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Paralisação de servidores do Ibama afeta atividades de fiscalização na Terra Indígena Yanomami
Paralisação de servidores do Ibama afeta atividades de fiscalização na Terra Indígena Yanomami| Foto: Ricardo Campos / Ibama

Quase um ano após decretar emergência em saúde na Terra Indígena Yanomami (TIY), em Roraima, a situação ainda é alarmante. Apesar da série de ações emergenciais tomadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023, integrantes da gestão petista admitem que os “esforços de proteção às comunidades Yanomami não foram suficientes”. A situação pode ainda se agravar devido à paralisação de servidores do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais (Ibama), responsáveis por atuar nos crimes ambientais que ocorrem na Terra Indígena.

Uma reunião comandada por Lula, no Palácio do Planalto, na terça-feira (9), reuniu 13 ministros para tratar das ações de 2024 na Terra Indígena Yanomami. Na reunião, o presidente determinou que as medidas emergenciais adotadas ao longo de 2023, diante da crise vivida pelos indígenas Yanomami, deem lugar a ações permanentes, com previsão de investimentos de R$ 1,2 bilhão neste ano.

Após o anúncio, as ministras do Meio Ambiente, Marina Silva, e dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, estiveram em Roraima e afirmaram que as ações de 2023 não foram suficientes para barrar a crise.

As ações, no entanto, já devem iniciar com desfalque, já que servidores do Ibama, destinados a atuar na fiscalização ambiental da área, devem permanecer com atividades restritas, nos escritórios do órgão. A paralisação das ações de fiscalização foi anunciada no começo de dezembro, mas teve início, de fato, somente no dia 3 de janeiro deste ano.

A crise na Terra Indígena Yanomami ganhou repercussão com o início do terceiro mandato de Lula. Logo no primeiro mês de governo, uma narrativa foi criada contra o governo anterior, do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), acusando-o de "genocídio", pela morte dos indígenas em Roraima. No entanto, a crise alardeada em 2023 remonta os anos 2000 e teve números semelhantes em diversos governos anteriores.

Paralisação dos servidores do Ibama afeta ações na Terra Indígena Yanomami 

A paralisação dos servidores do Ibama, seguida também pelos servidores do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), suspendeu as atividades de campo dos órgãos. Sendo assim, os servidores seguem trabalhando “exclusivamente em atividades internas e burocráticas”.

O objetivo é chamar a atenção do governo para a necessidade de reestruturação da carreira dos servidores públicos que atuam no Ibama, no ICMBio e no Ministério do Meio Ambiente. Dentre as reivindicações, estão a redução da diferença de salário entre técnicos e analistas, as gratificações por atividade de risco e melhorias das condições de trabalho em campo. Para o ex-diretor de proteção animal do Ibama, Samuel Souza, essas reivindicações são válidas. “Em especial, a questão da periculosidade é muito importante. As situações de risco da atividade de fiscalização são muito grandes”, disse Souza.

Essa paralisação afeta diretamente os trabalhos na Terra Indígena Yanomami, já que, de acordo com documento obtido pela Gazeta do Povo, o planejamento para as fiscalizações no local deveria contar com 87 agentes do Ibama nos meses de janeiro e fevereiro. No entanto, somente quatro confirmaram que irão compor as equipes, enquanto outras três inscrições ainda tinham pendências, de acordo com o documento datado do dia 5 de janeiro.

De acordo com a Associação Nacional dos Servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e do PECMA (Ascema), o Ibama tem hoje 723 agentes de fiscalização ambiental, que estão aptos a atuar nestas operações. Ainda de acordo com a associação, há uma média mensal de 300 agentes que atuam em campo no Brasil. Souza destaca que para ser agente de fiscalização, os servidores precisam passar por cursos específicos, o que os habilita, por exemplo, a portar armas durante as ações.

Em relação aos trabalhos do Ibama na Terra Indígena Yanomami, os servidores do Ibama apontaram, em nota à imprensa, que suas ações tiveram “notáveis resultados”. Dentre as ações mencionadas estão a redução em 77% da área desmatada para a abertura de garimpos. “Essa conquista somente foi possível com as intervenções dissuasórias do Ibama somando um total de 310 ações de fiscalização ambiental naquele período, com aplicação de quase 200 autos de infração que somaram mais de R$ 60 milhões em multas. A nota diz ainda que somente nas ações em terras Yanomamis foram desmobilizados 361 acampamentos, e apreendidas ou destruídas 33 aeronaves clandestinas, 32 balsas, 43 barcos, dentre outros itens, além do embargo de 6.907 hectares.

Souza destaca ainda que a paralisação dos servidores impacta as operações na Terra Indígena Yanomami especialmente pelo conhecimento que os agentes do Ibama têm sobre a área e sobre os seus problemas. “O Ibama tem também os meios para fazer as operações, como é o caso de helicópteros. Sem os servidores para operá-los, o governo certamente terá problemas”, disse o ex-diretor do Ibama.

Servidores do Ibama expressam descontentamento com o governo Lula 

Em nota assinada pelo presidente do Conselho de entidades que compõem a associação, Cleberson Carneiro Zavaski, há ainda a previsão de que a situação deve permanecer “até que o governo reconheça o valor das demandas trabalhistas” e que “atue com celeridade para concluir as negociações”. No entanto, uma nova rodada de negociações foi marcada somente para o dia 1º de fevereiro.

A mais recente nota da associação revela ainda o descontentamento dos servidores com o governo Lula. “Lamentavelmente, apesar das promessas, o governo parece ainda não reconhecer todo o esforço dos servidores da Carreira de Especialista em Meio Ambiente e mesmo os resultados alcançados em 2023, não somente nas terras indígenas, mas também na queda geral do desmatamento da Amazônia, hoje festejada dentro e fora do país”, diz a nota publicada após uma reunião do conselho da associação, realizada na última quarta-feira (10).

O descontentamento com o governo é externado ainda em comentários nas publicações da associação nas redes sociais. “Eles querem nos cansar esperando, mas não vão conseguir. Seguiremos firme! Nenhum direito a menos. Restruturação já!”, disse um dos perfis ao comentar uma publicação que destaca a “inércia do governo em apresentar uma resposta quanto à proposta de reestruturação da carreira”.

Em nota sobre a paralisação dos servidores, o Ibama afirmou apenas que está participando "ativamente das negociações com as demais instâncias do governo federal”. “Informa ainda que está trabalhando para que haja um desfecho positivo e a garantia da continuidade das suas atividades”, disse o órgão.

Efeito das ações do governo Lula na Terra Yanomami não foram os esperados 

O garimpo ilegal e, em especial, a morte de indígenas por problemas de saúde geraram comoção e indignação contra o governo de Jair Bolsonaro (PL) diante das narrativas criados pelo novo governo. Neste contexto, a gestão Lula criou uma série de ações emergenciais para combater os ilícitos e a situação dos indígenas Yanomamis. Os efeitos, no entanto, não foram os esperados.

Em visita ministerial na Terra Indígena Yanomami, realizada na quarta-feira (10), a ministra dos Povos Indígenas, Sonia Guajajara, chegou a admitir que “os esforços do governo federal até agora foram insuficientes para garantir a retirada dos garimpeiros invasores da região”. A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, reforçou a colocação. “Nós tivemos uma redução de 85% [de áreas abertas por desmatamento no território], mas ainda não é suficiente. E as denúncias das comunidades é de que tem o retorno [dos garimpeiros], que estão operando à noite, que estão ocupando base, que têm infraestrutura”, disse Marina.

As mortes de indígenas yanomamis seguem com números altos. De acordo com números divulgados pelo Ministério da Saúde, em 2023 foram registradas 308 mortes, enquanto em 2022 haviam sido registradas 343. Além disso, os garimpeiros que teriam sido retirados da área em operações de combate ao garimpo ilegal estariam retornando as operações na área, de acordo com denúncias divulgadas por integrantes do governo.

Dentre as ações, o Ministério da Saúde mobilizou profissionais, medicamentos e enviou recursos para atender os indígenas. Em balanço apresentado recentemente, foi registrado um aumento de 690 profissionais para 960 profissionais, entre 2022 e 2023. Além disso, o ministério afirma ter investido cerca de R$ 220 milhões para reestruturar o acesso à saúde dos indígenas da região.

Lula criou narrativas para culpar Bolsonaro por crise em terras yanomamis 

Ao assumir o governo federal em 2023, Lula tentou culpar Bolsonaro pelas mortes de indígenas e pela atuação de garimpeiros ilegais dentro das terras demarcadas. Uma das acusações mais repetidas é a de que Bolsonaro teria sido responsável por um "genocídio". Apesar de ter ganhado repercussão neste período, a crise vivida pelos indígenas yanomamis na área em Roraima remonta os anos 2000.

Levantamento feito pela Gazeta do Povo com dados disponíveis na plataforma da Lei de Acesso à Informação evidencia que os números mais usados para propagar a tese do “genocídio” recente são, na maioria dos casos, apresentados de forma incompleta e enviesada, já que há dados desfavoráveis em medida semelhante a todos os governos desde os anos 2000.

Dentre as principais doenças e problemas de saúde que acometem os yanomamis, estão a malária, a desnutrição e a alta mortalidade infantil. No que diz respeito à malária, por exemplo, é possível verificar que o maior aumento percentual de casos aconteceu durante o primeiro governo de Lula (2003-2006), e a situação só tem piorado desde 2013, com um leve abrandamento nos anos de 2021 e 2022.

Além disso, as denúncias e os registros de casos de desnutrição e doenças contagiosas em aldeias somam mais de 30 anos, conforme relatórios publicados por diversas ONGs, como o Instituto Socioambiental (ISA), e compilados pelos ex-funcionários da Funai. Inclusive, uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Subnutrição de Crianças Indígenas foi instalada no ano de 2007, na Câmara dos Deputados, para investigar as mortes de crianças indígenas por subnutrição no país.

No que diz respeito ao garimpo ilegal, a ascensão desse ilícito está fortemente relacionada a toda a cadeia criminosa da região. Há pelo menos 10 anos o narcotráfico passou a atuar na Amazônia, utilizando as áreas indígenas como portas de entrada para um corredor internacional de drogas. Este tema foi, inclusive, tema de debates após os vetos do presidente Lula ao projeto de lei do marco temporal. Ao vetar trechos sobre a presença das Forças Armadas em terras indígenas, Lula acabaria favorecendo o narcotráfico, em especial, nas regiões de fronteira do país. Os vetos, no entanto, foram derrubados pelo Congresso Nacional.

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