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Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA
Foto: Letícia Moreira/ÉPOCA| Foto:

Tive o privilégio de conversar, aprender e até debater com o economista Paulo Guedes por vários anos, quando trabalhei na empresa em que era um dos sócios fundadores. Trata-se de um intelecto raro, com um conhecimento histórico impressionante, e uma capacidade ímpar de análise da conjuntura. Nessa entrevista ao jornalista José Fucs, da ÉPOCA, Guedes liga a metralhadora giratória tanto contra o PT como contra o PSDB, e também não alivia a barra para os próprios liberais, que não teriam compreendido a importância da solidariedade no discurso político moderno. Abaixo, alguns trechos:

Para enfrentar o desafio das novas demandas, o Brasil deveria ter feito as reformas estruturais na economia. Só que ninguém percebeu que tinha uma nova ordem chegando, ampliando gastos, e que era necessário fazer uma transformação. Eu também não tinha essa visão. Sabia da importância do controle fiscal e monetário, falava isso na época, mas não tinha ideia do tamanho da onda de gastos sociais que estavam por vir, que eram totalmente legítimos. Questões como o Banco Central independente, o câmbio flexível e o ajuste fiscal não faziam parte da agenda política. Se eles tivessem feito isso, o Brasil estaria em outra agora.

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Em vez de fazer as reformas, eles fizeram o Plano Cruzado, com a complacência e a ignorância da mídia na ocasião. A mídia apanhou maciçamente, sem saber que estava apoiando uma experiência bolivariana, tipo caçar boi no pasto, prender gente, tabelar preços. Depois, vieram o “Plano Cruzeta”, o “Plano Brechola”, o plano não sei o quê. Terminamos na política do feijão com arroz, que foi o modesto reconhecimento de que não havia mais nada a fazer, no final do governo. Veio a hiperinflação, que não se pode desperdiçar sem reformas. Um plano anti-inflação tem de atingir furiosamente a velha ordem e derrubar o antigo regime. É a ocasião de fazer o orçamento base zero, em que cada item precisa ser explicitamente aprovado, e não apenas as alterações feitas em relação ao ano anterior.

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Com o Plano Real, caiu um pouco o número de erros, tivemos algo de concreto. Na verdade, eles tiraram da sala o bode que tinham colocado lá. Estabilizamos a inflação, apesar de ter saído caro, em função da puxada dos juros, e depois – voluntariamente ou não – adotamos o câmbio flexível e a responsabilidade fiscal. Excelente. Criamos o tripé macroeconômico. Uma conquista. Continuamos avançando. Ao contrário do que aconteceu no Plano Cruzado, os tucanos entenderam que a inflação é sempre e em qualquer lugar, como dizia Milton Friedman, um fenômeno monetário. Os economistas do PSDB aprenderam a lição de que não se faz programa anti-inflacionário sem política monetária, mas não aprenderam a outra, que é a necessidade de usar a política fiscal como âncora, porque dói muito menos. Resultado: os juros foram a 40% ao ano.

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A Lei de Responsabilidade Fiscal não foi um ato intelectual, de livre e espontânea vontade. Hoje, quando o PSDB exige que o PT venha a público e confesse seus erros, pergunto o seguinte: o Fernando Henrique explodiu a flexibilidade cambial, em 1999, ou foi explodido por ela, com a banda diagonal endógena, do Chico Lopes, então presidente do Banco Central? Eles foram estuprados pela explosão cambial. Na tentativa de reeleição do príncipe florentino, eles queimaram US$ 50 bilhões em seis meses.

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A Dilma pegou um país relativamente estável e corre o risco de devolver um país completamente desestabilizado. Ela foi um dos mais importantes fatores de destruição do tripé macroeconômico, baseado nas metas de inflação e fiscais e no câmbio livre. É preciso levar em conta que as pessoas têm uma história. Reputação e credibilidade são coisas que se constroem ao longo de muitos anos, mas são perdidas rapidamente. A Dilma participou do início, do meio e do fim do crime do desequilíbrio fiscal. É por isso que não há possibilidade de a credibilidade voltar com ela na presidência.

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O Aécio é a coisa mais lúcida do antigo regime, porque ele percebeu que a dimensão fiscal era crítica. Ele disse que essa corrupção sistêmica é causada pela centralização de recursos no governo federal. Essa incompetência administrativa, também. Esse desvirtuamento da democracia brasileira está sendo causado pela concentração de recursos. […] Não sinto no Aécio também a crença nos mercados para fazer a reforma forte de que precisamos, como também não percebia isso no Eduardo Campos. Então continuo esperando o novo. Mas, como eu acredito numa sociedade aberta, não estou preocupado com isso. Ele virá.

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É muito difícil um brasileiro escapar dessa padronização da hegemonia social-democrata no Brasil. É uma mentalidade tão enrijecida quanto a de seus inimigos mortais, os militares. As luzes que brilham hoje no pensamento político brasileiro Fernando Henrique sociólogo que passou um tempo no exílio, Lula, líder sindical, tudo isso é passado, tudo isso é muito antigo, e eles não ousaram reformar o regime econômico brasileiro. Hoje, no Brasil, a direita é o Fernando Henrique, o homem que se envergonha das próprias privatizações, o homem que soltou o câmbio depois de perder US$ 50 bilhões para ser reeleito.

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O governo acha bacana invasão de terra, paralisar uma cidade. Agora, eu aposto na sociedade aberta. A grande sociedade aberta está além da direita e da esquerda. Quem estiver preocupado com isso ainda está saindo da Revolução Francesa no século XVIII. Aliás, esquerda naquela época eram os liberais. Se eu vivesse naquela época, estaria lá, com o Tocqueville, lutando contra a velha ordem. Essa é a pobreza mental brasileira. Você é de direita ou de esquerda? Eu sou da nova sociedade aberta.

[…]

O que o socialismo tem de poderoso, tribal, secular, milenar e que assassinou politicamente as versões mais ingênuas do liberalismo? A solidariedade. Porque o Lula foi eleito quatro vezes? Porque ele entendeu que a solidariedade é importante. Então, os liberais vão continuar a ser assassinados politicamente enquanto não entenderem que a solidariedade é um instrumento tão importante quanto a liberdade. […] Quando os liberais se esqueceram disso, acreditando que isso é voluntário, a gente dá se quiser, dá o voucher saúde, o voucher educação, dá igualdade de oportunidade e, se tudo falhar,  deixa ir para o saco, perderam o bonde. A solidariedade está além de direita e esquerda. É um traço humano.

São todos pontos muito interessantes, que merecem reflexão. Não há como negar que o PSDB acabou deixando um legado positivo com o Plano Real, as privatizações, o tripé macroeconômico, assim como não dá para negar que tudo isso foi feito sem convicção ideológica, sem a necessária crença nos mercados, apenas por extrema necessidade. Os tucanos levaram tempo demais até aprender algumas lições básicas. O PT é ainda pior, parece não aprender nunca, e ainda tem o DNA autoritário do socialismo. Mas ambos representam o passado, o Antigo Regime, a hegemonia da social-democracia que vem atravancando nosso progresso. Precisamos de algo novo mesmo.

Quanto ao discurso da solidariedade, não há como negar que é algo tribal, atávico, papel que as religiões sempre tiveram no passado e que foi usurpado pela ideologia de esquerda. O problema é quando se tenta monopolizar tal discurso, como se somente os meios estatizantes fossem viáveis para se obter os resultados desejados. Paulo Guedes parece sugerir que os liberais deveriam se tornar mais populistas, incluindo nos discursos o foco na solidariedade, o que até faz sentido. Mas se for para substituir seis por meia-dúzia, para cair na mesma falácia de que apenas com ações do estado a solidariedade pode ter chance e ajudar os mais pobres, aí sou totalmente contra. Qual seria a diferença para um PSDB ou mesmo um PT nesse caso?

Liberalismo não é demagogia. Concordo – e tenho repetido muito isso em textos e palestras – que o departamento de marketing dos liberais fracassou, é ruim, não sabe embalar bem a ideia, sequer defender o legado liberal, que é o melhor de todos. Mas isso não pode significar cair na armadilha do populismo, da venda da solidariedade como políticas sociais de governo, pois solidariedade deve ser, sim, voluntária. Governo toma na marra recursos alheios, e isso deveria ser tolerado somente quando se trata de funções básicas e isonômicas, não para ficar realizando “caridade com o chapéu alheio”, transferindo recursos de José para João em nome de uma maior “igualdade”. Isso não seria mais liberalismo, e sim outra coisa qualquer, a mesma que Guedes critica: uma social-democracia.

Precisamos superar o Antigo Regime, e a Grande Sociedade Aberta é o instrumento. Temos que deixar de lado essa dicotomia de socialistas ou militares. O Brasil deve superar a armadilha social-democrata dos grandes gastos públicos e da concentração de recursos em Brasília. Mas, antes disso, há um obstáculo enorme: tirar o PT do poder. Se o “menos pior” dessa história, o PSDB, for a única alternativa viável no curto prazo, que seja. Entre o inferno e o paraíso há o purgatório. Depois, algo efetivamente novo: o liberalismo, responsável pelo progresso dos países desenvolvidos, mas que nunca nos deu o ar de sua graça!

Rodrigo Constantino

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