• Carregando...
Opositor usando máscara protesta contra o governo Maduro em Caracas, capital da Venezuela | JUAN BARRETO/AFP
Opositor usando máscara protesta contra o governo Maduro em Caracas, capital da Venezuela| Foto: JUAN BARRETO/AFP

É destino da Venezuela se alternar entre os extremos de opressão e liberdade. A crise que atualmente a convulsiona segue um padrão histórico. Todo dia, venezuelanos de todas as classes saem às ruas para protestar contra a perda da liberdade e de seus direitos constitucionais para um regime tirânico que os condena à escassez, às doenças, à desnutrição e à fome absoluta. Pelas redes sociais vem uma enxurrada de imagens chocantes: a Guarda Nacional atirando indiscriminadamente na multidão, assassinatos, tanques avançando sobre os manifestantes – um massacre da Paz Celestial diário enquanto Nicolás Maduro dança salsa.

Mesmo assim, o poder chavista continua a enfraquecer, depois dos dias de glória sob Hugo Chávez. Na terça, policiais rebeldes teriam jogado granadas no prédio da Suprema Corte, em Caracas, de um helicóptero, no que Maduro classificou como "trama de golpe". No mesmo dia, o presidente ameaçou pegar em armas, "se a revolução fosse ameaçada de destruição". 

Nós simplesmente não podemos esperar a resolução desse drama como se fosse uma série de TV. Apesar de a OEA não ter conseguido chegar a um acordo para condenar as atrocidades do governo Maduro, a Venezuela precisa de uma solução, e rápida. Não podemos abandonar aquele povo em sua luta por um resgate econômico e liberdade política. 

Selvageria

Essa batalha acontece há 200 anos. Na guerra pela independência – a mais longa do tipo no continente –, os venezuelanos se mataram uns aos outros com uma selvageria inacreditável, incluindo mulheres, crianças e idosos. Vinte e cinco por cento da população foi dizimada, além de praticamente toda a riqueza em gado. Porém, extremas também eram as atividades e programas de Simón Bolívar, "libertador" de cinco futuras nações latino-americanas, em ambição e intensidade. E o mesmo vale para seu contemporâneo Andrés Bello, talvez o maior pensador republicano do século XIX na região. 

A Venezuela sofreu com longos períodos de ditadura e conquistou a ordem constitucional somente em 1959, nas mãos de outra figura extraordinária: Rómulo Betancourt, o primeiro latinoamericano comunista que se converteu à democracia. Infelizmente, o sistema provou ter data de validade – e, em 1998, os venezuelanos, cansados de um regime bipartidário manchado pela corrupção e desigualdades sociais, colocaram Hugo Chávez no poder. Muito mais que um populista, era um redentor habilidoso e viciado no uso intenso da imprensa. 

Eu presenciei o penúltimo ciclo dessa tensão longeva, mas hoje intensificada: viajei várias vezes para a Venezuela e falei com inúmeros chavistas, desde funcionários públicos importantes a líderes sociais, e fiquei impressionado com os testemunhos espontâneos, nos bairros carentes, de pessoas que aprovavam o homem que, segundo elas, "as levou em consideração pela primeira vez". Senti que o compromisso social de Chávez era genuíno, embora não precisasse ter instaurado uma ditadura para colocá-la em prática. Em 2008, o ministro da Fazenda, Alí Rodríguez Araque, discordava de mim. "Estamos construindo um Estado comunal que soviéticos, chineses e cubanos não conseguiram implantar." 

Também falei com antichavistas de todas as tribos. Sua principal preocupação era a destruição da democracia e a dominação pessoal, cada vez maior, de Chávez sobre os vários setores do governo e as funções eleitorais. E ele mesmo prenunciou uma guinada para o totalitarismo em sua primeira visita a Cuba, quando expressou seu desejo de ser "el todo" – a representação de tudo – como Fidel Castro fizera na ilha. 

A morte de Chávez foi seguida da unção (no melhor estilo monárquico) de seu sucessor, mas nada preparou a população para o desastre que se seguiu, uma verdadeira destruição econômica e social. Ao longo de quinze anos, o trilhão de dólares ganho com a venda do petróleo desapareceu e 80% dos venezuelanos mergulharam na pobreza. De acordo com o FMI, a inflação prevista para 2017 é de 720 %. 

Zimbábue das Américas

A Venezuela se tornou o Zimbábue das Américas, uma aliança desavergonhada entre políticos corruptos e militares coniventes com os ditames de Cuba – sendo que alguns deles são acusados até de envolvimento com o narcotráfico internacional. Sequestraram a nação latinoamericana mais rica em reservas de petróleo, das quais pretendiam se apropriar permanentemente, a qualquer que fosse o custo humano. 

A matança do governo Maduro ainda não se compara às ditaduras genocidas do Chile e Argentina nos anos 70, nem a administração é uma cópia escrita do regime de Fidel – que eliminou, com uma canetada, todas as liberdades e instituições do país e é a ditadura mais longeva da história moderna. 

Entretanto, a guinada do governo Maduro rumo ao totalitarismo vem sendo rechaçada com uma resistência, no mínimo, heróica. 

É impossível saber como tudo isso vai terminar, mas há uma resposta muito provável, que Rómulo Betancourt formulou em 1959 e foi reafirmada pelo secretário da OEA, Luis Almagro, cuja liderança valorosa restaurou a dignidade e iniciativa da organização. É reconhecida na lei internacional como Doutrina Betancourt: 

"Os regimes que não respeitam os direitos humanos e violam as liberdades de seus cidadãos deveriam ser submetidos a quarentenas rigorosas e erradicados através da ação coletiva de uma comunidade judiciária internacional." 

Não se pode esperar nada de regimes ditatoriais como China, Rússia ou aqueles países latino-americanos e/ou caribenhos que ainda se beneficiam, mesmo que precariamente, dos subsídios venezuelanos no petróleo, já que são os mesmos que bloquearam a tentativa recente de condenação do regime pela OEA. Talvez Barack Obama tenha tido algum efeito sobre o governo cubano, mas seria melhor ainda se o governo Trump, com sua total falta de legitimidade moral, não interviesse. 

Porém, em solidariedade com o bravo povo venezuelano, a Europa e os maiores países da América Latina poderiam apoiar a quarentena – diplomática, financeira, comercial e política – do regime ilegal de Maduro. Poderiam também convencer o primeiro Papa latino a assumir uma posição mais dura e pressionar Raúl Castro a aceitar uma solução democrática: o fim da repressão, eleições imediatas, o restabelecimento das liberdades civis, respeito pelas instituições democráticas e a soltura dos prisioneiros políticos. 

*Enrique Krauze é historiador, editor da revista literária Letras Libres e autor de "Redeemers: Ideas and Power in Latin America". Este artigo foi traduzido do espanhol por Hank Heifetz.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]