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A sala de concertos Crocus City Hall em chamas após um tiroteio em Krasnogorsk, nos arredores de Moscou, Rússia, 22 de março de 2024.
A sala de concertos Crocus City Hall em chamas após um tiroteio em Krasnogorsk, nos arredores de Moscou, Rússia, 22 de março de 2024.| Foto: EFE/EPA/VASILY PRUDNIKOV

Descobriu-se que os quatro homens armados acusados do assassinato de pelo menos 139 frequentadores de um concerto no Crocus City Hall, em Moscou, eram todos cidadãos da pequena nação pós-soviética do Tajiquistão, na Ásia Central.

A nacionalidade deles tem algo a ver com seu suposto terrorismo? Muitos russos provavelmente pensam assim.

O Tajiquistão, um país sem litoral com 10 milhões de habitantes, encontra-se entre Uzbequistão, Afeganistão e China, é a mais pobre das antigas repúblicas soviéticas. Conhecido por sua corrupção e repressão política, o Tajiquistão vive desde 1994 sob o governo autoritário do presidente Emomali Rahmon.

Estima-se que haja bem mais de três milhões de tajiques vivendo na Rússia, cerca de um terço da população total do Tajiquistão. A maioria deles tem o status precário de "trabalhadores convidados", ocupando empregos mal remunerados na construção civil, mercados ou até mesmo limpando banheiros públicos.

Enquanto a diminuição da população russa tem levado a uma crescente dependência de trabalhadores estrangeiros para preencher essas necessidades na força de trabalho, a atitude dos russos em relação aos nativos da Ásia Central e da região do Cáucaso é geralmente negativa.

É semelhante ao estereótipo americano sobre mexicanos, tão infamemente expressado por Donald Trump em 2015: "Eles estão trazendo drogas. Eles estão trazendo crime. Eles são estupradores."

Os não eslavos são sistematicamente discriminados na Rússia, e desde 2022 eles têm sido recrutados de forma desproporcional e enviados para a Ucrânia para servir como bucha de canhão na frente de batalha.

Exclusão tajique

Como descrevi em um livro recente, poucas nações na história viram sua posição ser tão dramaticamente reduzida como os tajiques nos últimos 100 anos.

Por mais de um milênio, os tajiques — descendentes falantes de persa dos antigos sogdianos que dominavam a Rota da Seda — eram a elite cultural da Ásia Central.

Começando com o que é conhecido como o Renascimento Persa do século X, quando sua capital, Bucara, começou a rivalizar com Bagdá como centro de aprendizado islâmico e alta cultura, os tajiques eram os principais estudiosos e burocratas das principais cidades da Ásia Central até o momento da Revolução Russa.

O famoso polímata medieval Avicena era um tajique étnico, assim como o colecionador de hadiz [escritos registrando as falas de Maomé] Bukhari, o poeta sufista Rumi e muitos outros.

Mas, como os principais propagadores da civilização islâmica da Ásia Central, os tajiques foram vistos pelos bolcheviques como representantes de um legado obsoleto que o socialismo visava superar.

Os tajiques foram praticamente excluídos da massiva reestruturação social e política imposta à Ásia Central nos primeiros anos da União Soviética, com a maior parte de seu território histórico, incluindo as cidades lendárias de Samarcanda e Bucara, sendo concedida aos uzbeques de língua turca, que eram vistos como mais maleáveis.

Somente em 1929 os tajiques receberam sua própria república, consistindo principalmente de território marginal e montanhoso e privada de quaisquer centros urbanos importantes.

Empobrecido

Ao longo do século XX, a República Socialista Soviética do Tajiquistão foi a região mais empobrecida e subdesenvolvida da antiga União Soviética, e manteve esse status infeliz desde a independência em 1991.

De 1992 a 1997, o país foi mergulhado em uma devastadora guerra civil que destruiu o que restava da infraestrutura do período soviético. Desde então, Rahmon usou a ameaça de um conflito civil renovado para justificar seu governo absoluto.

O espectro do islamismo radical emanando do vizinho Afeganistão — onde a população tajique supera consideravelmente a do Tajiquistão — tem fornecido uma justificativa adicional para as políticas repressivas de Rahmon.

No Tajiquistão de hoje, até mesmo para aqueles com educação universitária é quase impossível ganhar um salário que lhes permita construir uma vida familiar normal.

Desempoderados e humilhados pelo sistema, eles são presas fáceis para pregadores islâmicos radicais que lhes dão um senso de valor e propósito.

O pano de fundo adicional da desesperança financeira cria um coquetel explosivo: um dos suspeitos nos recentes ataques em Moscou relatou aos seus interrogadores russos que lhe prometeram uma recompensa em dinheiro de meio milhão de rublos russos (cerca de US$ 5.300, equivalente a R$ 27.000 na cotação atual) para realizar suas atrocidades.

Terrorismo como desespero?

Pessoas normais e sãs em todos os lugares estão horrorizadas com atos terroristas, independentemente de como eles são justificados por seus perpetradores, e o sofrido povo do Tajiquistão não é exceção.

Mas, infelizmente, as condições sob as quais um pequeno número de extremistas pode perceber o assassinato psicopata de civis inocentes por dinheiro ou ideologia como uma opção atraente não dão sinais de diminuição.

A tentativa risível da Rússia de de alguma forma ligar os ataques em Moscou à Ucrânia é uma forma desajeitada de desviar as consequências de suas relações com a Ásia Central.

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Richard Foltz, professor de religiões e cultura na Universidade Concórdia, em Montreal, é historiador cultural especializado nos povos iranianos e sua influência dos Balcãs à Índia e China. Seus livros mais recentes são "The Ossetes: Modern-Day Scythians of the Caucasus" [Os Ossétios: Os Citas Modernos do Cáucaso] (Bloomsbury, 2021) e "A History of the Tajiks: Iranians of the East" [História dos Tajiques: Iranianos do Oriente] (Bloomsbury, 2019).

©2024 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês: Why Russia fears the emergence of Tajik terrorists
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