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O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em visita à linha de frente na região de Berdiansk, no sudeste do país, na segunda-feira (26)
O presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, em visita à linha de frente na região de Berdiansk, no sudeste do país, na segunda-feira (26)| Foto: EFE/EPA/Presidência da Ucrânia

O motim frustrado do grupo paramilitar Wagner, que chegou ao fim em menos de 24 horas devido ao recuo da milícia e um acordo para que o líder Yevgeny Prigozhin se exilasse em Belarus, foi um dos eventos mais surpreendentes relacionados à guerra na Ucrânia, iniciada com a invasão russa em fevereiro do ano passado.

A rebelião ocorreu poucas semanas após Kiev iniciar uma esperada contraofensiva e num momento em que a ação de grupos russos contrários ao presidente Vladimir Putin se intensifica nas regiões que fazem fronteira com a Ucrânia. A dúvida que fica é: como os conflitos internos russos podem beneficiar o país invadido?

No sábado (24), quando o motim ainda estava em curso, o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, escreveu no Twitter que “todo aquele que escolhe o caminho do mal destrói a si mesmo”.

“Durante muito tempo, a Rússia usou a propaganda para mascarar sua fraqueza e a estupidez do seu governo. E agora há tanto caos que nenhuma mentira consegue escondê-lo”, disse Zelensky.

“A fraqueza da Rússia é óbvia”, acrescentou o presidente ucraniano, que citou a ameaça que Prigozhin fez no mês passado de que a Rússia poderia passar por um novo 1917 se continuasse a sofrer perdas na Ucrânia.

Em 1917, ocorreu a Revolução Russa, que aconteceu em duas etapas: na primeira, o czar Nicolau II foi derrubado e um governo republicano foi instaurado; meses depois, esse governo foi derrubado pelos bolcheviques, que implantaram o comunismo no país. Um dos principais motivos para o fim da monarquia foi a insatisfação popular com as perdas na Primeira Guerra Mundial.

Em artigo para o think tank americano Atlantic Council, o ex-ministro da Defesa e atual consultor do governo ucraniano Andriy Zagorodnyuk apontou uma série de motivos para Kiev comemorar o motim protagonizado pelo Wagner.

Ele argumentou que a disputa interna por poder dentro da Rússia, apesar do acordo para Prigozhin se exilar em Belarus, deve continuar. Também lembrou que o Wagner foi responsável por praticamente todos os “modestos” avanços russos desde o ano passado na Ucrânia, como a vitória na batalha pela cidade de Bakhmut, e agora o grupo paramilitar, no mínimo, vai perder poder dentro das forças russas (Putin deu aos combatentes as opções de se juntar ao seu líder em Belarus, ingressar nas tropas regulares russas ou desmobilização).

“Os generais russos verão todos os ex-combatentes do Wagner com suspeita e relutarão em dar a eles papéis ofensivos proeminentes”, justificou Zagorodnyuk, que salientou que o avanço do Wagner em território russo durante o motim expôs falhas na defesa russa e deixou claro que a capacidade militar do país está próxima do esgotamento.

O ex-ministro ucraniano afirmou que essa situação pode estimular a Ucrânia a fazer avanços em áreas ocupadas, como já vem ocorrendo na região de Bakhmut, e até em território russo. Entretanto, o mais importante, na opinião de Zagorodnyuk, é que a rebelião expôs divisões dentro da Rússia. “Qualquer país lutando em uma grande guerra precisa de união, e a Rússia de hoje claramente não está unida”, destacou.

Cautela

Em entrevista à Gazeta do Povo, o analista militar e coronel da reserva Paulo Roberto da Silva Gomes Filho concordou com as análises que apontam que o motim do grupo mercenário indicou uma fragilidade das forças russas, já que “demonstra com clareza que há uma falha grave na condução do relacionamento entre o grupo Wagner e as forças regulares da Rússia”.

“Isso, no campo de batalha, é um problema grave, que fragiliza a liderança e pode colocar em risco as operações militares, ainda mais em um momento crítico, como o da ofensiva ucraniana”, ponderou Gomes Filho. O especialista considerou, entretanto, que a rápida resolução do episódio exige cautela na análise do seu impacto na guerra.

“Em tese, os conflitos russos podem beneficiar a Ucrânia, se fragilizarem as lideranças e solaparem a hierarquia e a disciplina. Mas, como o caso foi rapidamente resolvido e o presidente Putin fez várias demonstrações de apoio aos seus generais, pode ser que os danos ao moral da tropa e ao exercício da liderança tenham sido contidos”, destacou o analista.

Para Gomes Filho, o Wagner deve sair completamente de cena na Ucrânia, ao menos sob a liderança atual, já que as declarações de Putin deixaram claro um rompimento público entre ele e Prigozhin.

“Creio que o exército poderá assimilar alguns combatentes, mas não acho que fará muita diferença. Não acredito em nenhuma ação do grupo Wagner a partir de Belarus, por duas razões: a primeira, é que o exército russo não confiaria uma ação tão decisiva ao grupo Wagner. A segunda é que, mesmo que confiasse, o grupo está muito longe de possuir o poder de combate necessário para uma ação ofensiva dessa natureza”, explicou o especialista.

A Ucrânia, por sua vez, tem seus próprios problemas para resolver: na semana passada, Zelensky admitiu que a contraofensiva por enquanto está “mais lenta do que o desejável”.

“Atacar uma posição defensiva preparada por meses é uma tarefa muito difícil”, apontou Gomes Filho. “Os russos tiveram tempo suficiente para montar uma posição com várias camadas sucessivas de linhas de trincheiras, com obstáculos, campos de minas, setores de tiro preparados, tiros de artilharia regulados, itinerários de contra-ataque reconhecidos e treinados. Sabia-se que não seria fácil, nem rápido. Não estou surpreso com o ritmo lento do avanço.”

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