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| Foto: Nicholas Kamm/AFP/Getty Images

Em 2016, Wisconsin se tingiu do vermelho republicano por Donald Trump, mas Janesville, cidade natal de Paul Ryan, manteve-se obstinadamente azul pelos democratas – talvez por isso não seja surpresa o fato de o presidente da Câmara dos Estados Unidos não tentar a reeleição. Para o seu partido, essa é uma benesse indiscutível – afinal, ao longo de toda a carreira, Ryan sempre foi o garoto prodígio que só ficou na promessa.

Como parte da chapa formada com Mitt Romney, em 2012, ele deveria injetar juventude, consistência e garra para conquistar os votos do Meio Oeste, tão disputados; nem isso conseguiu. Foi o nova-iorquino Donald Trump que conseguiu a façanha.

O fato não abalou os inúmeros defensores que Ryan tinha no alto escalão do partido – que nos garantiram que o Congresso seria o habitat natural do moço. Em 2015, sua fama de nerd da política lhe garantiu a presidência da poderosa Comissão de Meios e Andamentos, na qual deveria reformar o regime fiscal do país inteiro com um conhecimento sobre-humano tanto da substância quanto dos detalhes das finanças nacionais. Não fez nada.

O reaganismo continua sendo um legado precioso, mas os republicanos não podem sobreviver apenas de seus frutos

Imperturbável, Ryan assumiu, então, a presidência da Câmara no mesmo ano, depois de dar uma de Hamlet, alegando, da forma mais implausível, que não queria o cargo e só o aceitaria se os republicanos o forçassem a tanto. Prometeu fidelidade ao catecismo conservador e a volta à sanidade orçamentária, mas não cumpriu. Sua displicência levou a base do Tea Party – a mesma que o colocou, assim como seus colegas, no poder – a se desiludir ainda mais com a liderança republicana no Congresso.

A mesma que, durante sete anos, arrecadou incontáveis milhões de dólares e ganhou primeiro a Câmara dos Deputados, depois o Senado e, por fim, a presidência, em parte com a promessa de rejeitar o Obamacare. Nada foi mais vital à identidade republicana entre 2010 e a ascensão de Trump; entretanto, quando teve a chance, Ryan não conseguiu fazer com que a casa aprovasse a rejeição. O projeto que finalmente enviou ao Senado não repeliu o programa, apenas o enfraqueceu. E também nunca foi promulgado.

Da mesma forma, Ryan, há tempos conhecido pela vigilância orçamental, foi incapaz de retornar o processo orçamentário da Câmara à ordem – e em vez de reduzir os gastos e o déficit, aumentou ambos. Para piorar, Ryan diverge do presidente e da maior parte de seu partido em termos de imigração e controle de fronteira, e o resultado dessas contradições e fracassos finalmente se faz ver.

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Para inspirar a lealdade e a camaradagem necessárias para a aprovação legislativa efetiva, os deputados republicanos precisam saber que têm o apoio do presidente da casa, o que nunca foi o caso de Ryan. Quando o democrata Adam Schiff, da Califórnia, fez uma falsa acusação contra o republicano Devin Nunes, também da Califórnia, Ryan o apoiou, deixando o colega partidário de lado durante vários meses. Logo depois, Nunes conseguiu esclarecer os fatos. Não é à toa que Ryan nunca teve a capacidade de unir a Câmara nas votações mais importantes. Os republicanos querem e merecem um líder com a coragem e a tenacidade de Nunes, alguém que dê apoio às tropas quando elas estiverem sob ataque.

Intelectual e politicamente, Ryan faz parte da terceira geração da Revolução Reagan – e, como acontece em muitas famílias empreendedoras, é ela que dilapida a fortuna da família. Seus integrantes não sabem como a riqueza foi amealhada, e durante a vida toda foi só o que conheceram. O reaganismo continua sendo um legado precioso, mas os republicanos não podem sobreviver apenas de seus frutos.

Os democratas, previsivelmente, dirão que Ryan não conseguiu adaptar seus princípios à realidade da presidência de Trump – o que pode até lhes conquistar uma vitória retórica imediata, mas que não inclui o cenário político como um todo. Os EUA estão em meio a um realinhamento político crucial que redefine tanto a esquerda como a direita. A repentina ascensão de Trump ao poder é sintoma de uma tendência mais ampla, além de catalisador para a reforma intelectual e política que acontece atualmente na direita – e que levou à saída dos defensores tradicionais do antigo sistema, como os senadores Jeff Flake e Bob Corker, e, agora, Ryan.

Os republicanos precisam de um líder que esteja em sintonia com o presidente e suas metas

A tarefa dos deputados republicanos agora será escolher um novo líder que não seja mais do mesmo. O último a se mostrar eficiente foi Newt Gingrich; desde que ele deixou o cargo, em 1999, a liderança tem se provado ou corrupta ou incompetente. Tom DeLay foi indiciado (embora eventualmente tenha sido inocentado); Dennis Hastert é um criminoso e foi condenado; John Boehner foi um tampão que nada fez e agora trabalha em uma empresa de cultivo de maconha; Eric Cantor tirou os próprios eleitores do sério a tal ponto que foi derrotado por um professor de Economia sem recursos que continua no cargo. Precisamos é de uma ruptura definitiva com aqueles que só estão esperando o tempo passar e carreiristas que se satisfazem em ser o partido do contra.

Ryan se elegeu sob o regime Boehner-Cantor, e manteve as sensibilidades de ambos. Como eles, não conseguiu defender – quanto mais aprovar – as leis que embasam o plano de ação no qual alegava acreditar. Será lembrado por seu ato final, a lei orçamentária aprovada no mês passado, que não só financiará as prioridades democratas e não pagará pelo muro que Trump quer erguer na fronteira, como tornou ilegal sua construção no trecho Texas-México, onde fica o Refúgio Santa Ana, um santuário de vida selvagem.

O legado de Ryan será o das oportunidades perdidas, de uma promessa jovem não cumprida. Ele deixa uma bagunça considerável, que seu sucessor terá de limpar. A Câmara republicana sob sua supervisão se tornou uma turba desorganizada, e não um grupo enérgico e eficiente trabalhando com confiança para pôr em prática o plano de ação que se espera de um partido que controla a Câmara, o Senado e a presidência.

Ao longo de toda a carreira, Ryan sempre foi o garoto prodígio que só ficou na promessa

Os republicanos precisam de um líder que esteja em sintonia com o presidente e suas metas, que enfatize políticas imigratórias pró-cidadão, diretrizes econômicas pró-trabalhador e uma linha de segurança nacional que coloque o país em primeiro lugar e seja ponderada em termos de intervenções militares estrangeiras.

Importante também é o próximo líder ser alguém que inspire respeito e obediência de seus pares. O eleitor deu o poder aos republicanos porque achava que as políticas que o partido prometia lhe ofereciam um futuro melhor; agora eles têm de compensar o voto de confiança com ações. Da mesma forma que Moisés não pôde entrar na terra prometida porque não cumpriu com a palavra perante Deus, a liderança da Câmara atual desapontou o eleitorado. Os deputados republicanos precisam encontrar seu Josué, um líder que enxergue o futuro do partido e tenha condições de unir seus membros para torná-lo realidade. Políticos ambiciosos estão sempre dispostos, mas quem está preparado para isso?

Christopher Buskirk é editor e publisher do American Greatness e um dos autores, ao lado de Seth Leibsohn, de “American Greatness: how Conservatism, Inc. missed the 2016 election and what the D.C. establishment needs to learn”.
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