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A "terceira via" perde seu lado pragmático e fica apenas com o "sonhático"
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Após o choque inicial da tragédia que culminou na morte de Eduardo Campos, os sinceros lamentos pelo sofrimento de sua família, e as reflexões acerca da imprevisibilidade do futuro, é hora de pensar sobre o efeito prático disso na política. E o principal, de imediato, é justamente a perda do lado prático na “terceira via” que a campanha de Eduardo Campos com Marina Silva tentava representar.

Em sua coluna de hoje no GLOBO, Carlos Alberto Sardenberg faz um bom resumo da coisa:

O sentido da candidatura também muda. Sim, havia uma aliança, um acordo entre Campos e Marina, mas o candidato era o ex-governador de Pernambuco, com seu perfil: de esquerda e “amigável aos negócios”, como dizem os economistas para os líderes que se propõem a buscar justiça social no quadro do regime capitalista.

O papel de Marina, no essencial, era atrair os votos das pessoas que foram às ruas em junho do ano passado e que, apontavam as pesquisas, não se identificavam com os políticos tradicionais. Ao contrário, manifestavam uma bronca geral com a política. Marina estava fora disso. As pesquisas também indicaram que, entre os políticos conhecidos, era a única aprovada pelos manifestantes.

[…]

Simplificando, para facilitar, se poderia dizer que Campos era o lado “amigável ao mercado”; Marina, o social. Ainda nos meios econômicos, era crescente a admiração pela administração de Campos em Pernambuco, sobretudo pela introdução de métodos de gestão privada inclusive nas áreas de educação e saúde.

Quem acompanha meu blog sabe que critico bastante Marina Silva. Não compro essa imagem de alguém “acima” da política tradicional, sendo ela uma pessoa que ficou no PT por três décadas e considerou o dia de sua saída um dos mais difíceis e tristes de sua vida.

Acredito em sua sinceridade, como na de Campos, quando critica o governo atual, mesmo tendo sido parte do governo anterior, também do PT. Ambos foram ministros de Lula, inclusive. Mas é legítimo mudar de opinião e constatar que o modelo ficou ultrapassado, obsoleto, incapaz de oferecer ao Brasil uma trajetória de progresso.

Só não acho que a chapa Campos/Marina representasse efetivamente essa terceira via, para sair da polarização entre PT/PSDB – e a polarização em si não é um problema, em minha opinião, e sim o fato de nenhum ser liberal. Era, no fundo, algo entre o PT e o PSDB, os três representando cores distintas dentro da esquerda.

O PT com um viés mais intervencionista e autoritário, ligado ao que há de pior em termos mundiais, Campos e Marina tentando encontrar um espaço mais ao centro e com cores ambientalistas, e Aécio Neves falando em nome da social-democracia nos moldes europeus – o que, para padrões brasileiros, soa como “neoliberal”, o que demonstra nosso atraso político.

O casamento político de Campos e Marina era delicado e exótico. Dentro do PSB, muitos não aceitam Marina, e na Rede, vários condenam o PSB. Eram os dois que mantinham, com suas lideranças pessoais, o elo. A “nova forma de fazer política” era mais um slogan e uma meta do que uma realidade. Acredito na boa intenção, mas é muito mais fácil falar do que fazer.

Com a morte de Campos, o PSB poderá rachar, alguns desejando migrar de volta para a coalizão do PT e outros para o lado tucano. O natural parece ser colocar Marina como candidata, até porque ela largaria com mais intenções de voto que o próprio Campos, com chances reais de ir ao segundo turno. O problema é confiar nela se eleita.

Afinal, se Campos era o lado pragmático da dupla, Marina é o lado “sonhático”, mais romântico, idealista, um tanto desprovido de bom senso, principalmente na área econômica. Sim, ela conta com assessores que respeito muito, como Eduardo Giannetti e André Lara Resende. Mas é absolutamente incerto o que faria na gestão econômica, e investidores detestam tanta incerteza.

Marina captura muitos votos da classe média e alta mais idealista e romântica, justamente aqueles que acreditaram no despertar do gigante e que acham que basta “vontade política” para mudar essencialmente o Brasil, de cima para baixo. Ou seja, aqueles que esperam uma espécie de messias salvador – ou salvadora – da Pátria. Um perigo.

Dito isso, espero, para o bem da democracia, que Marina seja a candidata pelo PSB e seus aliados, e que tente, como desejava Campos, elevar o nível do debate político, tentando focar em ideias e programas, não em ataques pessoais. O Brasil precisa disso, mesmo que eu discorde de inúmeras ideias de Marina, banhadas por um ambientalismo que julgo retrógrado e até anti-progresso.

Quem sabe não teremos um segundo turno entre Marina Silva e Aécio Neves, deixando o PT, que empobrece qualquer debate sério, de fora? Deixa-me ser um pouco “sonhático” também…

Rodrigo Constantino

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