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A filósofa Aude Dugast fala sobre a trajetória do geneticista francês Jérôme Lejeune (1926-1994), responsável por identificar a causa da Síndrome de Down.
A filósofa Aude Dugast fala sobre a trajetória do geneticista francês Jérôme Lejeune (1926-1994), responsável por identificar a causa da Síndrome de Down.| Foto: Reprodução/Fundação Jérôme Lejeune

No último dia 3 de abril, comemorou-se o 30º aniversário da morte de Jérôme Lejeune (1926-1994), o grande geneticista e pediatra francês, cujas virtudes heroicas foram reconhecidas pela Igreja.

Para celebrar esse aniversário, uma conferência internacional intitulada “Jérôme Lejeune e os desafios da Bioética no século XXI” será realizada em Roma nos dias 17 e 18 de maio.

Tomando o pensamento de Lejeune como ponto de partida, a conferência discutirá algumas das conquistas (para o bem e para o mal) da medicina moderna, os principais aspectos éticos da genética, da biotecnologia e da neurociência, do diagnóstico pré-natal até os embriões com “três genitores”, além dos tratamentos hormonais para a disforia de gênero e o transumanismo.

A gama de palestrantes é ampla e de alto nível. Inclui bioeticistas, professores universitários, filósofos, juristas, médicos e pesquisadores. Uma discussão multidisciplinar, portanto, mas “unida” pelo legado científico e moral de Lejeune.

Leia a seguir uma entrevista com a filósofa Aude Dugast, postuladora da causa de canonização de Lejeune e uma das organizadoras do congresso.

Vamos começar com o tema geral da conferência: por que é importante redescobrir o pensamento de Jérôme Lejeune para enfrentar os desafios da bioética no século XXI?

Porque Lejeune era um grande cientista católico, com uma visão verdadeiramente profética da ciência e da medicina. Essa visão profética veio do mais alto nível da ciência, de uma excelência acadêmica reconhecida mundialmente e de um grande amor pelos pacientes e suas famílias.

Quando lemos suas palestras, seus artigos, podemos ver que ele parece estar falando sobre os dias de hoje. Por exemplo, quando há 40 anos ele falava sobre eutanásia, parece estar descrevendo o que está acontecendo hoje na França e no mundo, no âmbito da mídia, da política e da medicina.

Ele entendeu, antes de qualquer outra pessoa, o colapso da medicina e da sociedade. E disse: “O aborto é a interrupção de uma vida que incomoda. A idade não tem nada a ver com isso. Os idosos correm tanto risco quanto os jovens”.

Lejeune partiu de um discurso da razão, compreensível para todos. Partiu do Juramento de Hipócrates, portanto de 400 anos antes do nascimento de Jesus Cristo, argumentando que todos os médicos, crentes e não crentes, estão vinculados a esse juramento que impede de matar.

O Parlamento francês consagrou o direito ao aborto na Constituição e há o risco de que outros países sigam o exemplo. Lejeune era um ferrenho opositor do aborto. Quanto a França e o mundo sentem falta de uma figura como ele?

Após a votação da Lei Simone Veil, um jornalista perguntou a Lejeune se aquela era a sua derrota. Ele respondeu: “Não é a minha derrota, é a derrota das crianças da França”.

Foi muito triste, porque se tratava de algo muito concreto, que significaria a morte de milhões de crianças. Era uma dor muito encarnada e concreta. Mas ele não desistiu, chamava à ação.

E disse: “O direito à vida não é concedido pelos governos. Os governos não têm o poder, portanto, de tirar esse direito de ninguém. Para que a civilização continue a existir, a política terá necessariamente de se conformar à moral. Moral que transcende todas as ideologias porque está escrita no nosso íntimo pelo decreto impenetrável que rege tanto as leis do universo quanto a natureza dos seres humanos”.

Lejeune descobriu a causa da Síndrome de Down. Mas, como homem e pediatra, o que permaneceu para a vida das crianças com essa síndrome e de seus pais?

Essa descoberta foi uma revolução. A primeira descoberta mundial de uma doença com uma causa cromossômica, um grande passo à frente para a genética.

De fato, Lejeune foi chamado de “o pai da genética moderna”. Mas a revolução mais importante foi a humana: uma mudança total para as famílias.

Lejeune queria mudar o nome dessa doença, chamando-a de Trissomia 21, para deixar para trás o estigma e as falsas ideias que acompanhavam o mongolismo, como era chamado antes.

Acreditava-se que era contagiosa ou “a vingança de Deus” pelos pecados dos pais. Assim, as famílias não só tinham um filho com deficiência, como também sofriam pressão da sociedade que o menosprezava.

Graças a Lejeune, o olhar de muitos pais sobre seus filhos mudou totalmente, e também o olhar da sociedade.

Recebi muitos testemunhos de pais, de irmãos e irmãs que passaram por esse momento histórico e me disseram que tudo mudou, que passaram de um sentimento de vergonha para a esperança, graças ao professor Lejeune.

Elas ficaram impressionadas com a maneira como ele olhava para seus filhos, com amor incondicional. Com seu olhar, ele também fez com que os pais aprendessem a amar esses seus filhos.

Tanto que, no dia de seu funeral em Notre-Dame, um jovem com Síndrome de Down, Bruno, caminhou pela Catedral de Paris para pegar o microfone e dizer às 2 mil pessoas presentes: “Obrigado, professor Lejeune, pelo que o senhor fez por mim. Graças ao senhor, tenho orgulho de mim mesmo”.

Graças aos estudos de Lejeune, houve progresso no tratamento?

Para assumir seu legado científico e cultural, foi criada a Fundação Jérôme Lejeune. E agora, em Paris, temos um ambulatório com 12 mil pacientes, a maior clínica da Europa no gênero.

Também abrimos uma clínica na Espanha e outra na Argentina. E, como Lejeune, também fazemos pesquisa.

Pesquisa clínica com pacientes e pesquisa fundamental, por isso trabalhamos com muitos laboratórios em todo o mundo, que, graças à nossa ajuda financeira, começaram a trabalhar novamente com a Trissomia 21.

A genética está progredindo rapidamente, mas nem sempre em um sentido verdadeiramente humano. O que Lejeune achava dos testes pré-natais feitos com o objetivo de eliminar crianças “imperfeitas”?

Essa eliminação de crianças imperfeitas era para ele de partir o coração, porque suas descobertas e pesquisas deveriam estar a serviço das crianças, para tentar curá-las. Em vez disso, havia aqueles que as usavam contra elas.

Ele costumava dizer que “o racismo cromossômico é tão horrível quanto todas as formas de racismo” e, ainda, que “a medicina para o aborto é o aborto da medicina”.

Quando algumas pessoas lhe perguntavam “Mas por que você não faz testes pré-natais?”, Lejeune dizia que um teste pré-natal para ajudar a família a receber uma criança diferente é muito bom, porém ele sabia que, infelizmente, na maioria dos casos, essa recepção não acontecia. E não acontece.

Com relação à ligação entre ciência e fé em Lejeune, você falou da “santidade da inteligência”. Por quê?

Ao estudar a causa de canonização de Lejeune, fiquei impressionada com essa santidade da inteligência. A fé é a virtude da inteligência que está ligada à verdade.

E realmente vemos isso em Lejeune porque ele sempre permaneceu fiel à verdade. Sempre entendeu que não há contradição entre a fé e a ciência, porque a fé nos dá a verdade revelada e a ciência nos faz entender como o mundo funciona, o mundo criado pelo Criador.

A verdadeira ciência não pode nos dar conclusões diferentes sobre o que Deus fez. Quando parece haver uma diferença entre as conclusões da ciência e as da fé, ele dizia que, então, temos que pesquisar mais no campo científico, porque certamente há algo que escapa, que não entendemos bem.

E quando sua inteligência lhe mostrava o caminho a seguir, mesmo que fosse íngreme, como defender publicamente a vida de seus pacientes e correr o risco de sofrer ataques violentos, não tinha medo: ele a seguia.

Lejeune defendeu heroicamente a verdade da medicina. A verdade, combinada com a caridade, era sua bússola. E seu exemplo fazia milagres.

Milagres?

Sim, no sentido de conversões. Conheço pelo menos dois exemplos de médicos que, depois de ouvir um de seus discursos, se converteram e mudaram de vida, deixando para trás práticas como o aborto e a inseminação artificial.

A ligação entre São João Paulo II e Lejeune também será discutida na conferência. O Papa tinha Lejeune em alta estima. Se a senhora tivesse que lembrar um aspecto dessa estima, qual deles destacaria?

Havia uma amizade e uma comunhão espiritual muito profunda. Lejeune não se considerava amigo do Santo Padre porque era muito humilde.

Por outro lado, João Paulo II disse que Lejeune era um grande amigo seu. De fato, toda vez que Lejeune ia a Roma, João Paulo II o convidava para assistir à missa privada no Vaticano.

O Santo Padre também lhe pediu que criasse a Pontifícia Academia para a Vida, para a qual Lejeune escreveu os estatutos e a declaração dos “Servos da Vida”, que vincula todos os novos membros.

E então, em 1994, o Papa o nomeou o primeiro presidente da Academia, que Lejeune só pôde liderar por 33 dias, porque na manhã da Páscoa daquele ano, em 3 de abril, entregou sua alma a Deus.

A quem a conferência se destina idealmente?

Ela está aberta a todos: pesquisadores, médicos, cientistas, filósofos, juristas, professores e, em geral, a todos aqueles, como os jovens, que precisam ter ideias claras sobre todos os desafios da bioética atual.

Para fazer o download do programa completo da conferência, clique aqui.

Ermes Dovico é jornalista, bacharel em Ciências da Comunicação na Università degli studi di Palermo.

©2024 La Nuova Bussola Quotidiana. Publicado com permissão. Original em italiano: “L'aborto segna il collasso della medicina, la lezione di Lejeune”.

Conteúdo editado por:Omar Godoy
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