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Das memórias mais vivas. Copa de 82, o jogo fatídico contra Paolo Rossi – que era toda a Itália para uma criança de 6 anos. Meus pais receberam amigos em casa, os filhos todos uniformizados com o manto da Seleção – na época, todos nos consideravam assim. Raras vezes assistíamos às partidas inteiras – nós, as crianças – porque não aguentávamos esperar para ser. Saíamos correndo pra fora de casa imitar os jogadores, fazer os gols, sermos campeões. Até Paolo Rossi fazer o que fez. Odiei Waldir Peres por toda minha vida e, até hoje, quando assisto um frango, não importa de que time seja, é dele que me lembro.

Foi inevitável não recordar disso ao ver o neto do treinador da seleção de vôlei feminino do Brasil, José Roberto Guimarães, chorando antes mesmo do time perder para a China e ser eliminado da Olimpíada. Ao final, enrolado ainda na bandeira brasileira, o menino de 6 anos correu ao avô, sentado no banco de reservas, triste e absorto, abraçando-lhe com força. O microfone capta o avô dizendo, inutilmente, “não chora, tá, não chora”. O rosto do menino, quase coberto no ombro de Zé Roberto, deixa à mostra um olhar atento. Ele assente, tenta cumprir o pedido, tentar não chorar, chorando.

As medalhas escolares dadas indiscriminadamente para todos os alunos, porque o importante é competir, servem para algo, enfim

Como só queremos ser felizes vivendo tranquilamente nas favelas onde nascemos, segundo a abertura da Olimpíada, as dores, sofrimentos, derrotas e fracassos só conseguimos encarar assim, quando nada perdemos de verdade. Que pai não gostaria que seus filhos aprendessem a sofrer assim, para só assim sofrer na vida? Aí até conseguimos ver a beleza que há em toda perda, o bem possível que de todo mal sempre se pode tirar. A derrota de 82 me legou a forma da tragédia, essa da seleção de vôlei deve fazer o mesmo pelo neto do treinador. Teriam meus filhos vivido algo assim já?

Tenho um de 11 e outro de 5 anos. A hipótese mais óbvia seria os 7x1, da Copa. Mas, não. Aquilo foi tão fora do comum que nem tristeza deu para sentir, a coisa era simplesmente ridícula. Acompanharam a Olimpíada. Fazem como eu, mal conseguem assistir, preferem ser. Devem ter conseguido brincar de quase todas as modalidades, até natação, arrastando-se pelo carpete da casa da avó. E eles têm a agenda olímpica também, chegam da escola e cumprem as provas todas. Mas nunca perderam, são sempre ouro e prata, prata e ouro. Usam cadeirinhas e pufes para fazer o pódio. Como o mais velho tem uma coleção de bandeiras, não é raro os vencedores terem as suas “hasteadas” no chão. No iPad encontram todos os hinos. As medalhas escolares dadas indiscriminadamente para todos os alunos, porque o importante é competir, servem para algo, enfim. Mas não assistiram o neto do Zé Roberto, nem o futebol feminino, nem outras derrotas e choros.

Aí lembrei do avô deles, falecido há quase 3 anos. Imaginei como queria vê-los correndo abraçá-lo. O mais velho já entendia a morte, mas foi forte, durão. Ser duplamente taurino dá nisso: não chorou. Mas, coisa de semanas depois, foi pego de surpresa com o infarto do nosso porteiro em pleno expediente. Chorou como bebê, abraçado na mãe. O pequeno sabe que o avô morreu, mas não o que é a morte. Quando convidamos alguém para vir aqui em casa e perguntamos: “adivinha quem vem?”, várias vezes ele ainda responde: “o vô Bortolo”. E damos risada, explicando. Uma hora a ficha cai. Daí é só correr pra casa do vô Zé Roberto – sim, homônimo do treinador –, que pouco poderá fazer senão dizer: “não chora, tá, não chora”. É, acho que eles não precisam assistir mais nada.

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