou do nosso lado. Claro, ela aplaudia os grandes lances da seleção. Foi um jogo festivo", destaca Krüger, que lembra ainda da motivação para o duelo. "Nós não queríamos sair derrotados de forma alguma. Era a chance de provar que estávamos no mesmo degrau deles. Poderíamos ali demonstrar que tínhamos condições de envergar a amarelinha."

Como Curitiba estava completamente fora do eixo da Confederação Brasileira de Desportos (CBD), hoje CBF, foi preciso um lobby enorme para promover o duelo longe de Rio e São Paulo. Para se ter uma idéia, Porto Alegre só viria a receber um jogo da seleção no ano seguinte, em 7 de abril de 1969, vitória por 2 a 1 diante do Peru.

"Havia um dirigente muito amigo do João Havelange (então presidente da CBD), o Mozart Di Giorgio, que era paranaense e trabalhava na CBD. Ele fez todo o serviço de articulação. A única exigência foi vestir o Coritiba com o uniforme da Federação", conta o jornalista Vinícius Coelho. A relação com a Aliança Renovadora Nacional (Arena) também seria importante para convencer os cartolas sobre um embate na "periferia".

Os astros pareciam saber dessa missão sem preocupações esportivas. Logo na chegada em São José dos Pinhais, Pelé soltou com diplomacia: "Antes que você me pergunte qualquer coisa, devo destacar que estava saudoso de Curitiba, para onde não venho há oito anos como jogador."

Depois dessa passagem inaugural, a seleção voltaria ao estado apenas uma década mais tarde, também para vencer um combinado da Federação, por 1 a 0 (22/3/78). As visitas foram ganhando intensidade ao longo do tempo. Hoje, ao todo, são 11 jogos – dois válidos por Eliminatórias de Copa (2002 e 2006). São oito vitórias e três empates.

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Em Curitiba

Coritiba

Joel; Deleu, Nico, Roderley e Ismael; Rossi (Lucas) e Rinaldo; Passarinho, Krüger, Kosilek e Carlos Alberto (Wálter).

Técnico: Francisco Sarno.

Seleção Brasileira

Félix; Carlos Alberto, Jurandir, Dias e Paulo Henrique (Nilo); Rivelino (Dirceu Lopes) e Gérson (Zé Carlos); Paulo Borges (Natal), Jairzinho (Leivinha), Pelé (Tostão) e Paulo César.

Técnico: Aimoré Moreira.

Data: 13/11/1968. Estádio: Belfort Duarte (Curitiba). Árbitro: Armando Marques. Gols: Dirceu Lopes (12/2º), Passarinho (32/2º) e Zé Carlos (44/2º). Público: 21932 (total). Pagantes: 17.162. Renda: NCR$ 152.108,00.

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