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Cooperação compulsória: o ataque fulminante de Spencer ao socialismo
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“Um argumento fatal para a teoria comunista é sugerido pelo fato de que o desejo por propriedade é um dos elementos de nossa natureza.” (Herbert Spencer)

Herbert Spencer foi um defensor radical do laissez-faire numa época em que o coletivismo vinha crescendo rapidamente. Ele se opunha à centralização do governo, regulação econômica, militarismo e vários outros tipos de invasão à liberdade individual. Alguns preferiram tachá-lo de “darwinista social” em vez de rebater com argumentos suas idéias, que em muitos aspectos foram proféticas.

Alguns excelentes textos foram reunidos na obra The Man Versus the State, que foi originalmente lançada em 1884. Não deixa de ser curioso que a mais famosa obra de George Orwell, tratando da concentração de poder no Estado e conseguinte perda de liberdade dos indivíduos, tenha sido chamada de 1984, um século a mais da data do livro de Spencer. O caminho da servidão já estava mapeado pelo filósofo inglês.

Para Spencer, a justiça deve ser construída a partir dos direitos naturais de todo indivíduo, e não através da busca direta pelo “bem comum”. Os governos devem ser confinados ao princípio de igualdade perante as leis, afastando assim a tentativa de regular a vida de toda a nação. A difusão do poder é fundamental como garantia do bem-estar geral.

Como todo individualista, Spencer combateu todo tipo de coletivismo. A sociedade deve respeitar as vidas das partes, em vez das partes serem subservientes ao todo. “A sociedade existe para o benefício de seus membros, não seus membros para o benefício da sociedade”. Para tanto, a sociedade deve ser organizada com base da cooperação voluntária, não com base na cooperação compulsória. Em resumo, era o princípio do individualismo contra a defesa do coletivismo em diferentes formas, seja comunismo, socialismo, nazismo ou fascismo.

Na tentativa de resgatar os valores antigos dos liberais, já que muitos que se diziam liberais vinham defendendo a concentração de poder no Estado, Spencer lembra que os verdadeiros liberais, em termos de políticas práticas, deveriam usar o método de rejeição. Ou seja, os liberais não devem lutar para criar novas leis, mas sim para rejeitar as antigas. Quanto menos lei houver, maior a chance de preservar a liberdade.

O aumento da liberdade formalmente legalizada seria seguido por uma queda na liberdade de fato. O excesso de leis e regulamentações por parte do governo coloca em risco a liberdade do indivíduo. Para esses liberais legítimos, segundo Spencer, cada cidadão tem direitos que são invioláveis, seja pelo Estado ou por qualquer outra agência. Esses direitos são axiomáticos, auto-evidentes, tais como os presentes na Declaração de Independência americana. Muitos passaram a ignorar que o liberalismo antigo defendia o indivíduo contra a coerção estatal.

No texto The New Toryism, Spencer tenta explicar a confusão feita por muitos “liberais” que esqueceram essas raízes do verdadeiro liberalismo. O ganho popular como conseqüência das medidas liberais fora tão expressivo, que muitos passaram a ver esse ganho não como resultado indireto do abandono das restrições anteriores, mas como o fim em si a ser diretamente obtido. E ao procurar obter diretamente tal ganho, defenderam métodos que eram intrinsecamente opostos aos originalmente usados. Ou seja, o ganho popular é um subproduto da liberdade individual, mas quando tentam impor esse ganho através do governo, acabam matando essa liberdade e, por tabela, o próprio ganho. O cidadão acaba perdendo a liberdade para o uso de seus próprios recursos, pois o governo cria uma legislação compulsória que toma dele estes recursos e depois diz como eles serão gastos.

A questão essencial para Spencer é se as vidas dos cidadãos sofrem mais ou menos interferência, não a natureza da agência que interfere. Spencer estaria assim antecipando aquilo que Hayek defenderia depois, alegando que não é a fonte, mas a limitação de poder que evita que ele seja arbitrário. Spencer pergunta: “Se os homens usam sua liberdade de tal forma que desistem de sua liberdade, estão eles, portanto, menos escravos?”. A pergunta seguinte se mostraria bastante atual: “Se o povo através de um plebiscito eleger um homem déspota acima dele, ele continua livre porque o despotismo foi feito por ele mesmo?”.

A autoridade de um corpo, mesmo que fruto da escolha popular, não deve ser considerada menos ilimitada do que a autoridade de um monarca. Uma maioria pode ser igualmente déspota, aniquilando a liberdade individual. O liberalismo defende a prática da limitação de poder, restringindo seu uso. Deve-se distinguir a coerção negativa, que impede alguém de invadir a liberdade alheia, da positiva, que impõe certo comportamento.

O texto mais profético é The Coming Slavery, onde as ditaduras socialistas são previstas como resultado inexorável das idéias socialistas. “Todo socialismo envolve escravidão”, afirma de forma direta Spencer, corroborado pelas experiências da União Soviética, China, Cuba, Coréia do Norte, Camboja etc. A idéia utópica de que todo o sofrimento social pode ser removido, e que é dever de alguém fazê-lo, é falsa e perigosa. Separar a dor dos erros seria lutar contra a natureza das coisas, e resultaria em mais dor ainda.

Para Spencer, a simpatia pelas pessoas não necessariamente implica na aprovação de ajuda gratuita. Os benefícios podem resultar não da multiplicação de planos artificiais para mitigar o sofrimento, mas da sua diminuição. O tema é também atual, já que muitos pregam o assistencialismo através do governo como panacéia para os males que assolam a sociedade, enquanto, na prática, essas ações acabam gerando mais miséria e dor.

A seqüência da perda da liberdade descrita por Spencer faz bastante sentido, e foi comprovada pela experiência. Toda organização tem a tendência de se espalhar e crescer, e não seria diferente com o governo. As medidas estatais que regulam a vida dos indivíduos vão aumentando, portanto. Com o fracasso delas, um maior número de medidas passa a ser pregado, e elas vão ficando cada vez mais autoritárias. Os novos males criados pela extensão estatal pedem mais intervenção ainda. Cada intervenção adicional reforça a premissa de que é o dever do Estado lidar com estes males e assegurar todos os benefícios. O aumento de poder da organização administrativa é seguido pela queda de poder do resto da sociedade, cada vez mais incapaz de resistir.

A multiplicação de carreiras públicas pela burocracia em expansão seduz membros das classes reguladas, que passam a desenvolver maior tolerância a esta intervenção. O público em geral, levado a encarar os benefícios recebidos pelas agências públicas como gratuitos, acaba pedindo mais e mais. Quanto mais numerosos forem os instrumentos públicos, mais os cidadãos passam a crer que tudo deve ser feito pelo Estado, e nada por eles próprios. As agências do governo passam a ser vistas como as únicas vias disponíveis. Os governantes que representam o povo acabam votando em leis que cedem mais poder ao governo por necessidade, já que seu partido precisa de votos na próxima eleição. Os jornalistas, dependentes da opinião pública, diariamente a reforçam, enquanto opiniões contrárias são cada vez mais desencorajadas. O resultado é a crescente escravidão.

Aquilo que fundamentalmente define a escravidão, segundo Spencer, é o trabalho sob coerção para satisfazer os desejos alheios. Não importa se seu mestre é uma única pessoa ou a sociedade toda. No socialismo, cada membro da comunidade seria escravo da comunidade como um todo. O resultado final sempre será o retorno do despotismo. A idéia de que é possível organizar a sociedade dessa forma coletivista sem a concentração de poder em poucos é uma ilusão. Os que tentam separar o “socialismo real” dos ideais socialistas não querem enxergar que não existe alquimia política capaz de obter uma conduta perfeita com base nos instintos naturais do homem.

Toda experiência socialista será uma cooperação compulsória, ou seja, escravidão. Foi contra esse despotismo que Herbert Spencer lutou. Infelizmente, poucos estudam suas idéias atualmente. Muitos preferem repetir os dogmas marxistas, ainda que Marx tenha sido um falso profeta. Seus seguidores estão aguardando o fim do capitalismo até hoje. Deveriam, em vez de sonhar com isso, buscar a compreensão de que somente a cooperação voluntária é justa. Deveriam ler mais os defensores do liberalismo antigo. No final das contas, entenderiam que o mundo está dividido entre os defensores do individualismo e do coletivismo, ou seja, da cooperação voluntária ou compulsória. De um lado, a liberdade individual. Do outro, a escravidão.

Texto presente em “Uma luz na escuridão”, minha coletânea de resenhas de 2008.

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