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Richard Dawkins durante palestra em São Paulo, em 2015.
Richard Dawkins durante palestra em São Paulo, em 2015.| Foto: Greg Salibian/Fronteiras do Pensamento

A notícia da morte do autor Daniel Dennett, em 19 de abril, teve pouca repercussão. Mas, menos de duas décadas atrás, ele era uma das figuras mais controversas do debate público nos Estados Unidos e no Reino Unido.

Em 2006, Dennett lançou o livro que seria traduzido para o português como “Quebrando O Encanto — A Religião Como Fenômeno Natural”. Ao lado de Richard Dawkins, Sam Harris e Christopher Hitchens, ele ficaria conhecido como dos “quatro cavaleiros do ateísmo”. O grupo ganhou espaço nos meios de comunicação em um mundo que, depois do 11 de setembro, acordava para os efeitos potencialmente nocivos do fanatismo religioso. O argumento do quarteto era radical: quanto antes o mundo se livrasse das religiões (todas elas), melhor.

Os tempos agora são outros.

Por coincidência, dias antes da morte de Dennett, o membro mais conhecido do grupo havia dado uma declaração que indicava uma mudança de postura.

Em uma entrevista à rádio britânica LBC no começo de abril, o zoólogo Richard Dawkins afirmou que se sente "culturalmente cristão". “Acredito que, culturalmente, somos um país cristão, e eu me considero culturalmente cristão. Eu amo hinos e as canções de Natal. Sinto-me em casa no etos cristão”, ele disse.

É uma mudança significativa na postura de Dawkins, que, no passado, igualou todas as religiões como um "delírio".

Mas ele não foi o único a seguir esse caminho.

Islamismo e ideologia radical cresceram no vácuo do Cristianismo

Cada uma a seu modo, outras figuras públicas parecem ter passado a prestar mais atenção às consequências do esvaziamento da religião tradicional no Ocidente. Conforme a influência do Cristianismo deixa de ser dominante, ela cede espaço ao radicalismo progressista ou ao islamismo, que tendem a ser muito menos tolerante com as liberdades individuais tão caras aos ateus.

No ano passado, a aclamada escritora Ayaan Hirsi Ali anunciou que havia se convertido ao Cristianismo. Assim como Dawkins, ela chegou à conclusão de que nem todas as religiões são iguais. Criada em uma família muçulmana, ela havia perdido a fé décadas antes. "Todo o tipo de liberdade aparentemente secular — de mercado, de consciência e de imprensa — tem suas raízes no Cristianismo", ela escreveu, ao explicar a jornada que a levou à fé cristã.

Dawkins, por exemplo, arranjou uma briga com movimentos de esquerda ao dizer, como biólogo geneticista, que as diferenças entre os sexos são objetivas e imutáveis. Além disso, sua afirmação sobre o “Cristianismo cultural” foi uma reação à divulgação de versos islâmicos no painel da estação de trem King's Cross, em Londres, durante o Ramadã.

O geneticista concluiu que, das alternativas disponíveis, o Cristianismo parece ser a que mais respeita o bom senso e os direitos individuais. Em graus diversos, outros ateus fizeram uma trajetória similar. A lista inclui o escritor britânico Tom Holland, que se tornou católico, o autor canadense Jordan Peterson, que caminha entre a crença e a descrença, e o apresentador de TV americano Bill Maher, que continua tão ateu quanto antes mas passou a criticar os excessos de grupos progressistas.

Fenômeno é tema de novo livro

O autor britânico Justin Brierley passou os últimos anos entrevistando ex-ateus que passaram a crer. Formado em Filosofia na Universidade de Oxford, ele lançou recentemente um livro e uma série de podcasts sobre o tema.

Brierley conversou com a Gazeta do Povo.

Britânico Justin Brierley: pesquisa sobre conversões de ateus ao Cristianismo.
Britânico Justin Brierley: pesquisa sobre conversões de ateus ao Cristianismo.| Divulgação/Justin Brierley

Segundo ele, a trajetória de Dawkins é semelhante à de outros descrentes. “Estou vendo isso com cada vez mais frequência entre ateus, mesmo alguns que eram muito anticristãos (como Dawkins) no passado. Acho que eles estão cada vez mais percebendo que os valores em que acreditam são produto de sua herança judaico-cristã", afirma ele.

Na opinião de Brierley, as consequências do esvaziamento religioso de países como a Inglaterra se tornaram mais evidentes nos últimos anos, o que fez muitos ateus repensarem as consequências de uma visão radical contra a religião. “Conforme outros sistemas de valores começam a ameaçar essa herança, (por exemplo, a ideologia woke ou regimes autoritários de esquerda), eles começaram a perceber que o Cristianismo tem sido bom para nossa cultura”, diz Brierley.

Ele também notou um aumento no número conversões religiosas (e não apenas culturais) de ateus ao Cristianismo. Ele diz que o motivo mais frequente é o contato com cristãos que o ajudaram a desfazer preconceitos sobre a igreja.

"Eles têm contato com cristãos atenciosos e gentis que ajudam a superar seus preconceitos sobre o Cristianismo e a igreja. Isso rompe a barreira e permite que eles comecem a levar o Cristianismo a sério", diz ele. Na sequência, diz, os motivos mais comuns para a conversão do ateísmo ao Cristianismo são uma experiência emocional que os levou à fé em Deus, ou argumentos intelectuais como os indícios que apontam para o design do universo.

Este último, por exemplo, foi o que levou o célebre filósofo Antony Flew do ateísmo à crença em Deus (embora Flew nunca tenha se tornado um cristão). Autor do influente "A Presunção do Ateísmo", de 1976, ele atribuiu ao avanço da cosmologia e da biologia a sua guinada existencial. A notícia veio a público em 2004. Três anos depois, Flew publicou um livro que, em português, ganhou o título de "Deus Existe — As Provas Incontestáveis De Um Filósofo Que Não Acreditava Em Nada".

Comunidade é elemento importante na conversão

Um artigo científico publicado em 2019 pelo Journal of Religion & Society também investigou o que leva ateus a se converterem ao Cristianismo.

O estudo analisou 111 relatos de conversão publicados em fóruns na internet em busca de elementos comuns. A maioria dos ex-ateus (53%) mencionou ter percebido a importância da participação em atividades tipicamente religiosas, como ir à igreja e orar. Metade também citou descobertas intelectuais na ciência ou na filosofia. Além disso, 45% relataram uma experiência sobrenatural (as respostas não eram excludentes, e por isso a soma ultrapassa os 100%).

A Gazeta do Povo falou com um dos autores do estudo. Matthew Facciani — que é doutor em Sociologia e pesquisador no MIT, diz que esse tipo de guinada geralmente envolve mais de um motivo, e frequentemente tem início com um laço social.

"Muitos dos aspectos que encontramos em ateus que se converteram ao Cristianismo eram comuns em outros estudos sobre conversão religiosa. Por exemplo: muitos indivíduos que eram ateus mencionaram um laço social importante que os levou ao Cristianismo. A necessidade de pertencer e encontrar comunidade é poderosa e muitas vezes norteia o que acreditamos", afirma Facciani.

Nova onda religiosa a caminho?

Há poucas dúvidas de que, de forma geral, os países ocidentais passam por um período de queda na religiosidade. Por outro lado, se é verdade que a religião tradicional continua em declínio, o número de ateus não cresceu na mesma proporção. E há até mesmo sinais de que o Cristianismo tem voltado a crescer em lugares improváveis.

Na Finlândia, um país com grande número de ateus, o número de jovens religiosos parece estar aumentando. Uma pesquisa da Igreja Evangélica Luterana da Finlândia mostrou um aumento da religiosidade entre jovens do sexo masculino. Entre 2011 e 2019, o número de jovens de 15 a 19 anos que diz crer em Deus passou de 19% para 43%. A parcela dos que vão à igreja todo mês passou de 5% para 12%.

Justin Brierley diz que a igreja que ele frequenta na Inglaterra também tem crescido. "Várias pesquisas também parecem mostrar altos níveis de abertura à fé entre os jovens. Vejo os sinais de que a 'maré da fé' está começando a mudar, à medida que muitos intelectuais seculares exortam seu público a levar o Cristianismo a sério novamente", diz.

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