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Alexandre de Moraes
Alexandre de Moraes, no plenário do STF| Foto: Gustavo Moreno/STF

A decisão do ministro Alexandre de Moraes de abrir inquérito, no Supremo Tribunal Federal (STF), para apurar suposta desobediência de suas determinações, por parte do dono da rede X, Elon Musk, contornou uma regra do regimento da Corte. Conforme o regimento, caberia ao presidente da Corte, Luís Roberto Barroso, comunicar o caso ao Ministério Público. Em vez disso, Moraes optou por instaurar uma investigação de ofício, por sua própria iniciativa.

O artigo 46 do regimento do STF diz que “sempre que tiver conhecimento de desobediência a ordem emanada do Tribunal ou de seus Ministros, no exercício da função, ou de desacato ao Tribunal ou a seus Ministros, o Presidente comunicará o fato ao órgão competente do Ministério Público, provendo-o dos elementos de que dispuser para a propositura da ação penal”. Propor ação penal significa, nesse caso, denunciar criminalmente a pessoa que desobedeceu a algum ministro, juntando as provas da conduta.

O artigo seguinte do regimento, 47, ainda prevê que, se isso não for feito em 30 dias, Barroso deve reunir o tribunal, numa sessão secreta, para decidir o que fazer. “Decorrido o prazo de trinta dias, sem que tenha sido instaurada a ação penal, o Presidente dará ciência ao Tribunal, em sessão secreta, para as providências que julgar necessárias”, diz o dispositivo.

Moraes deixou de seguir esse procedimento e a Procuradoria-Geral da República (PGR), que representa o Ministério Público Federal junto ao STF, ignorou. Nesta terça (9), o órgão recomendou ao ministro que tome depoimento dos executivos da X no Brasil para saber se Musk tem poder interno para mandar reativar perfis vetados pela Justiça e se isso já ocorreu.

Outro problema na decisão de Moraes, já apontado por juristas, é que não há evidências de que o crime de desobediência teria ocorrido por parte de Musk e da rede X (antigo Twitter). A investigação foi aberta a partir de postagens em que o empresário anunciava que iria reativar na plataforma perfis de brasileiros bloqueados por ordem do ministro. Mas, no Brasil, esses perfis ainda não foram liberados.

São os casos, por exemplo, das contas de Allan dos Santos, dono do site Terça Livre; de Paulo Figueiredo Filho, empresário e comentarista político; e da juíza aposentada compulsoriamente Ludmilla Lins Grilo – todos críticos de Moraes e do STF e que, atualmente, publicam vídeos dos Estados Unidos, onde passaram a viver.

“É como se fosse no ‘Minority Report’”, diz o advogado Adriano Costa, numa referência ao filme de ficção científica em que a polícia prende pessoas com base em previsões de futuro que apontam que elas cometeriam um crime. “Musk disse que ia descumprir as decisões, mas não descumpriu. É uma mera especulação, que não é crime. Decidir abrir uma investigação, de ofício, sem provocação, baseada numa postagem, sem que tenha ocorrido algum ato concreto de descumprimento de decisão judicial, é transformar uma crítica em objeto de investigação. Demonstra que o caso tem conotação mais política que jurídica”, completa.

Um terceiro problema, também apontado por alguns juristas, é que, no caso das decisões de Moraes determinando o bloqueio de contas, eventual reativação não configuraria crime de desobediência, uma vez que o ministro fixou aplicação de multa em caso de descumprimento.

Segundo a jurisprudência do STF, quando há imposição de multa, se determinada decisão judicial for descumprida, não há crime. “Não configura crime de desobediência o comportamento da pessoa que, suposto desatenda a ordem judicial que lhe é dirigida, se sujeita, com isso, ao pagamento de multa cominada com a finalidade de a compelir ao cumprimento do preceito”, diz um precedente de 2006 da Corte, em processo de relatoria do ministro aposentado Cezar Peluso.

A reportagem questionou Alexandre de Moraes, por intermédio da assessoria de imprensa do STF, sobre o procedimento adotado, mas não houve resposta. O espaço permanece aberto.

Embora aprovado internamente pelos ministros, o regimento interno do STF tem força de lei. Foi uma regra do regimento, aliás, que embasou o inquérito das “fake news”, do qual derivou o inquérito das “milícias digitais”, no qual Musk agora é investigado.

Para abrir a investigação, em 2019, o então presidente da Corte, Dias Toffoli, se valeu do artigo 43, que permite ao ocupante do cargo instaurar inquérito para apurar “infração à lei penal na sede ou dependência do Tribunal” – apesar dessa limitação física, os ministros acabaram definindo que isso valeria também para as ofensas e ameaças feitas fora dos edifícios da Corte, a exemplo de manifestações negativas dirigidas aos ministros na internet.

Desde o início do caso, o escritório de advocacia que representa o X no Brasil optou que não iria se manifestar publicamente sobre a investigação, apenas nos autos do inquérito.

Nesta semana, os advogados do X pediram a Moraes que ordens judiciais relacionadas à operação da plataforma fossem enviadas diretamente à sede da companhia nos Estados Unidos. O ministro rejeitou o pedido com críticas, escrevendo que ele beirava a litigância de má-fé e revelaria cinismo, uma vez que a filial brasileira do X há anos recebe e cumpre decisões judiciais dos tribunais brasileiros.

Ministros se unem para defender Moraes

As críticas de Musk a Moraes e a ameaça de descumprimento de suas decisões levaram outros integrantes da Corte a defendê-lo e a repudiar a atitude do empresário. O presidente do STF, Luís Roberto Barroso, afirmou, em nota, que “toda e qualquer empresa que opere no Brasil está sujeita à Constituição Federal, às leis e às decisões das autoridades brasileiras”, e que decisões judiciais “podem ser objeto de recursos, mas jamais de descumprimento deliberado”.

Decano do STF, Gilmar Mendes se solidarizou com Moraes, dizendo, em pronunciamento nesta quarta (10), que Moraes “enche de orgulho a nação brasileira, demonstrando, ao mesmo tempo, prudência e assertividade na condução dos múltiplos procedimentos adotados para a defesa da democracia”. Acrescentou que decisões do STF “podem ser analisadas e criticadas, mas jamais podem ser descumpridas dolosamente”.

Na rede X, Flávio Dino postou que “insistir em infundados ataques pessoais contra o Ministro Alexandre de Moraes, além de ser procedimento indigno, é inócuo”.

Vice-presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Cármen Lúcia também se manifestou nesta terça. Presidindo a sessão da Corte no lugar de Moraes, afirmou, sem citar Musk, que “todas as pessoas físicas ou jurídicas se submetem ao direito do país e cumprem as decisões judiciais”.

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