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Um dos mais conhecidos poemas do francês Arthur Rimbaud inicia com as seguintes palavras: “Ociosa juventude / a tudo escravizada / por delicadeza / eu perdi minha vida”. O poeta faz referência à sua própria adolescência, e às perdas havidas como resultado de más escolhas, consequência da delicadeza – na verdade constrangimento – que impossibilitou recusá-las. A realidade de 1872 era bem diferente da atual, mas permanece atualíssima a ideia de uma juventude que se deixa envolver por fatores que lhe são (ou deveriam ser) alheios, e que pelas fragilidades normais dessa etapa de vida – insegurança, vaidade, medo de ser diferente do grupo – permite que seja tirada até mesmo a sua vida, talvez pela delicadeza de não se negar a cumprir desafios sem qualquer sentido.

Lamentamos recentemente a perda de um estudante que entrou em uma competição estúpida numa festa em que tomou quase 30 doses de vodca. E lamentamos muito mais saber que isso não foi uma exceção; o consumo exagerado de bebidas alcoólicas entre jovens, e até crianças, já assume a dimensão de um dos maiores problemas de saúde pública, e está em toda parte, como um inquietante desafio, uma prova de alguma coisa, que certamente não será bom senso.

Temos de conceder autonomia sem deixar de compartilhar valores, e este é um desafio verdadeiro aos pais

Comportamentos autodestrutivos têm em sua própria gênese a barreira que dificulta controlá-los; a pessoa ainda em amadurecimento, exposta diante do grupo ao qual deseja pertencer, ao álcool, às drogas, a riscos descabidos, não aceitará facilmente ponderações racionais sobre isso. A inadequação, insatisfação, ostentação, solidão, o que for que lhe tenha sido gatilho para disparar essa arma sobre si mesmo, parece um pouco aplacada no início do processo, e é quase incoercível em seu decorrer.

Pesquisas no Brasil e no mundo apontam o crescimento entre os jovens do que é chamado bi nge drinking, ou seja, um beber episódico, no qual uma grande quantidade de bebida é consumida em curtíssimo tempo, sem dar ao organismo possibilidade de recuperação, podendo levar à morte ou a comportamentos inadmissíveis ou altamente constrangedores. Assim, meninas, praticamente crianças, deixam-se fotografar em trajes sumários e poses “eróticas”, apenas porque se não o fizessem seriam rotuladas de caretas, ou qual seja o xingamento da moda para o recato, pelos instigadores da insanidade, geralmente interessados materialmente nelas. Estudantes se embriagam para não fugir à “competição”. Jovens motociclistas e motoristas dirigem seus veículos de modo suicida e assassino, acreditando com isso obter respeito dos demais.

A venda de bebidas a menores de idade é proibida, mas tal lei é amplamente desobedecida, mostrando claramente que a solução não é criar boas normas, que já temos em quantidade suficiente, mas sim cumpri-las.

Resolver problemas na teoria, sem o ônus do envolvimento e da ação, costuma ser inócuo. As famílias precisam refletir sobre seus conceitos de autoridade, distinguindo-o de autoritarismo, aproximando-se verdadeiramente de seus filhos, interessando-se de fato pelo que pensam, pelo que fazem, pelos seus sonhos e pesadelos; e contando o que sabem de escolhas e consequências. Escolas podem auxiliar, trazendo para as salas de aula discussões sobre o tema e evidenciando em aulas de Ciências as sequelas do consumo prematuro e exagerado de álcool; mas o relacionamento parental e seus valores sempre serão preponderantes.

Temos de conceder autonomia sem deixar de compartilhar valores, e este é um desafio verdadeiro aos pais, professores, irmãos, amigos, a quem ame esses meninos e meninas e se sinta responsável por eles. E ter consciência de que partilhar sua vida não significa de modo algum viver a sua vida.

Adolescentes não parecem ter real consciência de que a vida é frágil e pode terminar, nada parece ser capaz de atingi-los de verdade; ressalvadas as tristes exceções de quem perdeu entes queridos, padece doenças graves ou sequelas de acidentes, sentem-se imortais. Apenas pessoas amorosas podem convencê-los de que não são.

Wanda Camargo, educadora, é assessora da presidência do Complexo de Ensino Superior do Brasil (UniBrasil).
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