• Carregando...

“Os animais são todos iguais, mas uns são mais iguais que outros.” A frase, cunhada pelo escritor britânico George Orwell em seu A revolução dos bichos, é em si mesma paradoxal. Assim como não há metades desiguais, é inconcebível imaginar diferenças entre iguais. A intenção de Orwell, ao criar uma metafórica fazenda para criticar os métodos e ações políticas do regime stalinista que, com mão de ferro, pretendia construir uma utópica sociedade igualitária era o de mostrar que uns poucos gozavam de poder, riqueza e privilégios que eram negados à maioria do povo submetido ao totalitarismo e à pobreza.

Não é tão necessário recorrer às licenças literárias de Orwell para imaginar que também no Paraná os iguais são desiguais. Em tese, ressalvadas as diferenças de função e de responsabilidades, todos os servidores públicos deveriam ser tratados com isonomia. O princípio se aplica, por exemplo, aos salários. Se são definidos determinados índices de reajuste para uns, deve-se esperar que todos os demais funcionários tenham direito exatamente aos mesmos índices.

Não é o acontece. Mal aprovou a proposta do governo para conceder reposição salarial de 3,45% para a massa de 200 mil servidores estaduais, a Assembleia Legislativa concedeu 30% aos seus 386 funcionários efetivos. Embora apresentada como uma simples medida (provavelmente justa) destinada a implantar um sistema de progressão de carreira por tempo de serviço, na prática – e num momento político totalmente inapropriado – os servidores do Legislativo acabaram por se tornar “mais iguais” que seus colegas do Executivo.

A suposta dificuldade de caixa que obriga um poder a reduzir despesas deveria automaticamente se refletir nas demais instâncias

A justificativa do governo para limitar o reajuste do funcionalismo a 3,45% (quase cinco pontos porcentuais abaixo da inflação acumulada no período usado como base para a negociação) foi a impossibilidade de o Tesouro suportar o aumento integral e legal. As finanças estaduais, desequilibradas, passam por um rigoroso ajuste em que, além de precisar aumentar as receitas, o governo necessita reduzir drasticamente os gastos. Por isso, os servidores do Executivo não poderiam receber o que pleiteavam.

Os orçamentos próprios dos demais poderes, como o Legislativo e o Judiciário, têm origem no Orçamento Geral do Estado. Logo, a suposta dificuldade de caixa que obriga um poder a reduzir despesas deveria automaticamente se refletir nas demais instâncias. Não parece ter sido essa a sensibilidade da Assembleia Legislativa ao promover um reajuste para os seus quadros que representará um aumento mensal do seu gasto com pessoal da ordem de R$ 800 mil (ou R$ 10,7 milhões por ano).

“Mais iguais” aparentam ser também os servidores do Tribunal de Justiça, do Tribunal de Contas e do Ministério Público, para os quais – segundo propostas ainda em trâmite na Assembleia – se pretende conceder a reposição integral da inflação de 8,17%. Os orçamentos dessas instituições realmente comportam a concessão de tal reajuste, pois os porcentuais de participação que auferem do Orçamento Geral são proporcionalmente mais elevados do que seria usual e justo.

Desde 2011, Legislativo e Judiciário e suas instituições afins passaram a se habilitar a recursos extras, quando foram introduzidas nos repasses que lhes eram devidos verbas que antes não faziam parte dos cálculos. Até então, seus orçamentos eram limitados à participação na receita corrente líquida, mas substancial aumento se deu quando foram acrescidos aos repasses também os expressivos recursos oriundos do Fundo de Participação dos Estados (FPE).

O aumento absoluto que esses recursos extras proporcionaram enriqueceu os cofres do Judiciário e do Legislativo, dando-lhes condições para até abusar dos excedentes, como por exemplo na concessão de auxílio-moradia e outras verbas indenizatórias para a totalidade dos desembargadores, juízes, conselheiros do Tribunal de Contas, membros do Ministério Público – obedecendo a um perverso efeito cascata visivelmente injusto e prejudicial às finanças estaduais, e sem que tais privilégios representassem qualquer melhoria prática nos serviços que prestam à sociedade.

Tem-se, deste modo, de dar razão a George Orwell – todos são iguais, mas uns estão sendo mais iguais que outros.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]