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A cidade de Curitiba experimentou novamente o grande embate gerado por defensores do Uber e da categoria dos taxistas. Naturalmente, pelos interesses envolvidos, boa parte da discussão passou ao largo de uma análise realmente crítica e fundamentada da questão. Pois bem: ao que parece, é necessário delimitar qual atividade prestada pelos taxistas, qual atividade exercida pelos motoristas do Uber e o que se pretende com a versada regulamentação da matéria.

O serviço de transporte público de passageiros está regulado pela Lei Federal 12.468/11, que em seu artigo 2.º deixa evidente que “é atividade privativa dos profissionais taxistas a utilização de veículo automotor, próprio ou de terceiros, para o transporte público individual remunerado de passageiros”. Não há duvida, portanto, de que o transporte púbico de passageiros (serviço público dependente de permissão por meio de licitação) deve ser prestado pelos taxistas e regulado pelo município. Essa é a natureza jurídica da atividade.

A atividade econômica realizada pelo Uber não pode desconsiderar as regras de isonomia e lealdade concorrencial

Ocorre que a Lei Federal 12.587/12, que institui as diretrizes da Política Nacional de Mobilidade Urbana, prevê expressamente outro tipo de modal para o transporte individual de passageiros, quando em seu artigo 3.º , parágrafo 2.º , inciso III, literalmente ressalva que “os serviços de transporte urbano são classificados, (...) quanto à natureza do serviço: a) público; b) privado”.

Ora, nitidamente a opção legislativa está a se referir a um outro modal, não vinculado à prestação da atividade de taxista (serviço público em razão de sua natureza), mas outra atividade, que neste caso pode ser exemplificada com a designação de Uber (ou qualquer outra empresa que explore atividade econômica). É dizer, os taxistas e os motoristas privados não estão na mesma categoria jurídica e, portanto, são submetidos a regimes jurídicos diversos.

Reconhecida a natureza diversa do serviço e, portanto, os regimes jurídicos aplicados a cada uma das atividades, importante uma segunda análise, qual seja, a de necessidade de regulamentação da atividade.

O interesse público local e a própria Política Nacional de Mobilidade Urbana evidenciam a necessidade de regulação municipal da atividade, quando no seu artigo 12 ressalta que “os serviços de utilidade pública de transporte individual de passageiros deverão ser organizados, disciplinados e fiscalizados pelo poder público municipal, com base nos requisitos mínimos de segurança, de conforto, de higiene, de qualidade dos serviços e de fixação prévia dos valores máximos das tarifas a serem cobradas”. É em razão dessa prestação de serviço público que os taxistas sofrem forte controle estatal sem que, com isso, haja qualquer ilegalidade. Ao contrário: isso é típico da atividade por eles exercida.

Em contrapartida, a exploração de atividade econômica realizada pelo Uber, a par de seu regime constitucional de livre concorrência e menor intervenção estatal, não pode desconsiderar as regras de isonomia e lealdade concorrencial, bem como – e analogicamente – também deve sofrer regulação pelo município, detentor da competência de ponderação dos interesses locais e de convivência harmônica de ambos os modais.

É exatamente aqui que reside o ponto central de análise. A regulamentação isonômica da atividade deve considerar não só os relevantes aspetos de qualidade e eficiência da prestação de transporte individual público (taxistas) ou privado (Uber), ou, ainda, critérios objetivos de demanda, sob pena do exercício predatório de ambas as atividades; mas principalmente a incidência proporcional (em razão da natureza do serviço) das obrigações, restrições e tributos incidentes sobre estas prestações, que no caso do Uber, por exemplo, impõe inclusive a cobrança de ISS em razão do exercício de livre atividade econômica.

Enfim, é preciso equalizar os interesses em jogo e os acirrados ânimos de ambos os lados para se entender que, por lei, atividades com natureza diversa podem e devem conviver harmonicamente. Mas para isso é necessária uma postura isonômica e concreta da administração pública, que, afinal, titulariza a solução dos interesses conflitantes e o alcance do interesse público.

Rodrigo Pironti é advogado e pós-doutor em Direito.
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