• Carregando...
 | Marcos Oliveira/
Agência Senado
| Foto: Marcos Oliveira/ Agência Senado

Não dá para dizer que deputados e senadores não trabalharam durante o ano que passou. Mas não é possível garantir, por outro lado, que todas as leis aprovadas e projetos discutidos são realmente relevantes para os brasileiros. Prova disso são os textos bizarros que foram analisados pelos parlamentares em 2017. Confira alguns deles.

1. Profissão: blogueiro

Com o objetivo de “fazer justiça àqueles que utilizam a blogosfera profissionalmente, mas que não possuem sua profissão regulamentada” é que o deputado federal Lindomar Garçon (PRB-RO) apresentou, em setembro, o Projeto de Lei (PL) 8569/2017 que tem o intuito de regulamentar a atividade de blogueiro no país.

O texto também teria como propósito proteger a língua portuguesa, pois, de acordo com o parlamentar na justificativa da proposta, “[a]o estipular a formação mínima necessária [ensino médio completo] para o profissional blogueiro, reforçar-se-á a ideia de proteção de um patrimônio nacional incalculável quer seja, a nossa língua portuguesa, sem incidir em preciosismos, mas por entender necessário um cuidado mínimo com a língua escrita”. 

A matéria acabou apensada ao PL 4289/2016, que busca regulamentar não só a profissão de blogueiro, mas a de vlogueiro. De autoria do deputado JHC (PSB-AL), o projeto está nas mãos da Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, onde já recebeu parecer favorável do relator, Felipe Bornier (PROS-RJ).

2. Álcool gel em tudo?

Sancionada pelo presidente Michel Temer no início de outubro, a Lei n. 13.486/2017 trouxe mais um dispositivo ao Código de Defesa do Consumidor (CDC). O texto acrescentou mais um parágrafo ao artigo 8º do CDC, prevendo que “o fornecedor deverá higienizar os equipamentos e utensílios utilizados no fornecimento de produtos ou serviços, ou colocados à disposição do consumidor, e informar, de maneira ostensiva e adequada, quando for o caso, sobre o risco de contaminação”. 

Ao justificar o Projeto de Lei (PLS) 445/2015, que deu origem à mudança legislativa, o então senador Marcelo Crivella (PRB-RJ) anotou acreditar “ser necessário ampliar a norma, de modo a alcançar não apenas os produtos e serviços colocados no mercado, mas também os equipamentos e utensílios utilizados no fornecimento de produtos ou serviços ou colocados à disposição do consumidor”. Como exemplo, Crivella citou carrinhos de supermercado e mouses de cyber cafés. 

Advogados consultados pelo Justiça, no entanto, afirmaram que se trata de uma lei completamente dispensável, que pode trazer insegurança jurídica aos empresários, constantemente fiscalizados por órgãos sanitários. Os órgãos de defesa do consumidor, ademais, não têm competência técnica para avaliar as condições e formas adequadas de higienização de utensílios. Especificação em demasia, para os especialistas, cria confusão, que pode levar os comerciantes a ter dúvidas como “cada vez que um cliente utilizar meu banheiro, eu terei que higienizar?”.

3. Matadores de velhinhas

Em novembro, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal aprovou o Projeto de Lei (PLS) 373/2015, que tipifica o homicídio contra idoso, batizado de “idosicídio”, além de incluí-lo no rol dos crimes hediondos - aqueles com extremo potencial ofensivo e passíveis de maior reprovação por parte do Estado e da sociedade. 

Na justificativa do projeto, o senador Elmano Férrer (PMDB-PI) afirmou que os idosos, quando pobres, são “considerados estorvos e alvos de piadas e chacotas cruéis”, além de serem desrespeitados diariamente e tratados de forma impaciente e negligente. Já em relação aos ricos, “a violência e a exploração podem vir de dentro da própria família, camufladas em hipocrisia ou golpes financeiros sutis e traiçoeiros”. 

Com a aprovação da CCJ do Senado, o texto foi encaminhado à Câmara dos Deputados, onde deve ser apreciado em 2018.

4. Benefício a estupradores

Por pouco a senadora Marta Suplicy (PMDB-SP) não beneficiou estupradores com o Projeto de Lei (PLS) 312/2017, que objetiva a inclusão do crime de “molestamento sexual” no Código Penal (CP). 

Na redação atual, o artigo 213 do CP prevê que o estupro consiste em “constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. A pena para o crime é de reclusão, que pode variar de seis a 10 anos. O projeto de Marta, por sua vez, busca inserir o dispositivo 213-A, que regula o seguinte em seu caput: “constranger ou molestar alguém, mediante violência ou grave ameaça, à prática de ato libidinoso diverso do estupro: pena – reclusão de 3 (três) a 6 (seis) anos”. 

O grande problema em relação ao PLS é que, ainda que se tenha atribuído ao tipo penal o nome de “molestamento sexual” e feito a ressalva de que o ato libidinoso precisa ser “diverso do estupro”, o artigo descreve o que hoje já é considerado estupro, mas com pena mais branda - e no direito penal é regra que se deve aplicar a norma mais benéfica ao réu.

Na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), porém, o senador Armando Monteiro (PTB-PE), relator do projeto, apresentou emenda que resolveu a questão. “Talvez seja mais apropriado cindir a proposta para contemplar como molestamento sexual tão somente atos libidinosos praticados sem violência ou grave ameaça”, anotou o parlamentar. A matéria já foi remetida para análise da Câmara dos Deputados.

5. A faca - e tesouras, foices, enxadas - da discórdia

Foram aprovados pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado Federal, em novembro, o Projeto de Lei 320/2015, do senador Raimundo Lira (PMDB-PB), que tipifica o porte de arma branca, e o Projeto de Lei 311/2015, de Romero Jucá (PMDB-RR). O segundo prevê, além do tipo penal por porte de arma branca para “cometer crime”, penas mais graves a delitos com armas brancas realizados “com violência ou grave ameaça à pessoa”. 

A grande questão é que, segundo Jucá na justificativa da matéria, a conduta do indivíduo só seria punida se cometida com a finalidade de cometer um crime. Como, nesses casos, a intenção de quem porta o canivete vai ser medida? Lembrando que não é incomum que esse tipo de artefato seja carregado em bolsas e mochilas, tampouco utilizado para realizar trabalhos. 

Como os textos foram alvo de recurso, devem ser analisados pelo Plenário do Senado antes de seguir para a Câmara dos Deputados.

6. Adolescente infrator? Choque nele!

Aprovada pela Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados em setembro, o Projeto de Lei (PL) 6433/2016, de autoria do parlamentar Cajar Nardes (Pode-RS) pretende liberar o uso de armas de eletrochoque contra adolescentes que cumprem medidas socioeducativas. 

Os artefatos poderiam ser utilizados em “internos não-cooperativos”, ainda que desarmados. O deputado também defende que os agentes públicos executores de medida socioeducativa, conhecidos como agentes socioeducadores, tenham o porte de arma de fogo, fora do serviço e também nos estabelecimentos. 

“Em muitas ocasiões, tratando com adolescentes mais perigosos que certos delinquentes adultos, referidos profissionais ficam refém da proibição de uso de armas que os protejam e às demais pessoas que convivem nos estabelecimentos de internação”, escreveu Nardes na justificativa do projeto. 

Ao Justiça, a professora e coordenadora do curso de Pós-Graduação em Psicologia Jurídica do Unibrasil, Mayta Lobo, criticou o projeto. “Deixar o sistema socioeducativo mais parecido com o sistema penitenciário só faria sentido se esse fosse um modelo, o que não é. Querem levar para os adolescentes algo que sequer funciona com adultos”, afirmou.

Leia também: Tornar porte de fuzil crime hediondo é ineficaz (mas fica bem para os políticos)

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]