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Aborto em SC: IBDR divulga nota favorável à atuação de juíza e questiona parecer do MPF
Imagem ilustrativa.| Foto: Unsplash

O período eleitoral começou e, para a surpresa do total de zero pessoas, os temas do aborto e da ideologia de gênero parecem ausentes das eleições. Ninguém fala, ninguém viu, ninguém comenta… Parece que o mundo inteiro é pró-vida e que não existe nenhum tipo de ataque à família natural. Contudo, a realidade é muito diferente do cenário que nos quer impor a espiral do silêncio.

Desde a eleição de John Biden como presidente dos EUA – sim, porque nos movemos num contexto amplamente imperialista –, a escalada do aborto não para de agravar-se na América Latina: contra a maioria absoluta da população, a Argentina legalizou o aborto, em detrimento da própria Constituição, com uma violência institucional nunca vista antes e com um ativismo financeiro impressionante, movido pelas Fundações internacionais.

No México, o aborto começou a ser descriminalizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, dando espaço a iniciativas similares nos demais estados; no Chile, a Câmara Baixa aprovou o projeto de lei pela legalização do aborto, que deve ser submetido ao Senado, mas o novo governo esquerdista já o colocou no esboço da nova constituição; na Colômbia, a Suprema Corte descriminalizou o aborto até a 24ª. semana de gestação; no Equador, a Assembleia Nacional descriminalizou o aborto em casos de estupro, tendo a decisão parcialmente vetada pelo presidente da República. O próximo alvo será seguramente o Brasil que, neste contexto, é o bastião na luta pela defesa da vida no Ocidente. E isso é uma grande responsabilidade. Por isso, o tema do aborto precisa estar presente nas eleições.

Não é admissível que o cristão se posicione de maneira neutra quanto à questão da defesa da vida e da família, nem que os candidatos que se dizem cristãos se esquivem de um posicionamento claro.

A maior parte das pessoas, inclusive muitas da Igreja Católica e outras igrejas cristãs, pensam que o tema do aborto é apenas um item a mais da “agenda cristã” no país e não precisa ser debatido nas eleições. Compreendo perfeitamente essas pessoas, pois até já pensei assim. Mas gradualmente na medida em que fui aprofundando meus estudos, percebi que a questão é muito mais profunda.

Como denuncia S. João Paulo II em Evangelium Vitae, o aborto se insere dentro de um contexto mais amplo, definido magistralmente por ele como “cultura da morte”. Trata-se de uma nova antropologia que considera o ser humano apenas como um amálgama de matéria desprovido de forma, carente de dignidade intrínseca e, portanto, apenas o resultado de relações sociais e uma força produtiva no mercado.

Não é sem razão que tal concepção do ser humano esteja no coração da chamada ideologia de gênero, que, muito diferentemente de ser uma espécie de respeitável conjunto de estudos interdisciplinares destinados a descontruir a disparidade e o preconceito para com a minorias, é uma nova teoria acerca da identidade humana que pretende simplesmente esvaziá-la no mais absoluto indeterminismo e, segundo as palavras de Judith Butler, demolir a “metafísica da substância”, sob a convicção de que “não há um ser por detrás do fazer, do realizar, do tornar-se” e de que “não há identidade de gênero por detrás das expressões do gênero; essa identidade é performativamente constituída pelas próprias ‘expressões’ tidas como seu resultado”, conforme pode-se ler na página 56 do livro Problemas de Gênero, escrito por Butler.

Se a própria Butler não coloca a sua teoria em discussão, mas a apresenta como um “pré-requisito metodológico e normativo” e como um “objetivo político”, colocando-se flagrantemente, ela mesma, nos mais estritos cânones daquilo que o próprio Marx chamava de ideologia, dizer que não existe “ideologia de gênero” é, isto sim, uma flagrante fake news, e do tipo mais nefasto que existe, aquele que repousa sobre o ocultamento de conhecimento filosófico.

O problema é que tais excentricidades intelectuais não estão confinadas nos recantos da exuberância acadêmica, mas se querem impor com a força de verdadeiros projetos daquilo que o papa Francisco chama frequentemente de “colonização ideológica”.

Em julho de 2021, o Foro Geração Igualdade, ee Paris, fez o anúncio de um plano de ação mundial para acelerar a “igualdade de gênero” até 2026. Trata-se de uma ação respaldada por 40 bilhões de dólares, oriundos de fundações internacionais, além de governos de alguns países desenvolvidos. Uma avalanche está pra chegar.

Diante desse contexto, não é admissível que o cristão se posicione de maneira neutra quanto à questão da defesa da vida e da família, nem que os candidatos que se dizem cristãos se esquivem de um posicionamento claro, inequívoco, sem eufemismos.

Se o Brasil sucumbir ao aborto e à ideologia de gênero, a única trave contra a cultura da morte será removida e, portanto, o que vem daí adiante é humanamente imprevisível.

É verdade que a Igreja defende a vida em todas as suas amplas manifestações, desde o nascituro até o ancião, desde os seres humanos até os animais e as plantas. Mas não podemos correr o risco de perder o senso das proporções e diluir uma ameaça tão real e avassaladora numa generalidade disforme, que oculte o grave perigo a que estamos expostos.

Se o Brasil sucumbir ao aborto e à ideologia de gênero, a única trave contra a cultura da morte será removida e, portanto, o que vem daí adiante é humanamente imprevisível e a evangelização ficará inevitavelmente a reboque de uma cultura intrinsecamente contraditória com o Evangelho. É o fim antes do fim e a completa deflagração de um nível de perversão cujo ponto de retorno permanecerá inacessível aos nossos olhos.

Tenho acompanhado diversos grupos de discussão e observei que, desde o começo do ano, os defensores da descriminalização do aborto e da ideologia de gênero têm comemorado o fato de que esses temas estão “fora da pauta” eleitoral e, portanto, passarão desapercebidos pela maior parte da população, que lhes é desfavorável. Não podemos permitir que essa espiral do silêncio continue operando.

Qualquer candidato que pretenda merecer o voto cristão, independentemente do partido ou da opção política a que pertença, deve manifestar o compromisso firme e decidido de não transigir na defesa incondicional da vida, se posicionando contra o aborto, e na proteção das crianças e das famílias, caso contrário, não deve ser favorecido pelo nosso sufrágio nas próximas eleições. Esta é a única posição possível e aquela a que todos nos devemos obrigar.

Que Deus nos ajude!

José Eduardo de Oliveira e Silva é padre da Igreja Católica e possui graduação em Filosofia e Teologia, mestrado em Teologia e doutorado em Teologia Moral.

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