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"Papa afirma que evolução e Big Bang são compatíveis com o catolicismo." Foi essa a manchete que rodou o mundo após um discurso do papa Francisco à Pontifícia Academia de Ciências, na última segunda-feira. Mas podia muito bem ter sido manchete de jornais há mais de 60 anos. Afinal, o papa Pio XII disse praticamente as mesmíssimas coisas sobre a evolução em 1950, em sua encíclica Humani Generis, e sobre o Big Bang em 1951, em discurso à mesma Pontifícia Academia de Ciências. Ou seja, Francisco não disse nada de novo – embora haja, sim, muito mérito em reforçar essas ideias em um mundo no qual o criacionismo e o Design Inteligente (DI) ganham cada vez mais força.

Mesmo assim, muitos veículos de imprensa embarcaram na canoa furada da "revolução", como se a Igreja estivesse aceitando algo que antes recusava. Não faltou quem quisesse criar o tradicional antagonismo entre Francisco e Bento XVI, da maneira mais torta possível: embora os escritos do papa emérito sobre o tema sejam muito simpáticos à evolução, eles foram ignorados. Em vez disso, recuperou-se um artigo não de Ratzinger, mas do cardeal austríaco Christoph Schönborn, que em julho de 2005 escreveu no The New York Times com uma visão bem favorável ao DI. Como Schönborn é próximo de Bento XVI, bastou para que tentassem fazer colar no papa emérito o rótulo de antievolucionista, com quem Francisco estaria "demonstrando mais uma ruptura" – a ironia está no fato de Francisco ter feito seu discurso justamente no dia em que inaugurou um busto de Bento XVI nas instalações da Pontifícia Academia de Ciências, tendo feito vários elogios ao seu antecessor.

Essa falta de perspectiva histórica levou Elizabeth Dias a escrever, na revista Time, que a cobertura papal tinha perdido completamente a noção. Tudo é apresentado como novidade, como revolução, como ruptura: mesmo se for a repetição do que outro papa disse 60 anos atrás, ou se estivermos falando apenas de um texto de trabalho provisório, como ocorreu na recente Assembleia Geral Extraordinária do Sínodo dos Bispos.

A verdade é que um dos pioneiros da teoria do Big Bang era justamente um padre jesuíta, o belga Georges Lemaître, quase sempre esquecido quando se trata do assunto. E a Igreja Católica jamais se opôs à teoria da evolução, tanto que as grandes polarizações entre criacionistas e evolucionistas são característica do mundo anglo-saxão, onde os católicos são minoria. Nos países majoritariamente católicos, esse assunto era quase ignorado até há pouco tempo: em termos de relação entre ciência e fé, são os temas de bioética os que mais mobilizam os católicos, por causa da posição da Igreja em questões como aborto, eutanásia e pesquisa com embriões.

Ninguém precisa escolher entre Darwin e Deus, e é ótimo que o papa diga isso. Mas tratar a declaração de Francisco como novidade bombástica é quase um insulto a outros papas que conciliaram ciência e fé com seu ensinamento.

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