• Carregando...
 | Oli Scarff/AFP
| Foto: Oli Scarff/AFP

O Reino Unido está em campanha eleitoral neste momento. A próxima eleição estava prevista apenas para 2020, mas a primeira-ministra Theresa May convocou novas eleições gerais, que serão realizadas em 8 de junho.

Lá, diferente de acá, adota-se como sistema de governo o parlamentarismo. No presidencialismo, adotado no Brasil, diante de um impasse insolúvel entre Executivo e Legislativo, nos confrontamos com três alternativas: o país aguardar, em paralisia decisória, imerso em crise, até a próxima eleição; a intervenção ostensiva de atores externos ao sistema político-institucional, seja por meio da chamada “judicialização” político-partidária, seja, na pior hipótese, pela tomada do governo por meio da força, como aconteceu em 1964; ou a criação de saídas institucionais heterodoxas, como os casos que afastaram do cargo os presidentes Fernando Collor e, mais recentemente, Dilma Rousseff, o que dá espaço para atores relevantes do sistema político questionarem a legitimidade e até mesmo a legalidade de tais intervenções. Todas estas três alternativas produzem efeitos perniciosos para a qualidade de uma democracia.

No parlamentarismo, no entanto, diante de um impasse, novas eleições podem ser chamadas a qualquer momento. Faz parte das regras do jogo. Esta convocação pode ser realizada tanto pela maioria do Parlamento (que vota uma “moção de desconfiança” contra o primeiro-ministro) quanto pelo chefe de governo (como aconteceu desta vez no Reino Unido).

O eleitor é obrigado a ser mais coerente, escolhendo chefe de governo e representante legislativo do mesmo partido

Mas este não é o ponto principal deste texto. A questão essencial é a seguinte: embora o parlamentarismo tenha pontos a serem criticados (pois nenhum sistema é perfeito), muitas vezes as pessoas escolhem os motivos errados para criticá-lo, baseadas em mitos. Um destes mitos é o de que os eleitores não poderiam decidir sobre quem é seu líder. Os cidadãos votariam apenas nos deputados e estes escolheriam quem quisessem como chefe de governo. Este equívoco originou frases, repetidas tantas vezes em alguns debates, do tipo “se tivéssemos parlamentarismo no Brasil, Eduardo Cunha seria o primeiro-ministro”, fazendo uma equivocada equivalência entre o presidente da Câmara dos Deputados (speaker) e o primeiro-ministro (prime minister).

Convidamos o leitor e a leitora a dar uma olhada na campanha eleitoral britânica. Encontrará facilmente a informação de quem são os candidatos a primeiro-ministro de cada partido. Pelo Partido Conservador (Conservative Party), a atual primeira-ministra Theresa May; pelo Partido Trabalhista (Labour Party), o atual deputado (member of Parliament) Jeremy Corbyn. Além dos candidatos dos dois principais partidos, ainda há os “nanicos”, sem chances de vitória, tais como Tim Farron, pelo Partido Liberal Democrata (Lib-Dems); Paul Nuttall, pelo Partido da Independência do Reino Unido (Ukip); e Nicola Sturgeon, pelo Partido Nacional Escocês (SNP).

“Como assim? Então tem candidato a primeiro-ministro?” Sim. Ao contrário do que alguns dizem, o parlamentarismo não tira o direito dos eleitores de escolher o chefe de governo. O sistema apenas cria um vínculo mais forte entre o voto para chefe de governo (o líder do partido, que é o candidato à chefia do governo) e o voto a deputado em cada distrito. O eleitor que quer a conservadora Theresa May na liderança do país irá votar no candidato a deputado do Partido Conservador em seu distrito. O eleitor que prefere o trabalhista Jeremy Corbyn irá escolher um candidato a deputado de seu respectivo partido. E assim por diante. A operação do sistema torna-se um pouco mais complicada quando os partidos não conseguem maioria sozinhos no Parlamento, tendo de negociar com outros partidos para a nomeação do chefe de governo. Mas, mesmo nesse caso, os nomes que serão objeto de negociação são amplamente conhecidos dos eleitores.

Leia também:Great Britain, little England (artigo de Friedmann Wendpap, publicado em 11 de julho de 2016)

Leia também:O Reino Unido, o Brexit e o Brasil (artigo de Wasim Mir, publicado em 12 de abril de 2017)

Vale ressaltar: os candidatos de cada partido estão apresentados ao eleitor antes da campanha. Eles estão rodando o país, em campanha, divulgando o programa e as propostas dos partidos e dos representantes políticos. Tal qual ocorre nas campanhas presidenciais dos sistemas presidencialistas, mesmo onde as eleições são indiretas, como nos EUA. A única diferença é que o eleitor é obrigado a ser mais coerente, escolhendo chefe de governo e representante legislativo do mesmo partido, em vez de promover o caos que reina hoje no sistema político brasileiro. Os eleitores britânicos não são mais racionais que os eleitores brasileiros por força da natureza ou apenas por sua cultura. É o sistema eleitoral, a regra do jogo, que os compele a agir desta forma.

Você tem todo direito de ser contra o parlamentarismo, de achar que o chamado “presidencialismo de coalizão” (melhor seria dizer “populismo de cooptação”) em que vivemos é um sistema quase ideal, que apenas precisa de alguns ajustes. Mas seja contrário pelos motivos certos, usando argumentos que não sejam objetivamente falsos. Se tivéssemos parlamentarismo no Brasil, a menos que Eduardo Cunha (ou outro do mesmo naipe) fosse líder de seu partido, disputasse as eleições e o povo votasse nele – tal como acontece para presidente –, seria muito pouco provável que ele viesse a ser escolhido primeiro-ministro.

Márcio Carlomagno é mestre e doutorando em Ciência Política pela UFPR. Sérgio Braga é professor doutor do Departamento de Ciência Política da UFPR.
0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]