• Carregando...
Foto ilustrativa | Jonathan Campos/Gazeta do Povo
Foto ilustrativa| Foto: Jonathan Campos/Gazeta do Povo

Acabou na semana passada o contrato de R$ 3,2 milhões que, desde janeiro de 2017, permitia à Casa Civil telefonar para você, no celular ou no fixo, para falar do governo do Paraná. Em 2017, foram disparadas 9,76 milhões de ligações telefônicas. Esse esquema de divulgação paralela do governo do Paraná, objeto de um contrato com a Companhia de Tecnologia da Informação e Comunicação do Paraná (Celepar), atende oficialmente pelo nome de “Central de Monitoramento dos Serviços Públicos”. Quase metade das ligações, contudo, conforme relatório obtido com exclusividade pelo Livre.jor para a Gazeta do Povo, via Lei de Acesso à Informação, não coincide com os objetivos da iniciativa.

O contrato da Casa Civil com a Celepar fala em “divulgação de serviços de utilidade pública e campanhas educacionais”, “coleta de dados para avaliação dos serviços públicos, projetos e programas do Estado”, “convites para audiências públicas visando a participação da população na elaboração do PPA, LOA e LDO [leis orçamentárias]”, “convocação para posse de candidatos aprovados em concursos públicos” e “integração aos serviços de gestão da informação”. A questão é que pelo menos oito, das 21 campanhas realizadas pela central, em 2017, não encaixam bem nesses quesitos. E essas campanhas significam 40% dos telefonemas feitos.

LEIA MAIS -Associação espalha outdoors em Curitiba: “governador, cadê o delegado?”

Questionada a respeito pela reportagem, a Casa Civil diz que “o contrato é seguido à risca” e que discorda do julgamento negativo acerca do uso de slogans publicitários nas gravações e da utilidade pública de algumas campanhas. “Essa é uma avaliação pessoal de quem questiona”, rebate a assessoria do órgão, que é dirigido por Valdir Rossoni (PSDB) e faz a gestão política do governo do Paraná. Os dados sobre a Central de Monitoramento dos Serviços Públicos foram solicitados em julho de 2017 e, após um contato em novembro, foram integralmente repassados à reportagem somente em janeiro – seis meses após o pedido inicial.

“Paraná avança”

“Você sabe por que o Paraná se destaca no Brasil? Porque o paranaense acredita em nosso estado”. Era assim que começava a campanha de telemarketing realizada em abril de 2017 pela Casa Civil. “Segundo levantamento do Paraná Pesquisas, 55% dos entrevistados entendem que o governo do estado adotou as medidas corretas em seu ajuste fiscal para enfrentar a crise nacional e, para 42%, a situação do Paraná vai melhorar ainda mais nos próximos 12 meses. Com otimismo e trabalho da nossa gente, o Paraná avança cada vez mais”, dizia o resto da mensagem. Durante 30 dias, 495.185 números de telefone, espalhados em 22 cidades do estado, receberam essa ligação.

Imagem da apostila que detalha o serviço prestado ao governo do ParanáReprodução

Essa campanha, identificada no relatório apenas como “Divulgação - Ações do governo do Estado”, resultou em 1,649 milhão de ligações. No documento, elas são chamadas de “tentativas”, e o relatório não informa quantas dessas foram bem-sucedidas. O governo confirmou possuir esses dados, uma semana após o último contato da reportagem, mas disse que não poderia repassá-los sem uma nova consulta à Celepar, nem fornecer uma estimativa.

No mesmo mês da pesquisa citada, em abril de 2017, outra campanha mobilizou apenas 12 mil telefonemas. Ela foi direcionada a 4,8 mil usuários do programa Farmácia do Paraná residentes na Grande Curitiba, informando sobre uma mudança de endereço. A gravação era bem mais impessoal: “Prezado usuário, se o seu atendimento já foi transferido para a Farmácia Marechal, você deve continuar retirando seus medicamentos nesta unidade. Se a equipe da Farmácia da Kennedy ainda não fez sua transferência, a retirada continua normalmente na Kennedy. As transferências serão feitas aos poucos e você será informado pela equipe”. Das 21 campanhas, apenas essa, a divulgação do SOS Racismo, informações sobre a vacina da dengue e uma pesquisa sobre segurança pública não usam slogans publicitários.

Nenhuma das peças faz propaganda pessoal do governador Beto Richa (PSDB), ou cita qualquer outro político diretamente. São as menções elogiosas à administração, alinhadas à publicidade oficial, que chamam a atenção. Por exemplo, o bordão “Governo do Estado, sempre a favor dos paranaenses” , aparece em 14 das 21 campanhas feitas pela Casa Civil. Ele é usado em avisos sobre o uso dos créditos do programa Nota Paraná para pagamento do IPVA, em anúncios regionalizados de obras viárias, na comemoração do uso de transporte aeromédico para transplante de órgãos e até num comunicado destinado a 1,9 mil usuários do SUS, sobre a disponibilidade de hormônio do crescimento nas unidades médicas.

Questionada sobre o alinhamento das ligações com as peças publicitárias do governo, a Casa Civil respondeu que: “os slogans são do Governo do Estado. E o que se divulga são os serviços, obras ou ações do governo. Todos esses itens são de utilidade pública”.

Utilidade pública ou publicidade?

Quando o pedido de informação foi enviado ao governo do Paraná, em julho de 2017, ele foi endereçado à Secretaria Estadual de Comunicação Social (Secs). A reportagem avaliou que esses telefonemas faziam parte de alguma política de publicidade dos atos oficiais. Só que no dia 8 de outubro, a Secs, num despacho interno, disse que “o contrato de telemarketing com a Celepar é de responsabilidade da Casa Civil, e a Secs não possui as informações, portanto deverá ser encaminhado para quem administra o contrato que é a Casa Civil”.

Em novembro, as informações sobre o contrato foram passadas pela Casa Civil à reportagem e, agora em 2018, a apostila com as campanhas também foi fornecida, conforme solicitava o pedido original. Na resposta sobre qual o objetivo da contratação da Central de Monitoramento dos Serviços Públicos, o órgão que faz a coordenação política da gestão Richa disse que era “para divulgar obras, ações administrativas e serviços disponibilizados pelo governo do Estado”. E é a divulgação de obras, nos 40% desconexos dos objetivos, que merece uma reflexão, pois o contrato se apoia na noção de utilidade pública.

Reprodução

Seis campanhas regionalizadas, com gravações bastante semelhantes, em julho de 2017, são anúncios de obras viárias. “Olá, o governo do Estado tem umas informações importantes pra você”, começava a ligação. “Duas das principais rodovias da região Centro Sul passam por reformas, equipes contratadas pelo Departamento de Estradas de Rodagem do Paraná trabalham no recapeamento da PR-459 e da PR-449. As duas rodovias fazem a ligação entre as cidades de Palmas e Mangueirinha. A obra, que recupera 72 km, vai beneficiar diretamente cerca de 70 mil moradores da região. Outra importante ação prevista para a região é a pavimentação de 28 km da PR-912 que liga Palmas a Coronel Domingos Soares. Governo do Estado, sempre a favor dos paranaenses”.

LEIA TAMBÉM:“Ainda não decidi meu futuro político”, diz Beto Richa a dois meses do prazo

Em outras campanhas, há a preocupação em informar o cidadão sobre algo: o número para denunciar o racismo, onde retirar remédios, o site para buscas cirurgias e o desconto para quem paga o IPVA antecipado. Nas peças sobre obras na malha viária, o cuidado com a utilidade pública da mensagem não é aparente - pois poderia informar o período da mudança, eventual impacto no tráfego, etc. Questionada sobre isso, a Casa Civil alega que “a divulgação de obras é um serviço público prestado à população, prezando sempre pela transparência dos investimentos”. E repete que é a reportagem que não nota a utilidade pública das ligações.

Prestação de contas

A Secretaria de Comunicação publica regularmente a prestação de contas com gastos em publicidade de todos órgãos públicos estaduais, com valores, tipo de mídia e órgão contratante. É um relatório bastante completo, que é publicado para escrutínio público no Diário Oficial do Estado. Do jeito que a Central de Monitoramento dos Serviços Públicos foi implantada, a despesa ficou de fora dos relatórios oficiais de gasto com divulgação das ações de governo. No documento mais recente disponível, referente aos dois primeiros quadrimestres de 2017, de janeiro a outubro, não há referência à Casa Civil.

“Não há qualquer ilegalidade [na ausência da despesa no relatório da Comunicação Social]”, defendeu o órgão, para quem é apenas presunção da reportagem que a despesa de R$ 3,2 milhões deveria constar nesse documento. “E as despesas da Casa Civil não podem ser lançadas em conjunto com a Secretaria de Estado da Comunicação Social. Cada secretaria tem orçamento e contabilidade própria”, completa a administração.

A capa da apostilaReprodução

A verdade é que o gasto de outras secretarias com divulgação oficial aparece diretamente no relatório, que faz referência expressa às pastas de Segurança Pública, Desenvolvimento Social e Esporte e Turismo. Estão lá também despesas com propaganda do Fundo da Saúde, do Fundo da Infância e do Adolescente e do Fundo da Assistência Social, assim como das universidades estaduais. Por sinal, até outubro de 2017, hávia apenas um gasto pequeno, de R$ 3,2 mil, da Sanepar com a tecnologia URA (Unidade de Resposta Audível), uma das ações usadas no contrato milionário da Casa Civil.

Consultada sobre o fim do contrato que mantinha a Central de Monitoramento dos Serviços Públicos, a assessoria da Casa Civil disse acreditar que um novo aditivo contratual possa ser assinado nos próximos dias para garantir a continuidade das ligações. Inicialmente, a divulgação de comunicados de utilidade pública custaria R$ 2,58 milhões aos cofres públicos, com validade por 12 meses. Mas em agosto do ano passado, no meio da execução do contrato, o limite de ligações foi aumentado em 25%, a duração foi extendida por mais um mês, e o valor subiu R$ 645 mil, chegando aos R$ 3,2 milhões atuais.

0 COMENTÁRIO(S)
Deixe sua opinião
Use este espaço apenas para a comunicação de erros

Máximo de 700 caracteres [0]