A vinda de Jair Bolsonaro aos Estados Unidos tem como claro objetivo um trabalho de imagem do deputado, que tenta se colocar como mais liberal do que seu passado aponta. Até aqui, como oposição a “tudo e todos” que estão aí, a postura de turrão lhe serviu bem.
Mas para seduzir investidores e parte da classe média mais moderada, será preciso suavizar o discurso, apresentar propostas, vestir um figurino mais palatável (sem, porém, perder sua essência, já que a população cansou dos falsos atores políticos).
Alguns acadêmicos tentaram impedir a palestra de Bolsonaro em uma universidade americana, alertando para esse esforço de mascarar quem ele realmente é. Mas essa postura expõe mais o autoritarismo dos próprios acadêmicos do que o do potencial candidato, e a resposta do responsável pelo evento foi exemplar:
Acadêmicos brasileiros e ativistas contrários ao deputado federal Jair Bolsonaro (PSC) fizeram um abaixo-assinado para tentar impedir a palestra do presidenciável na Universidade George Washington, na capital americana, no próximo dia 13.
A manifestação tinha, até a noite de quinta (5), mais de 400 assinaturas. Segundo o texto, o evento com Bolsonaro na universidade “faz parte de um tour que busca validá-lo como um candidato viável para a Presidência brasileira e suavizar sua imagem preconceituosa para cortejar mais votos liberais”.
“Estamos escrevendo essa carta para protestar contra sua capacidade de fazer isso na sua instituição”, diz o abaixo-assinado escrito em inglês, segundo o qual Bolsonaro vem sendo chamado de “Donald Trump brasileiro”.
[…]
Em resposta, Mark Langevin, diretor da Iniciativa Brasil, da Escola Elliott de Assuntos Internacionais da Universidade George Washington, disse reconhecer “que muitos se opõem a qualquer diálogo com o deputado”, mas afirmou que a programação está mantida.
“Ainda assim, democracia requer respeito e bom senso com todos, mesmo com aqueles que têm opiniões e promovem preferências de políticas questionáveis, se não antidemocráticas”, escreveu Langevin, em carta datada de quinta (5).
Tentar calar Bolsonaro antes mesmo de ele ter a chance de mostrar que mudou é um tanto absurdo. Não calaram nem mesmo Lula, um histórico defensor do socialismo e da ditadura cubana. Ao contrário: abraçaram com fervor o personagem criado pelo marqueteiro Duda Mendonça, o “Lulinha Paz e Amor”, que divulgou aquela fatídica “Carta ao Povo Brasileiro”, idealizada por Antonio Palocci, para ludibriar os iludidos – e não faltaram candidatos ao engodo.
Por que rejeitar previamente qualquer possibilidade de mudança em Bolsonaro então? Desconfiar tudo bem, é legítimo e saudável. Mas impedir sua fala é inaceitável. E em sua primeira fala durante a viagem, aqui na Flórida, Bolsonaro realmente enfatizou seu novo lado liberal:
(…) o deputado Jair Bolsonaro (…) defendeu a independência do Banco Central, “com regras e mandato fixo”, e criticou subsídios à indústria nacional, durante conversa com a Folha.
“É lógico que [minha visão] é liberal. Estou indo para os EUA, não para a Coreia do Norte”, afirmou.
Bolsonaro tenta se afastar da farda de “militar estatizante”, termo que ele mesmo empregou ao falar de visões ultrapassadas para a economia. Defendeu privatizações e até a extinção de algumas estatais –em suas palavras, “cabides de emprego”.
“Naquela época [do regime militar], a única alternativa eram as estatais. Quem iria fazer Itaipu? Ninguém. Hoje em dia, ao privatizar, você diminui muito a questão da corrupção”, disse.
[…]
A pauta liberal, porém, ainda carece de substância, reconhece o próprio candidato. Ele afirma que está se cercando de conselheiros, mas se recusou a dar nomes, alegando que eles pediram para ficar no anonimato.
Bolsonaro ressalta posições que denotam alinhamento com as visões da ortodoxia econômica –livre mercado, controle fiscal e menor intervenção estatal. Um exemplo é o ataque à política de crédito do BNDES nos governos do PT. Enfatizou o voto a favor da medida provisória que criou a TLP, nova taxa de juros que acabará com os subsídios dos empréstimos do banco. “É uma boa medida. O BNDES emprestava para os amigos e a gente pagava a diferença.”
Se essa “guinada liberal” é convincente ou não, deixo para o leitor decidir. Digo apenas que ele conta com algumas pessoas efetivamente liberais em sua equipe. E posso garantir que não sou um dos “conselheiros anônimos” do deputado, que ele sequer veio tomar o café ao qual foi convidado, mas se ele estiver realmente disposto a escutar sugestões, estou às ordens, por dever cívico e patriotismo.
Afinal, como Paulo Guedes, economista liberal, reconhece em sua coluna de hoje no Globo, Bolsonaro tem chances reais de vitória, pois captura uma revolta popular com o “sistema” e a esquerda que nenhum outro nome até agora conseguiu fazer com o mesmo empenho:
Se a escolha for mesmo por Bolsonaro, então que venha Bolsonaro – em uma versão mais liberal, de preferência.
Rodrigo Constantino
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