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| Foto: Albari Rosa/Gazeta do Povo

A febre amarela, doença que assola os estados do Sudeste, já causou 187 óbitos confirmados pelo Ministério da Saúde até o fim de março. No entanto, no mesmo período, 4.240 mortes de macacos foram confirmadas e associadas à doença – um número quase 22 vezes maior. A situação é grave no Espírito Santo e há registros de mortes de macacos confirmadas para a febre em Minas Gerais, São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Goiás, Distrito Federal, Pará e Roraima. Além de ser um grave desastre ambiental, esse surto é uma das maiores mortandades de primatas da história da Mata Atlântica.

Apesar de ocorrer ciclicamente no Brasil, geralmente nas estações mais quentes, a febre amarela avançou de forma nunca antes vista. Em contato com o vírus, os bugios (Alouatta guariba) morrem em massa. Espécies como o sauá (Callicebus personatus), os saguis do gênero Callithrix e macacos-pregos (Supajus sp) também foram afetados. O muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus), maior primata das Américas e criticamente em perigo de extinção, também corre riscos. A chegada da febre amarela à região de Casimiro de Abreu, no Rio de Janeiro, acende um novo sinal de alerta. O local é o último refúgio do mico-leão-dourado (Leontopithecus rosalia), que sofreu com o desmatamento e tráfico de animais, e agora enfrenta um novo inimigo invisível e mortal.

Apesar de ocorrer ciclicamente no Brasil, a febre amarela avançou de forma nunca antes vista

Apesar de homens e primatas serem afetados pela mesma doença, ela acontece em dois tipos de ciclos: o silvestre e o urbano. O que muda é o transmissor: o ciclo silvestre é transmitido por dois tipos de mosquito (dos gêneros Haemagogus e Sabethes) restritos à área de florestas. O ciclo urbano é causado pelo velho conhecido Aedes aegypti, transmissor também da dengue, chikungunya e zika. O ciclo urbano pode se estabelecer caso uma pessoa não imunizada se contamine numa área de floresta e depois seja picada na cidade pelo Aedes aegypti, e este vier a se infectar. Os macacos, evidentemente, são apenas vítimas da doença e não os seus transmissores.

O desenvolvimento da doença se torna mais propício pela redução das áreas silvestres e consequente avanço das cidades. Quando adicionamos outros fatores, como mudança climática, por exemplo, a equação se torna ainda mais complicada. Desde a década de 1980, a Organização Mundial da Saúde registra aumento no número de casos de febre amarela e acredita-se que o crescimento da população urbana, com maior mobilidade global e as alterações no clima do planeta, sejam possíveis explicações para o fato.

O alerta e o controle do surto atual foram extremamente tardios e antiquados para todos os envolvidos. Houve descaso com relação às primeiras mortes de macacos reportadas em Montes Claros (MG) e somente quando centenas deles estavam morrendo no leste de Minas Gerais é que se decidiu tomar alguma atitude. No Rio de Janeiro houve um bloqueio vacinal nas fronteiras do estado, o que simplesmente não funciona. Além de não impedir o surto silvestre, já que macacos não participam da vacinação, também não resolve o surto urbano, pois pessoas vão e vêm de diferentes áreas a todo momento.

É preciso ver o surto com um olhar ecológico, além da preocupação com a saúde humana. Para controlar a febre amarela é preciso, necessariamente, preservar os habitats naturais e suas espécies nativas. Desflorestar e matar macacos não impede a circulação do vírus da doença e pode até piorar a situação.

Sérgio Lucena Mendes é biólogo, professor de Zoologia e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.
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