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| Foto: Theo Marques/Gazeta do Povo/Arquivo

Em 2013, a então presidente Dilma Rousseff (PT) dava início a seu inferno astral. Após um descontentamento generalizado e uma série de protestos populares que tomaram as ruas de várias cidades do país, a petista via sua popularidade desmanchar como açúcar em água quente. Era véspera da eleição presidencial. Sobrou para um publicitário o trabalho agridoce de conduzi-la a um segundo mandato – aparentemente improvável – no Planalto.

João Santana era uma espécie de camisa 10 nas campanhas petistas desde que seu antecessor, Duda Mendonça, havia caído por um envolvimento no caixa 2 revelado pelo escândalo do mensalão. Celebrado e respeitado, Santana confessou mais tarde que receberia um valor astronômico para a campanha de marketing daquele ano: R$ 70 milhões. Um valor absurdo se levado em conta apenas as vias legais. Em recente delação premiada no âmbito da Lava Jato, o marqueteiro disse que o total era de R$ 105 milhões, esquentado por repasses da Odebrecht em contas no exterior.

O esquema deu certo. Uma parte dele, ao menos. Com uma campanha calcada no medo e de muito impacto visual, Dilma foi reconduzida ao principal cargo do país, para ser derrubada dois anos depois via impeachment. Santana, por sua vez, embolsou uma das cifras mais vertiginosas em campanhas políticas no Brasil. Mas, desde 2016, amarga uma pena de 8 anos por lavagem e dinheiro no esquema do petrolão. Foi o fim da “época romântica” (às avessas) do marketing eleitoral no país.

Três décadas de uma prática que ruiu com a Lava Jato. Agora, a regra é limite de gastos. E só verba pública

O fenômeno permeou as últimas três décadas da democracia brasileira. O marketing político, de lá para cá, quase se tornou uma instituição.

“Foi quando vimos surgir esses autodenominados magos da comunicação. Gente realmente eficiente em seu trabalho, mas que muitas vezes agia de maneira escusa, tanto que muitos estão arrolados em processos de corrupção”, explica o historiador e doutor em Sociologia pela USP Paulo Boaventura. “Todas essas cifras milionárias enriqueceram os profissionais do marketing, mas trouxeram essa pecha negativa para a profissão. E isso explica o clamor da opinião pública que terminou com a recente reforma política [aprovada em 2017].”

Um dos principais pilares da reforma política é o limite de gastos nas campanhas eleitorais – algo que já havia sido imposto em 2016. A Justiça Eleitoral estabeleceu um teto máximo de R$ 70 milhões para campanhas presidenciais, por exemplo.

Mais ainda: fica proibida a doação de empresas para candidatos (também algo já estipulado nas últimas eleições municipais). E ambas as medidas afetarão diretamente o valor gasto com as equipes de comunicação estratégica.

Mas não sem contrapartida. A reforma aprovou, por outro lado, um fundo eleitoral – pago pelos eleitores – para garantir o financiamento das campanhas.

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Verba pública para candidatos é bilionária. Mas...

Mauricio Ramos: “O fundo eleitoral é muito dinheiro [são quase R$ 2 bilhões]. É dinheiro para mais de metro”.Foto: Walter Alves/Gazeta do Povo/Arquivo

“O que se observa é que haverá disciplina porque estamos em um cenário muito competitivo em que um denuncia o outro. Será muito difícil trazer dinheiro para uma campanha que não seja documentado”, diz Mauricio Ramos, publicitário que comanda a agência Social Ideas e que tem vasta experiência em campanhas eleitorais.

“Mas, vamos combinar: o fundo eleitoral é muito dinheiro [são quase R$ 2 bilhões]. É dinheiro para mais de metro. As campanhas terão recurso, muito embora os partidos devam continuar a fazer campanha de doação de pessoas físicas. Porque você envolve as pessoas, traz as pessoas para ela, faz engajamento. Por menor que seja a contribuição, geram um sentimento de pertencimento, de ‘eu acredito nesse projeto’”, diz Ramos.

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... campanhas multimilionárias são coisa do passado. Ainda assim, há problemas

De qualquer forma, as campanhas multimilionárias devem ficar para os livros de história. “Partindo do princípio que nós não temos mais o financiamento privado de campanhas, então você reduz o orçamento. Até então as campanhas eram vultosas por conta da doação das grandes empresas. Você não vai ter mais um João Santana ou um Duda Mendonça, que ganhavam R$ 20 milhões, R$ 30 milhões, R$ 40 milhões em uma única campanha”, aposta Roberto Rondo, coordenador do observatório de marketing político e governo e professor douto na mesma área na Universidade Mackenzie, de São Paulo.

Parece promissor, mas não necessariamente é. Isso porque a reforma não corrige todos os problemas da diferença de campanhas no Brasil. Na verdade, até acentua.

É que o fundo eleitoral é pago de acordo com a representatividade de cada partido no Congresso. “Obviamente a reforma política só foi aprovada porque teve a criação desse fundo eleitoral. E quando você vê a distribuição representativa desse dinheiro, você continua favorecendo os partidos grandes. Eles continuam tendo recurso para bancar grandes equipes de comunicação estratégica para cargos majoritários”, diz o professor Rondo.

Para ele, embora as campanhas ficarão mais enxutas, elas envolverão novos profissionais, em sua maioria talentosos, e que vão ser realocados de acordo com o que cada sigla está disposta a pagar. “Eles cobram mais ou menos o que você cobraria em uma grande campanha publicitária. Você não vai superfaturar o processo”, aponta Rondo.

Os novos superstars da comunicação política: os consultores e estrategistas

Entre os grandes protagonistas do pleito de 2018 devem estar Chico Santa Rita e Rubens Figueiredo, por exemplo – nomes que não necessariamente saíram de agências de propaganda, mas sim de consultoria política.

Cila Schulmann: sem dinheiro, campanha eleitoral de 2016 foi um “desastre” do ponto de vista da comunicação.Foto: Rodolfo Bührer/Gazeta do Pov/Arquivo

Não é um cenário favorável para todo mundo, diz outra estrategista, Cila Schulman, que está no jogo político-eleitoral desde 1988. “Algumas campanhas que tem um candidato majoritário forte acaba prejudicando os candidatos proporcionais. No PSDB, eles decidiram que uma boa parte dos recursos vai para a candidatura presidencial. Apesar de terem mais recursos, sobra menos para os [candidados das eleições] proporcionais [a deputado]. Em uma campanha que [você] entra coligada, divide melhor esse dinheiro. Então essas siglas pequenas estão se beneficiando disso nesse momento. Acho que o troca-troca partidário tem a ver com isso. Um candidato sai de uma sigla e vai para outra em busca de mais recursos para a sua campanha”, aponta a especialista em marketing.

Para esse ano, ela espera que tais regras tornem as campanhas “mais modernas, como devem ser”. “A estratégia será mais importante”, diz, apesar de admitir que a primeira experiência com o fim do financiamento privado de campanhas, nas eleições municipais de 2016, decepcionou.

“Foi um desastre. Como não se tinha dinheiro, foi a campanha mais irregular da história”, diz Cila. Ela baseia o comentário em dados apresentados pelo ministro do Superior Tribunal Eleitoral (e do STF) Gilmar Mendes. “Qual foi o resultado [da proibição da doação privada]? É só pegar os números do TSE nas eleições de 2016. Tivemos 730 mil doadores, 330 mil laranjas, pessoas que não tinham capacidade de doar. Qual vai ser o quadro de 2018?”, questionou em uma palestra no fim de 2017.

Especialista aposta: apenas 20% dos eleitores vão decidir as eleições

As novas regras são apenas a primeira marca para os “marqueteiros” que querem vencer essa disputa de salto. A polarização do debate político é uma risca ainda mais vertiginosa.

“Será um cenário dificílimo para trabalhar o convencimento. Porque as posições estão tomadas. Quanto sobra do eleitorado para pender para cá ou para lá? Talvez uns 20%? A estratégia tem que ir neles e sem perder a ala mais radical de suas posições. Tem que enfraquecer o discurso que polariza. Aquele que se mover pode não conquistar o público indeciso e ainda perder uma fatia”, aponta Mauricio Ramos, que estará envolvido nas eleições deste ano.

Em anos anteriores, Ramos organizou as campanhas eleitorais do empresário paranaense Marcelo Almeida (que concorreu ao Senado em 2016) e de Ratinho Junior à prefeitura (apenas o primeiro turno), em 2012 – além de disputas proporcionais.

Era um mar muito mais palatável, ainda que tivesse saído derrotado das duas principais empreitadas. “Na campanha do Marcelo Almeida, os erros e acertos foram meus. Não era uma campanha com o objetivo de eleger. O Alvaro Dias, seu principal oponente, já tinha quase 4 milhões de votos no início da corrida. Ele só caminhou sem marola. O Marcelo tinha consciência disso e nós queríamos representá-lo como uma pessoa que anda de bicicleta, que tem uma Kombi. Diferentemente de um milionário que poderia ter uma Ferrari, ele anda em uma Kombi. O objetivo era fazer com que as pessoas não tivessem medo dele. Queríamos que as pessoas vissem ele na rua e gritassem: ‘e aí, Marcelo, tudo bem?’. E isso foi cumprido”, relembra.

Campanha presidencial terá pouco de “paz e amor” e muito de guerrilha

Mas os embates de 2018, sobretudo o presidencial, parecem caminhar para um lado bem menos paz e amor. “É diferente [o marketing de hoje com o de poucos anos atrás]. Não diria que era mais difícil ou mais fácil. Mas antigamente havia mais esperança, acreditávamos mais no que fazíamos. As campanhas eram maiores em termos de tempo. Elas começavam em fevereiro e março e iam até novembro. Hoje dura um mês, 45 dias. É muito pouco para se fazer uma campanha”, lamenta Cila Schulman.

A estratégia de guerrilha em um cenário polarizado é a chaleira perfeita para a ebulição. “Podemos esperar campanhas muito agressivas, em que o excesso deve predominar”, aposta o sociólogo Paulo Boaventura.

É para dar ordem nesse apocalipse marqueteiro que alguns dos novos nomes do marketing pretendem se unir em uma espécie de organização com princípios bem definidos: o Clube Associativo de Marketing Político (Camp), que vai ser lançado em abril.

“Nos reunimos e para mostrar que nossa profissão é séria, é importante e que nós não somos bandidos. Temos uma profissão, e não é ‘marqueteiro’. Nós estudamos para ter a formação que temos. Vamos fazer ações institucionais, vamos ter uma carta de princípios e artigos para os participantes. Temos uma turma de fundadores que passou por vários crivos, que tem ligações com associações de outros países”, diz Cila Schulman. Ela assumirá a posição de vice-presidente – um cargo galgado em suas décadas de experiência no ramo.

Do romantismo das reuniões em casa aos tiros mortais disparados na web

A campanha de Jaime Lerner ao governo do Paraná, em 1994, surpreendeu até seus organizadores. “Ele era um candidato sem carisma, contra um Alvaro Dias que tinha tudo, carisma, beleza... O Jaime não tinha isso, por isso a campanha inovou na forma”, relembra Cila, uma das responsáveis pelo marketing eleitoral na ocasião, quando Lerner foi eleito ao Executivo estadual pela primeira vez.

“Eu comparo isso de hoje, os grupos de Whatsapp, por exemplo, com o que a gente fez em 1994. Tivemos uma campanha com voluntários. A gente mandava uma fita VHS com a história do Jaime e as pessoas se reuniam nas casas para assistir. Aí as pessoas que participavam preenchiam uma ficha e se comprometiam a receber outras na sua casa. É o esquema de multiplicação que vemos hoje na internet. Fizemos lá atrás”, diz Cila.

Hoje as armas são bem mais potentes e os tiros mais mortais. E preocupantes, é claro. Escândalos como o de uso de dados privados colhidos no Facebook pela consultoria britânica Cambridge Analytica, assunto que explodiu há duas semanas, mostram que os limites da agressividade do marketing político não são bem claros. A empresa usou essas informações para direcionar propaganda política para Donald Trump, eleito presidente dos Estados Unidos em 2016.

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“Muito depende do que é preocupação. Se eu estou gerenciando uma campanha majoritária e tenho grana para bancar uma empresa de análise de dados dessas, para mim é um diferencial estratégico. Mas se você comentar que isso diminui a chance de um candidato menor, a resposta é sim”, diz Roberto Rondo, da Mackenzie.

“Mas diminuiria também de outras formas. Ele tem financiamento limitado, tem pouca capacidade de capilaridade eleitoral. As pessoas criavam uma esperança de que com o financiamento público de campanha, isso iria resolver todos os problemas do planeta. Não resolve. Você ainda tem partidos grandes que vão ficar com a maior parte do bolo”, afirma Rondo. “O problema é quando isso se torna uma análise invasiva. Porque essa é a capacidade do big data. A Justiça eleitoral brasileira deve criar mecanismos nos próximos anos para combater isso.”

Um contraponto: “Não é a rede social que define uma eleição”

Cila, que comanda uma empresa de big data, sabe bem do impacto disso. “O big data e as redes sociais fazem parte do mundo atual. Não tem volta. Mas são apenas ferramentas. Assim como a televisão é ferramenta. O mais importante é a estratégia e não a ferramenta. Não é a rede social que define uma eleição. Não foi ela que definiu o Trump ou o Brexit [a saída do reino Unido da União Europeia]”, diz.

Ainda assim, Cila aponta preocupações. “Uma coisa que vai diferenciar essa campanha é o impulsionamento de publicações no Facebook. A gente praticamente não tem no Brasil campanha paga. A única coisa paga que tinha eram aqueles anúncios de jornal. Mas agora você vai poder pagar impulsionamento no Facebook e isso muda muito”, diz ela.

“Aqui no Brasil ninguém teve essa experiência para saber o quanto investir. A discussão é saber como Facebook vai lidar e dar transparência para isso. Se o eleitor não souber o que é patrocinado, isso vira uma grande confusão. Pode ter até bitcoin na história. Não sabe de onde vem o dinheiro. Como nos Estados Unidos. Não sabemos como vai ser”, diz a profissional, que alerta: as empresas de dados já estão aqui.

“Agora que o Facebook levou um tombo, certamente vai se preocupar. A eleição do Brasil é uma das maiores do ano em termos de número de eleitores”, alerta.

Uma coisa é certa nas eleições de 2018 para o marketing eleitoral: as incertezas

É um cenário em que os especialistas em comunicação precisam se atualizar com uma frequência invejável. “Temos essa prática no Brasil. Todas as campanhas são diferentes. Isso é uma das coisas mais desafiadoras. Sempre ter que se adaptar às regras novas. Tem coisas que só são definidas na véspera. Outro dia queriam mudar o esquema de pesquisas eleitorais [uma decisão do TSE, revogada no começo do mês, que proibia questionários eleitorais que não dissessem respeito diretamente ao pleito]”, diz Cila.

“São sempre inseguranças que temos sobre como vai ser a campanha. Por isso os nossos colegas advogados são tão importantes perto da gente. Se você erra em algo jurídico, você pode colocar a campanha toda em risco. Seu candidato pode ganhar e não assumir”, complementa ela.

“Eu sou campeão nisso. Em arriscar o que podia e não podia”, diz Mauricio Ramos. “Transformei bicicleta em outdoor. Daí não tinha isso na legislação, de que bicicletas com painel poderiam funcionar. Trouxe na campanha do Ratinho uma tela eletrônica em cima de um caminhão. As pessoas achavam que era comício. Marketing bom traz trabalho para o advogado. É aquele que causa confusão.”

E a confusão deve seguir. Afinal, em eleição tudo faz sentido “até o dia seguinte”, como na frase do escritor norte-americano Walt Whitman.

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