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 | Felipe Lima
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O marco zero do Ocidente foi lançado com o Decálogo do Velho Testamento e o Código de Hammurabi, quase contemporâneos nos 3,5 mil anos que distam de nós. Depois, a Lex Duodecim Tabularum, há 2,5 mil anos; o Corpus Iuris Civilis, 1,5 mil anos atrás; novo hiato e surge a Magna Carta. Balizas político-jurídicas que dão identidade à civilização que se descolou do mítico e aderiu ao científico; diferenciou os âmbitos sagrados, públicos e particulares; atribuiu ao indivíduo o protagonismo da própria existência. Civilização que não tem resposta pronta, simples, para situações de conflito entre individualidade e coletividade.

As pedras de Moisés foram gravadas com regras sobre as relações das pessoas com Deus e entre si. Normas adequadas para agrupamento tribal, com economia simples e sem relevância demográfica. O poder político totalmente mesclado à religião fazia o mundano e o espiritual receberem o mesmo tratamento jurídico. Hoje, o mandamento que proíbe cobiçar a esposa do próximo soa machista, próprio do tempo em que a mulher era propriedade do homem e nem se cogitava estender a elas a proibição.

O Código de Hammurabi, escrito em colunas de pedra, das quais existe exemplar no Museu do Louvre, tinha foco nas questões cotidianas da família, negócios, construção civil. Deus não era assunto jurídico.

A celebração do 800.º aniversário da Magna Carta serve para refletir sobre a contribuição do Ocidente à dignidade moral de todos os humanos

A lei romana regrava estritamente a convivência secular em sociedade complexa, já parcialmente urbanizada. Trata das ligações entre pessoas em temas de família, comércio, agricultura, propriedade imobiliária; versa também sobre a atuação de terceiros (juízes) na solução de litígios. Traz normas que esboçam o direito processual.

O Corpus Iuris Civilis é o ocaso da primeira aurora. Consolida o conhecimento jurídico babélico do Império Romano e morre junto com Justiniano, na longa noite medieval.

Quase mil anos depois, quando as bordas do Mediterrâneo passaram a ser do Islã e o Ocidente havia se mudado para o norte, nos pântanos enevoados do Tâmisa surge a Magna Charta Libertatum, em 15 de junho de 1215. Resultante de acordo de paz entre a nobreza e a coroa, foi o primeiro documento a submeter o rei à lei, a limitar o poder de tributação, julgamento, aplicação de pena, a assegurar que os indivíduos não seriam acusados sem lei anterior aos fatos e que os julgamentos seguiriam os ritos costumeiros conhecidos por todos. Também portou sementes do parlamentarismo britânico, a ignição da democracia moderna.

João Sem Terra, ao firmar a Carta, imaginava enrolar os adversários, mas o baronato exigia vigência efetiva. O papa, em 24 de agosto de 1215, exarou bula anulando a Magna Carta sob o fundamento de que o rei havia sido forçado a aceitar acordo ilegal, injusto e que cobria de vergonha o povo inglês. Venceram batalha e perderam o trono algum tempo depois.

Na liça, a nobreza cedeu em alguns dos termos originais, reduzindo a extensão da Magna Carta em versão de 1225 que foi objeto de confirmatio cartarum em 1297. Há artigos em vigência até hoje.

A celebração do 800.º aniversário da Magna Carta serve para refletir sobre a contribuição do Ocidente à dignidade moral de todos os humanos e reforçar a convicção de que se deve incrementar a liberdade e a igualdade.

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