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De Dirceu a Daniel e de volta a Dirceu: uma trajetória coerente
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O mito caiu de vez. Dirceu sequer teve a ousadia, dessa vez, de erguer os punhos no momento de sua nova prisão. Está mais abatido, abalado, e sabe que não há clima para contratar uma claque em seu apoio. Poucos saíram em sua defesa, os mais caricatos e patéticos de sempre. Nem mesmo o PT e seu presidente Rui Falcão fizeram uma defesa direta de seu companheiro histórico. Alguns oportunistas se afastam sorrateiramente do ex-poderoso petista, para não deixar a sujeira os envolver também. Dirceu está isolado, abandonado.

Mas eis o que muitos vão tentar fazer agora: atacar o “novo” Dirceu, condenar sua “traição”, o fato de que o velho comunista caiu em “tentação”, que “se vendeu”, foi “corrompido”. Agora está claro que ganhou rios de dinheiro para si próprio, não para a causa, e é isso que muitos comunistas não aceitam. Roubar, pode. Até matar pode. Só não pode virar um burguês e levar vida de magnata. É a lógica revolucionária, dos que acham que seus “nobres fins” justificam quaisquer meios, mas desde que seja tudo pela causa.

Em sua coluna de hoje, Zuenir Ventura dá o tom da defesa do velho Dirceu para poupar os “idealistas” de ontem:

Em 2008, José Dirceu declarou a Roberto D’Ávila e a mim numa entrevista: “Mudei muito, mas não nos meus ideais, nos meus sonhos. (…) Se tem uma pessoa coerente, sou eu”. Referia-se à juventude, quando se destacou como um carismático e promissor líder do movimento de 1968 contra a ditadura. Segundo o senador Cristovam Buarque, ele foi “o mais importante personagem de sua geração estudantil; a sua destruição é um pouco a destruição da minha geração”.

[…]

Nos últimos quase 50 anos, Dirceu passou por várias encarnações. Preso em 68 no Congresso de Ibiúna, foi solto em 69, quando alguns companheiros sequestraram o embaixador americano e, para devolvê-lo, exigiram a libertação de 15 presos políticos, entre os quais Dirceu, que foi banido do país, indo para Cuba. Ali treinou guerrilha, em1971 voltou escondido e mudou o rosto com uma plástica (aliás, o amor à revolução foi maior do que a vaidade de quem era louvado também pela beleza e que chegou a implantar 6.710 fios de cabelo numa incipiente calvície). Também adotou o codinome de Daniel e, depois, com o heterônimo Carlos Henrique Gouveia de Melo, foi viver clandestinamente em Cruzeiro do Oeste, no Paraná, onde esteve casado por quatro anos com Clara Becker, que se separou ao saber da verdadeira identidade do pai de seu filho. “Eu amava Carlos Henrique, não José Dirceu”, teria dito.

Com a abertura democrática, Dirceu teve rápida ascensão, chegando ao cargo de todo poderoso ministro da Casa Civil de Lula, de quem se cogitou até que seria sucessor. Nos últimos 12 anos, porém, o consultor de empresas se meteu em tenebrosas transações com as suspeitas empreiteiras da Lava-Jato, o que pode ter-lhe valido sucesso financeiro, mas com certeza lhe custou a reputação. O grande articulador, que era elogiado inclusive pelos adversários por sua competência política, é hoje reconhecido pelo juiz Sérgio Moro por seu “profissionalismo na prática do crime”. Terá valido a pena trocar tanto dinheiro por um melancólico fim de carreira? Parodiando a ex-mulher de Carlos Henrique, os antigos admiradores podem dizer com pesar que amavam Daniel, não José Dirceu — o de agora.

Ou seja, treinar guerrilha em Cuba, uma sanguinária ditadura; fazer plástica para mudar de visual, como um espião da KGB faria; enganar por quatro anos a própria esposa com quem teve um filho; sequestrar um embaixador americano; tudo isso é visto como nobre, como coerente, como idealista. Mas Dirceu foi roubar para levar uma vida de burguês rico, e isso é inaceitável pela ótica comunista!

Os amigos amavam Daniel, aquele que seguia ordens do ditador cubano, o que queria transformar o Brasil numa enorme Cuba, o mesmo que engana a própria mulher por tanto tempo. Mas não podem aceitar o ladrão comum que usa o estado para enriquecer por conta própria. Essa mentalidade está na raiz dos infindáveis problemas de corrupção e terrorismo da esquerda mundo afora. Pela causa, vale tudo!

O que essa gente se recusa a enxergar é que esse tipo de crença atrai para o comunismo os safados, os agressivos, os psicopatas, os ladrões. Os bárbaros, enfim, como o nacional-socialismo também atraía. O motivo é evidente: se há a desculpa para cometer todo tipo de barbaridade em nome da causa, então nada mais adequado do que aderir à causa e dar vazão aos instintos mais selvagens e destrutivos. O comunismo, como o nazismo, atrai o que há de pior na espécie humana.

Biografias do jovem Fidel Castro comprovam: o homem não era um “idealista”, mas um sujeito com sede de violência e poder, com traços de psicopata. O mesmo vale para Che Guevara. E para tantos líderes comunistas. Eram pessoas ressentidas, amorais, violentas, que desprezavam a ética “burguesa”, os princípios morais, o próximo. Encontraram no “amor à Humanidade”, ou “ao povo”, abstrações perfeitas para justificar seu desejo por poder, controle, sangue, riqueza. Coincidência todos os líderes comunistas terem sido assim?

Os que estão surpresos ou decepcionados com o “novo” Dirceu não entenderam nada do comunismo! São os mesmos que ficaram ou ficariam chocados com os crimes de Stalin divulgados por Kruschev em seu “discurso secreto”, e depois tentariam afastar o tirano soviético do comunismo, como se ele fosse uma aberração da revolução, e não seu mais perfeito representante. Lenin não ficava atrás: era um psicopata, visto como idealista apenas por idiotas úteis que precisam preservar a utopia. Lenin desejava uma guerra civil, queria ver cada pequeno proprietário rural levar uma bala na nuca. Idealista?

Eis a trajetória típica da turminha por aqui: líder estudantil na juventude, pois não é preciso estudar de verdade, bastando pegar megafones e gritar bravatas sensacionalistas contra o “sistema” e os “ricos”; depois entra para algum movimento clandestino ou ilegal, mesmo na democracia, como os black blocs, para poder quebrar tudo e jogar coquetéis Molotov na polícia com a desculpa de que é um “justiceiro do povo”; aí ganha evidência, destaque na imprensa e vira herói dos imbecis; entra para a política e vira deputado, depois senador, podendo chegar até à presidência; e por fim começa a roubar muito do povo que dizia defender, assim como adotar práticas autoritárias que asfixiam as liberdades individuais.

Soa comum? Reconhece alguém? Então vamos parar com esse papo furado de que foram “traídos”, que esses petistas acabaram “corrompidos”, e que o velho “idealismo” deu lugar ao banditismo comum. Não! Bandidos comuns é que encontraram e encontram na utopia uma desculpa esfarrapada para agredir, invadir, pilhar, roubar, e até matar, em alguns casos. A trajetória é bem coerente. É a essência do comunismo!

Rodrigo Constantino

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