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Não há mais como defender a Copa do Mundo de 2014 – nos moldes que ela vem sendo conduzida – sem constrangimento. Até mesmo entusiastas do evento – aqueles, claro, sem interesse financeiro – já enroscam a língua para sustentar o verbo.

A deterioração da Fifa, a participação empolgada de políticos sem credibilidade e a tinta cheia de ca­­neta dos cartolas sepultaram a idoneidade do processo. É inevitável falar do torneio sem elencar uma série de sujeiras.

Nesta Gazeta do Povo, por exemplo, na edição de domingo, foram vários os trechos que comprovam essa tese. Foram três cadernos trazendo reportagens ou análise sobre o tema – textos pautados pelo risco iminente da vergonha.

A viagem pelas páginas começa logo pelo editorial do jornal, a página 2. Há uma reflexão sobre os gastos, em tom de alerta e preocupação. Critica-se ainda a descambada ética em torno da falta de transparência.

"São bilhões de reais a serem investidos em estádios e em obras de infraestrutura nas cidades-sede dos Jogos e todo cuidado é pouco (...) Lamen­­ta­­vel­­mente, não se pode olvidar que o Brasil é pródigo em exemplos de malversação de verbas que descambam para o superfaturamento de obras, um mal que não vem de hoje e que estende os seus ávidos tentáculos por organismos públicos e privados".

O discurso de temor ganhou força na entrevista de Álvaro Cabri­­ni Jr., presidente do Conselho Re­­gional de Engenharia e Arquite­­tu­­ra, à editoria Vida Pública.

"Não precisamos que um órgão que não tem credibilidade nenhuma do ponto de vista moral, que é a Fifa, venha dizer quanto e como o poder público tem de gastar em um empreendimento. É um acinte à sociedade."

Na sequência, o caderno de Esportes trouxe o problema pelo viés das desapropriações no entorno da Arena – outra situação ca­­beluda envolvendo 11 lotes particulares, 4.564 metros quadrados e um embolso da prefeitura estimado em R$ 10 milhões. O advogado e professor de Direito, Carlyle Popp, não fez rodeios.

"Tudo bem aumentar ruas, criar área pública, mas se for para uso privado, temos um problema. Isso desafia até a legalidade. Tem de ser muito bem equacionado em termos de legislação."

Por fim, o colunista Tostão, na mesma sessão esportiva, resgatou a ferida causada pela medida provisória da falta de transparência – aquela que dá à Fifa carta branca para inflar os valores.

"Como se esperava, foi aprovado, na Câmara dos Deputados, o sigilo dos orçamentos para a Copa de 2014 e Olimpíada, com a justificativa de acelerar as obras. Como disse o procurador-geral da República, Roberto Gurgel, foi uma decisão ‘escandalosamente absurda’. Resta o Senado. Não tenho esperança".

Não se pode dizer que o ‘oba-oba’ está instaurado, muito pelo contrário. Os textos acima – extraídos, repito, de uma única edição da Gazeta – revelam que há um olhar atento aos devaneios políticos e à má aplicação do di­­nheiro público. E não se deve es­­que­­cer do detalhe: os frutos de trazer os craques e seleções badaladas ao país também são de caráter duvidoso.

Diante disso, a previsão de hoje surge como bola cantada, digna das piores pitonisas: haverá estádios inúteis, superfaturamento de obras e – o pior de tudo – o legado urbanístico ficará aquém do esperado. Quem duvida? Triste.

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