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O animal não é, por natureza, um ser político. Em vista dessa condição, animais não possuem direitos. E por uma razão muito simples: o direito é propriedade fundamental de seres que reconhecem, evocam e comunicam o que lhe é próprio, a parte que lhe cabe, o que é seu, bem como reconhecem aquilo que é de cada um, isto é, o justo.

A pior coisa para o direito – e aqui está uma de suas principais fragilidades – é a possibilidade de a justiça ser corrompida no delírio da utopia: quando o critério fundamental de medida do justo está submetido aos devaneios da imaginação utópica, então já não há mais condições de se falar da realidade efetiva do direito.

A visão de que animais devem ter direitos equivalentes aos dos seres humanos implica um desses ideais de mundo que precisa desconfigurar a realidade das coisas a fim de fazer sentido. No mundo da fantasia tudo é possível: tubarões, leões, escorpiões, raposas, coelhos, zebras, cordeiros... e humanos são todos amigos e vivem felizes para sempre: Imagine all the people (principalmente mulheres e baratas) living life in peace.

Por que seres humanos têm direitos e os animais não têm? Ora, porque o ser humano é o único – dentre todos os animais – capaz de reconhecer o que é seu e, só por isso, reclamar o que lhe é próprio; além disso, também é capaz de reconhecer o que é próprio dos outros, inclusive dos animais.

Não há direito quando a balança da justiça é unilateral. E não é possível estabelecer relações morais, políticas e, consequentemente, jurídicas com animais a não ser numa via de mão única. Direito pressupõe a relação entre partes, ou seja, seres profundamente conscientes de sua própria natureza – racional, autoavaliativa, volitiva, comunicativa, livre e limitada.

Meu cão mata o gato do vizinho. Quem responderá por esse dano? Eu, que responderei ao meu vizinho (política ou juridicamente)! Não o meu cão a uma suposta comunidade política ou jurídica formada por gatos. A condição de todo direito também implica a realidade da comunidade política – definida pela comunidade dos seres conscientes e falantes – cuja finalidade consiste em criar meios a fim de se distribuir bem a parte que pertence a cada um, os membros dessa comunidade, por direito.

Ser capaz de responder pelos próprios atos e escolhas – o que pressupõe um animal racional, livre e sócio de outros animais igualmente racionais, livres e também capazes de responder pelos próprios atos e escolhas – é a condição fundamental da realidade do direito. Como não há possibilidade de o ser humano participar de uma comunidade política com outros animais, então não há como estabelecer com eles uma relação de direito.

Uma alface, uma mosca, um cão ou um macaco não têm direito à vida, eles simplesmente vivem. Os danos que um ser humano pode provocar a um animal não são danos morais ou jurídicos, são danos biofísicos. A pergunta correta que devemos – nós, humanos – sempre fazer a nós mesmos é: até que ponto é moralmente lícito a nós, seres humanos, sermos a causa de danos biofísicos a outros animais em benefício de nós mesmos? Essa é uma reflexão humana, de seres humanos para seres humanos. E, independentemente da resposta, ela não implica a propriedade de direito e de estatuto moral aos animais; pelo contrário, ela implica, na verdade, o reconhecimento do limite da nossa própria condição enquanto humanos.

Francisco Razzo é mestrando em Filosofia pela PUC-SP.

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