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A Lei 12850/2013 regulamentou a colaboração premiada e vem sendo usada com sucesso na Lava Jato. No entanto, justamente pelo efeito dominó que ela provoca, permitindo alcançar coautores dos delitos em proporções até então inimagináveis, desperta reações negativas em setores da classe política e da advocacia criminal.

As reclamações vão desde considerar que o Estado não deveria fomentar a traição, pois isso seria moralmente reprovável, até o alardear de que as prisões preventivas estariam sendo realizadas com o intuito de forçar os acordos de colaboração premiada e que estes, quando colhidos junto aos presos, seriam equiparáveis às sessões de tortura inquisitorial.

E que ninguém se engane: o preso preventivamente seguirá preso. Quem perderá será a ampla defesa

Delação premiada: a regulamentação necessária

Fins não justificam meios; fins e meios precisam ser legítimos

Leia artigo completo de José Carlos Cal Garcia Filho, advogado criminal

Seguindo essa lógica, o Deputado Wadih Damous, do PT, apresentou o Projeto de Lei 4372/2016 visando proibir que o preso possa realizar o acordo de colaboração. A pergunta que surge é: isso tornará a lei mais garantista? A resposta é negativa. Primeiro porque é falacioso o argumento de que as prisões preventivas na Operação Lava Jato tiveram o propósito de forçar acordos de colaboração premiada. Por mais que se insista retoricamente nessa tese, os números a desmentem. Em 70% dos casos de colaboração firmados, o colaborador estava solto e em 100% dos acordos a iniciativa não partiu do Ministério Público. Há também casos de réus que firmaram o acordo e permanecem presos. Quanto aos que foram colocados em liberdade depois do acordo isso se deu pelo esgotamento dos motivos da prisão cautelar, seja porque o sujeito ficou sem espaço na organização criminosa por violar a lei da omertà; seja porque a pena negociada foi branda, afastando o risco de fuga; seja porque não havia mais riscos em relação a possíveis interferências na instrução probatória. Por fim, a ampla maioria das decisões de prisão cautelar foi confirmada pelos Tribunais Superiores.

Segundo, porque os defensores da proibição de colaboração premiada para presos estão obnubilados a ponto de não enxergar sua dupla funcionalidade. A colaboração não serve apenas aos propósitos do Estado na ampliação do alcance dos resultados de investigação. Serve, em igual medida, como instrumento que amplia a defesa dos réus. Basta compreender que se alguém faz acordo de colaboração é porque tem contra si prova robusta de sua culpa e, assim, usa a colaboração premiada em seu favor para obter uma pena menor. Mas o fará apenas se assim desejar. Não estando de acordo com ela, porque não a considera moralmente aceitável ou porque acredita que ela possa ser equiparada à tortura, a saída é simples: recusar-se a fazer. E volta-se ao status quo ante. Ou seja: a colaboração premiada somente opera quando o acusado quer. E, como ninguém pode ser forçado a colaborar, se isso ficar evidenciado, a prova será ilícita.

Enfim, compreende-se a polêmica, mas se a colaboração premiada não pode ser imposta, não há porque impedi-la ao preso. De resto, se o preso não quiser usá-la poderá discutir juridicamente a validade de sua prisão cautelar usando das reiteradas possibilidades Habeas Corpus em todos os diversos graus de jurisdição. Assim, não há como comparar a colaboração premiada à tortura medieval, pois nesta o preso não tinha escolha, sendo dele arrancada a confissão por não suportar a dor física, e na colaboração premiada o que tem contra si é apenas o devido processo legal – do qual faz parte a possibilidade de prisão cautelar. São situações que não se comparam, a não ser com muita dose de retórica.

Portanto, o PL 4372/2016 deve ser rejeitado. Do contrário criará duas categorias de réus: o solto, com a possibilidade de fazer acordo redutor de pena, e o preso, para quem ela será negada. E que ninguém se engane: o preso preventivamente seguirá preso. Quem perderá será a ampla defesa.

Rodrigo Régnier Chemim Guimarães, professor de Processo Penal do Unicuritiba, procurador de Justiça.
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