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Diariamente somos assolados por más notícias: escolas que deveriam estar prontas não têm construção nem sequer iniciada; estradas em más condições, merendas estragadas ou insuficientes para as crianças, assaltos em locais escuros ou inseguros, ciclovias mal posicionadas e muitos outros desmandos. No entanto, consultadas as autoridades responsáveis, tudo, absolutamente tudo, sem nenhuma exceção, está sempre bem – ou pelo menos sendo providenciado!

Todos que assistimos aos telejornais estamos habituados a essa situação que, não fora trágica e irritante, seria engraçada. A equipe de jornalistas vai fazer matéria sobre algo que foi denunciado, geralmente descaso de alguma esfera do poder público, e constata que a denúncia era procedente: o posto de saúde está caindo aos pedaços, há sujeira por todo lado, a ponte que caiu há quase um ano não foi reconstruída, pessoas atravessam o córrego por uma pinguela insegura no caminho do trabalho ou escola, e muitas outras desgraças que infelicitam a vida da população. Geralmente o problema não é recente: quando o tema chega a ser pautado para reportagem já ocorre desde muito, os prejudicados reclamaram muitas vezes aos responsáveis, fizeram abaixo-assinados, pediram, suplicaram, procuraram fazer valer seu direito de cidadãos, até chegarem à imprensa.

Visões edulcoradas, versões piedosas, mentiras bem ou mal intencionadas nunca propiciarão a construção de nada sólido ou melhor

Os profissionais, seguindo a boa prática jornalística, após documentarem o descalabro vão ouvir o outro lado. E o que segue quase restaura a fé do espectador na humanidade e na administração pública: a autoridade, fremindo de indignação cívica, informa que o problema praticamente não existe, já há uma licitação salvadora em curso, mais médicos serão contratados, os fornecedores serão pagos e abastecerão as cantinas, o estado terminal das edificações será revertido logo, o que foi visto, fotografado e filmado não passa de uma ilusão passageira.

Na imensa maioria dos casos, uma reportagem de retorno algum tempo depois registrará que nada foi feito. Porém, o “administrador” livrou-se momentaneamente de uma situação constrangedora pela conhecida técnica da negação em série: “não há problema algum, se há algo já está sendo resolvido, trata-se de perseguição política etc. etc.”.

Recentemente – e todos os que trabalham em instituições de ensino superior assistiram a isso –, muitos alunos que desejavam renovar ou aderir ao Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) não tiveram sucesso. Durante dias, noites e madrugadas, os jovens desesperaram-se à frente dos computadores tentando fazer o registro indispensável, sempre chegando a becos sem saída: ora o “sistema caía”, ora a vítima era informada de que havia um excesso de tentativas de acesso e instada a tentar em outra hora, e todo o imenso repertório que determinados sites parecem produzir para fazer o “cliente” acreditar em sua própria inépcia. As explicações oficiais corroboravam essa teoria, e tais como Cândidos burocráticos, declaravam que tudo ia bem, no melhor dos mundos possíveis; e pareciam insinuar candidamente que a culpa era mesmo dos estudantes que, embora nativos digitais na maioria, não saberiam preencher um formulário por computador.

Foi necessária a entrada no Ministério da Educação de um professor de Ética, Renato Janine Ribeiro, vindo de uma das mais renomadas instituições de ensino do país, para que a verdade, a simples e cristalina verdade fosse declarada: não havia recursos para atender a todos. O professor Janine – recentemente demitido – não deu uma boa notícia, mas deu uma notícia honesta e demonstrou respeito pelos muitíssimos estudantes e suas famílias, que precisavam ouvi-la para saber o que fazer a seguir.

A realidade quase nunca é perfeitamente aquela que gostaríamos, mas indivíduos, instituições e países maduros precisam conviver com ela. Visões edulcoradas, versões piedosas, mentiras bem ou mal intencionadas nunca propiciarão a construção de nada sólido ou melhor. Há 2 mil anos o apóstolo João registrou as palavras de Cristo: “E conhecereis a verdade, e a verdade vos libertará”; embora em outro contexto, a frase é atual e merece reflexão.

Wanda Camargo, educadora, é assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).
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