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O leitor sabia que para ser ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) não há necessidade de ter nenhuma formação? Por quê? Simplesmente porque nossa Constituição Federal, no artigo 101, permite. Há alguns requisitos, sim, mas nada que se assemelhe à carreira de juiz de primeira instância ou do Superior Tribunal de Justiça (STJ). Não é preciso ter sido advogado ou juiz de direito antes. Não há necessidade da realização de provas iniciais, aprovação através de concurso público, ou de ter realizado qualquer carreira hierárquica, uma vez que a Constituição Federal exige apenas notável saber jurídico, reputação ilibada e possuir mais de 35 anos e menos de 65 anos de idade.

O juiz (do latim iudex, “juiz”, “aquele que julga”, de ius, “direito”, “lei”, e dicere, “dizer”) é um cidadão investido de autoridade pública com o poder-dever para exercer a atividade jurisdicional, julgando, em regra, os conflitos de interesse que são submetidos a sua apreciação. Os juízes surgiram na antiga Roma, no período inicial da república, em que existiam os pretores, que tinham como função a administração da justiça. Em 241 a.C. foi criado o cargo de “pretor peregrino”, para solucionar controvérsias entre romanos e estrangeiros.

As cadeiras no STF são preenchidas por profissionais sem experiência na magistratura

Para ser juiz em primeira instância é preciso concluir o curso de cinco anos de graduação em Direito. Realizar atividades jurídicas por três anos, como advogado. E só depois disso prestar concurso público para preenchimento do cargo de juiz substituto. Submeter-se a um conjunto de provas de difícil elaboração, com uma competição de pessoas a se perder de vista e com pouquíssimas vagas a serem preenchidas. Quem consegue passar assume o cargo e inicia a carreira como juiz substituto, só adquirindo a vitaliciedade após dois anos de efetivo exercício. Começa numa cidade pequena, conhecida como “primeira entrância”. Vai se promovendo, com o decorrer dos anos, para segunda e terceira entrâncias (respectivamente, cidades de médio e grande porte). E, posteriormente, já em fim de carreira, assume as grandes metrópoles, em entrâncias especiais. Tecnicamente, da primeira entrância à terceira entrância, temos o primeiro grau de jurisdição (primeira instância). Nas especiais, temos os tribunais que constituem o segundo grau de jurisdição (segunda instância), que decidem os processos em grau recursal.

Quando assumem cargos nos tribunais, presume-se que os juízes já estejam “maduros” na carreira, mais experientes, uma vez que já atuaram em diversas cidades, analisaram e decidiram milhares de processos e puseram fim a conflitos dos mais variados possíveis. Além do desgaste profissional e psicólogo no decorrer da carreira (pela grande quantidade de processos que analisaram e decidiram, arrumando inimigos todas as vezes que se posicionaram contra alguém), há, também, o desgaste familiar, vez que mudaram de cidade em cidade, carregando consigo toda a família (esposa e filhos). Vez que tiveram de se adaptar à nova cidade, a cada mudança.

Para ser juiz no Supremo Tribunal Federal, não há nada que se assemelhe ao trajeto dos juízes de primeira instância, uma vez que a Constituição Federal exige apenas notável saber jurídico, reputação ilibada e idade mínima e máxima. Não precisa ser juiz de carreira, não há concurso de provas e títulos, nem carreira hierárquica. Já assumem o alto cargo como ministros, nomeados pelo presidente da República, após terem sido sabatinados pelo Senado.

Leia também:A escolha dos ministros do STF (editorial de 26 de dezembro de 2017)

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O bacharelado em Direito, portanto, não é requisito para se tornar ministro da Suprema Corte. Contudo, o único caso conhecido de alguém não formado em Direito se tornar ministro do STF foi o de Candido Barata Ribeiro, formado em Medicina, que chegou a exercer o cargo e participar de alguns julgados, mas foi retirado pelo Senado Federal aproximadamente um ano depois de ter tomado posse, pela falta de notável saber jurídico.

O interessante é que para fazer carreira no STJ os requisitos são mais rígidos. A composição do STF deveria seguir o modelo do STJ: conforme o artigo 104 da Constituição Federal, o cargo deve ser preenchido por brasileiros com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada. Um terço dos ministros do STJ deve ser escolhido dentre juízes dos tribunais regionais federais; um terço entre os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos estados; e um terço, em partes iguais, entre os advogados e integrantes do Ministério Público. A indicação dos nomes a serem escolhidos é feita pelo plenário do STJ, em sistema de lista tríplice que apresenta os candidatos de acordo com a ordem decrescente dos votos obtidos em sessão pública do tribunal. Em qualquer escolha, o representante deve ter mais de dez anos de efetiva atividade profissional. Desta forma, ocorre, indiretamente, uma carreira na magistratura entre os membros do Poder Judiciário que pretendem assumir os cargos no STJ, diferentemente do que ocorre no Supremo Tribunal Federal.

Creio ser essa uma das principais razões pela qual o povo brasileiro não legitima as decisões tomadas pelo STF. Infelizmente, a forma como são preenchidos esses cargos permite que pessoas não qualificadas assumam o último grau do Poder Judiciário, órgão máximo constitucional. São preenchidos por profissionais que não possuem experiência na magistratura, experiência essa só adquirida com o passar do tempo na carreira pública. Um juiz de primeiro grau, em início de carreira, precisa de pelo menos uns dez anos para atingir um cargo de final de carreira nos tribunais, como desembargador.

A forma atual prevista na Constituição Federal para acesso ao cargo de ministro do STF não é boa, uma vez que não submete os mesmos a concurso de provas e títulos como acontece com o juiz de primeiro grau. Os atuais ministros também não passam por nenhum sacrifício profissional anterior. Atingem o cargo máximo do Poder Judiciário sem nenhuma experiência profissional. Assumem o cargo em razão de serem conhecidos por algum político importante que possa indicá-los. Esse formato atual deixa muito a desejar nos seus critérios de escolha. Como consequência, as decisões tomadas por esses juízes nos processos em que atuam, infelizmente, não são as melhores. Não bastasse isso, não existe nenhum controle externo sobre eles para corrigir possíveis distorções, como ocorre com o Poder Judiciário de primeiro grau, cujo controle externo é realizado pelo Conselho Nacional de Justiça.

A única forma de se resolver isso é com a modificação da Constituição, criando-se requisitos de escolha mais rígidos, como acontece com os ministros do Superior Tribunal de Justiça.

Gaspar Sortino, mestre em Direito Político e Econômico e especialista em Direito Civil, é professor do Centro de Ciências e Tecnologia do câmpus Campinas da Universidade Presbiteriano Mackenzie.
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