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Tom Holland, historiador inglês e ateu.
Tom Holland, historiador inglês e ateu.| Foto: De Ballie/Creative Commons

Há duas versões para o que se passa em Israel e na faixa de Gaza desde o dia 07 de outubro passado. Para a esquerda filo-islâmica antissemita internacional e seus porta-vozes na grande imprensa, na intelectualidade, nas universidades e em muitas instituições internacionais, trata-se de uma reação legítima de um povo oprimido, os palestinos, contra os seus opressores, os israelenses, e a contrarreação desmedida desses, provocando um “genocídio” entre aqueles. Do ponto de vista israelense, fiel aos fatos, um grupo terrorista que domina a faixa de Gaza, o Hamas, lançou um ataque bárbaro contra israelenses e pessoas que simplesmente se encontravam naquele momento em Israel, em solo israelense, uma chacina cujo horror excedeu qualquer expectativa, provocando uma reação militar necessária do governo israelense objetivando extinguir ou aleijar seriamente essa organização, fundada com a precípua finalidade de eliminar o estado de Israel da face da Terra e matar o maior número possível de judeus.

Embora qualquer observador honesto seja capaz de decidir por si mesmo frente aos fatos qual versão é mais crível, a mera descrição dos incidentes não revela toda a extensão do que está, realmente, em jogo naquele conflito.

Em primeiro lugar, há que se entender o motivo real do ataque de 07 de outubro. Parece-me óbvio que o objetivo último do Hamas era justamente provocar o curso de ações que Israel não tinha como evitar. Ele sabia que Israel teria que reagir, que a reação seria forte, que haveria bombardeio e invasão de Gaza e que milhares de palestinos seriam mortos. O Hamas simplesmente queria esse sacrifício do seu povo, mais do que a morte dos pouco mais de mil vítimas diretas do ataque. Para conseguir o que conseguiu, a criminalização de Israel na imprensa e na opinião pública internacionais, que eles sabem ser seus aliados, e na tentativa de unir os povos islâmicos para a consecução do seu objetivo maior, a razão de sua existência, a eliminação do estado de Israel. As centenas de reféns, por sua vez, não tinham o objetivo de municiar-se de instrumentos de negociação, mas estender a guerra o maior tempo possível, como as ações posteriores do Hamas deixaram bem claro.

O Islamismo nunca se viu como uma religião entre outras, mas como substituta de todas, a revelação final, e o infiel como o inimigo por natureza. E até nisso os muçulmanos imitaram os cristãos.

Se o Hamas tivesse certeza de que Israel seria destruído, mesmo que para isso fosse necessário o extermínio de todos os palestinos, o Hamas aceitaria a troca. Pois, como dito explicitamente em sua carta fundadora, o objetivo da organização não é exatamente construir uma nação para os palestinos, mas a destruição de Israel. “Do rio (Jordão) ao mar (Mediterrâneo), a Palestina será livre”, esse é o canto, que não é o canto de libertação de um povo, como os ingênuos creem, mas uma promessa de expansão do Islã. Ou seja, a velha jihad, a guerra santa. Pois foi essa a natureza do ataque do Hamas, um ato jihadista, um atentado suicida em escala jamais vista, com a imolação não apenas dos terroristas diretamente envolvidos no ataque, mas da maior quantidade possível de palestinos. O uso de escolas, hospitais, locais habitados como depósitos de mísseis e esconderijos, antes que proteção, têm a finalidade de direcionar o ataque israelense para os civis, provocando consequentemente a morte de palestinos em número expressivo, oferecidos em holocausto à causa jihadista. Quanto mais, melhor. O Hamas sacrifica alegremente a sobrevivência do seu povo pela esperança de destruir Israel e expulsar o Ocidente do Levante. Pois é isso que Israel representa para eles – e para a esquerda internacional – um bastião do Ocidente. É no ódio ao Ocidente e suas instituições, em testa Israel e EUA, que jihadistas e esquerdistas se encontram. O Hamas segue um padrão, Osama Bin Laden e o aiatolá Khomeini também odiavam o Ocidente simplesmente porque o Ocidente existe como campo inconquistado pelo Islã, como desagradável muralha à expansão da Umma, a comunidade dos fiéis. Para o Hamas, o problema com Israel é que Israel existe.

Nada disso é novo, o expansionismo está no ADN do Islamismo. Segundo a versão oficial, o Islã nasce com a revelação do Corão, no meio do deserto da Arábia, a um homem provavelmente analfabeto de nome Maomé, nascido em 570 d.C. e morto em 632 d.C., pela voz do arcanjo Gabriel a partir de 610 d.C. A incrível expansão do império árabe, depois muçulmano, de 622 d.C. até 750 d. C, quando já se estendia da península ibérica até a Ásia Central, é usualmente interpretada pelos muçulmanos como prova do favor de Deus e a verdade da sua fé.

A história real parece ser diferente. Segundo historiadores modernos (a bibliografia é imensa, mas cito um livro que me agrada particularmente, In the Shadow of the Sword – the Birth of Islam and the Rise of the Global Arab Empire, Tom Holland, Anchor Books, NY, 2013), as origens do Islã estão envoltas em mistério quase absoluto. Muito provavelmente, partes do Corão já existiam bem antes de Maomé, uma personagem que também se crê em larga medida uma elaboração ulterior, e partes foram compostas depois do ano 622 a.C., a suposta imigração de Maomé de Meca a Medina, a Hégira, o ano um do calendário muçulmano. A marcante diferença de estilo e conteúdo entre essas partes explica possíveis leituras contrastantes do Corão, a primeira parte de estilo mais nobre e elevado e conteúdo mais pacifista, a segunda mais direta e belicista. Ao que tudo indica, o Corão foi composto a partir de material disponível com adições posteriores para justificar e estimular a expansão árabe e criar uma unidade de crença religiosa no império.

Esse padrão não é novo na História, ele já tinha sido testado antes. O Cristianismo é, ele também, uma elaboração posterior a seu criador, o suposto Cristo histórico que, como Maomé, é completamente ignorado pelos cronistas da sua época. O Cristianismo também foi usado, desta vez por um imperador romano, Constantino, como tentativa de unificar um império que caía aos pedaços. A diferença é que o Islamismo nasceu na época em que o império árabe se formava, no seio desse mesmo império, não importado de fora num momento de desespero.

O Islamismo nunca se viu como uma religião entre outras, mas como substituta de todas, a revelação final, e o infiel como o inimigo por natureza. E até nisso os muçulmanos imitaram os cristãos. Depois de tornado religião oficial do império romano, o Cristianismo não poupou esforços para eliminar a concorrência e por séculos, até recentemente, agiu inclementemente para impor sua hegemonia e perseguir seus infiéis. Entre esses, em destaque, os judeus. O pecado original dos judeus, ao olhos cristãos, não era tanto a pecha de “assassinos de Cristo” no sentido de povo que entregou Cristo à cruz, mas no sentido de povo refratário à conversão. A recusa dos judeus em aceitar Cristo como o Messias aparecia aos cristãos como prova evidente de arrogância e malevolência. Essa é a matriz original de todos os antissemitismos e só muito recentemente a Igreja Católica deixou de orar pela conversão dos judeus (ao menos explicitamente).

Mas o Cristianismo foi forçado a se adaptar aos tempos e renunciar ao proselitismo que permitiu sua expansão a toda a Terra, as Américas, de braços com os conquistadores, a África, na garupa de colonizadores, na Ásia, junto a mercadores. Hoje, contrariamente, o Cristianismo parece em retirada, já que a sociedade ocidental decidiu que ele não mais lhe serve.

Não é o caso do Islamismo. Desde a sua expansão original, ele só faz crescer. Sua ânsia de hegemonia e planos de integração de toda a humanidade à Umma permanecem vivos e ativamente incorporados às ações de nações muçulmanas e grupos terroristas, muitos deles financiados por algumas dessas nações.

Qualquer desejável solução do conflito no oriente Médio, a menos de capitulação, passa necessariamente pela firme resolução do Ocidente em continuar existindo e o incondicional apoio ao povo israelense.

Não é a dita “causa palestina” que incendeia o Oriente Médio, nunca foi, é o espírito da jihad. Por isso, a “solução de dois estados” é uma ilusão a que apegam os muito tolos e os muito espertos. Enquanto Israel existir existirá a vontade de destruí-lo, exterminar o seu povo, varrer qualquer presença não-muçulmana dali, com ou sem um estado palestino. Esse, se existir um dia, continuará sendo, enquanto houver Israel, campo de lançamento de mísseis contra Israel e ninho de terroristas.

Com as esperanças renovadas de lograr sucesso numa empreitada em que sempre fracassou, a despeito das muitas tentativas, a conquista da Europa, não será agora que o Islã aceitará Israel, uma parte do Ocidente, por pequena que seja, encravada em seu umbigo. Nada disso tem a ver com a “questão palestina”, que convém aos muçulmanos manter aberta enquanto não se puder varrer Israel do mapa. A história, tanto a do Islã quanto a do conflito Israel- palestino, parece me dar razão.

O que se passa em Israel, em resumo, hoje como ontem, é a resistência de um povo contra a tentativa de exterminá-lo e, por extensão, a aparentemente eterna luta do Ocidente contra a expansão islâmica, que já tem mais de treze séculos de história. Até agora o Ocidente resistiu, mas não parece mais disposto a fazê-lo, inoculado que foi pelo vírus da autodestruição que as ideologias esquerdistas carregam consigo. Qualquer desejável solução do conflito no oriente Médio, a menos de capitulação, passa necessariamente pela firme resolução do Ocidente em continuar existindo e o incondicional apoio ao povo israelense. O que não deve ocorrer até que o vírus esquerdista seja eliminado do mundo pela vacina do liberalismo e pela renovação entre nós do sentimento de orgulho pelo progresso da humanidade propiciado pela civilização ocidental.

Jairo José da Silva é professor titular de matemática da UNESP e autor de "O que é e para que serve a matemática" (UNESP, 2023).

Conteúdo editado por:Bruna Frascolla Bloise
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