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Os escoceses devem estar se sentindo traídos. Em 2014, eles votaram em um referendo que poderia levar à independência do país, parte do Reino Unido. “Better together” era o lema de campanha de quem preferia a unidade: escoceses e ingleses estariam melhor se ficassem juntos. Os que pretendiam evitar a separação evocavam os benefícios do fato de o Reino Unido estar na União Europeia, como a liberdade de movimento, imigração e trabalho entre os países do bloco. Os escoceses decidiram ficar, mas acabam de levar uma rasteira em outro referendo, no qual a maioria dos eleitores britânicos votou pelo chamado “Brexit”, a saída do Reino Unido da União Europeia. O primeiro-ministro David Cameron, que havia feito campanha pelas duas permanências (da Escócia no Reino Unido, e do Reino Unido na UE), anunciou que deixará o governo assim que concluir os trâmites do rompimento.

O projeto multinacional europeu nasceu como uma maneira de estimular a cooperação entre os países e evitar as rivalidades que levaram às duas guerras mundiais do século passado e que devastaram especialmente a Europa. O que surgiu como um pequeno mercado comum entre alguns poucos países evoluiu, em algumas décadas, para a adoção de uma moeda única e, em alguns aspectos, união política, com parlamento e cortes continentais e a adoção de políticas comuns em diversos temas. Inevitavelmente, um programa ambicioso como este teria suas dores de crescimento, das quais uma das mais sérias é a crise da dívida de alguns países da zona do euro, consequência da adoção de uma união monetária sem uma correspondente união fiscal.

De imediato, perdem especialmente os mais jovens

Os britânicos não aderiram ao euro, mas se incomodavam com a silenciosa inversão do princípio da subsidiariedade, definido no artigo 5.º do Tratado da União Europeia e que, no entanto, vinha sendo ignorado com a transferência crescente de poderes e atribuições para Bruxelas. Não deixa de ser uma situação real, mas que foi exagerada e explorada por um nacionalismo provinciano que se tornou a principal motivação de muitos defensores do “Brexit”: o que os movia não era a promoção de um grande projeto nacional, sufocado por um projeto europeu inferior, mas um sentimento difuso de “devolver a Grã-Bretanha aos britânicos”, ignorando que o Reino Unido já gozava de uma autonomia considerável dentro do concerto europeu.

Nesse sentido, só se pode lamentar o retrocesso – até mesmo civilizacional – que ocorre quando se rejeita um modelo que busca uma ampla convivência harmoniosa para privilegiar uma mentalidade menor. A subsidiariedade empodera as menores instâncias, mas tem em mente a construção do bem maior, para todos. O provincianismo, pelo contrário, fecha-se em si mesmo.

De imediato, perdem especialmente os mais jovens. Justamente aqueles que vão passar a maior parte de suas vidas sob a sombra desta decisão e os que mais sofrem hoje com o desemprego ficarão sem as oportunidades que a livre mobilidade entre os países do bloco permitia – o que se aplica tanto a jovens britânicos na Europa continental quanto aos de outros países europeus buscando chances no Reino Unido. Perde o comércio internacional, com o desfalque de uma das economias mais importantes da UE – pensemos, por exemplo, nas negociações entre o bloco europeu e o Mercosul. Perdem britânicos e demais integrantes da UE no rompimento da cooperação em áreas sensíveis como segurança.

Os termos exatos da separação ainda não estão definidos, até mesmo por se tratar de uma situação inédita (a saída da Groenlândia, parte da Dinamarca, em 1985 não é bem um precedente). Embora o ânimo dos defensores do rompimento não permita pensar nesta possibilidade agora, talvez britânicos e europeus concordem em retomar algum nível de integração mais adiante. Mesmo assim, ainda que, no fim das contas, o “Brexit” não seja o Armagedom anunciado durante a campanha do referendo, os danos serão inevitavelmente maiores que os benefícios.

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