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Democracia pressupõe conversa, tolerância, mas não com os intolerantes antidemocratas
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Em texto publicado hoje no GLOBO, Joaquim Falcão diz que as conversas são a maior influência na hora do voto, lembra que elas se dão hoje por meio das redes sociais, o que dificulta inclusive o controle da “boca de urna”, e conclui fazendo uma defesa eloquente da importância dessa conversa para a própria democracia:

Falta conversa. A palavra conversa vem do latim e significa “voltar-se para o outro”, “virar-se para”. Indispensável para viver em conjunto: con-viver.

Uma vez perguntaram ao famoso cientista chileno Humberto Maturana o que ele entendia por democracia. Respondeu: é reconhecer o outro como interlocutor que respeito. Reconhecer sua legitimidade para conversar comigo, acrescentaria.

[…]

O lamentável debate sobre o ódio anteontem, entre Hillary Clinton e Donald Trump, teve, no entanto, um momento positivo. Um eleitor perguntou: “Hillary, o que você pode dizer de positivo sobre Trump? Trump, o que você pode dizer de positivo sobre Hillary?”.

Freixo, o que Crivella tem de positivo? Crivella, o que Freixo tem de positivo?

Há um claro equívoco na apropriação da democracia apenas por competição, debate, críticas. E nossas conquistas comuns? Nosso patrimônio a preservar? Política não é somente divergência. É convergência. Conversa também.

Como valorizar o igual? O que temos de comum acima de tanta desesperança? Se não perguntarmos, a democracia se transforma na desesperança com a própria esperança.

Tenho pouco a acrescentar, além de algumas observações que julgo importantes. Em primeiro lugar, é preciso não confundir retórica com diálogo. O presidente Obama é citado pelo autor como alguém que estaria lamentando a falta de diálogo, mas é um dos responsáveis por essa situação. Obama é arrogante, tenta impor sua visão de mundo (como no caso do Obamacare), apela para a retórica vazia com frequência, e não raro desqualifica seus interlocutores.

A esquerda em geral tem adotado essa tática de monopolizar as boas intenções e tratar o adversário político como alguém perverso, insensível, racista, com terríveis e obscuras finalidades. Essa postura é claramente desrespeitosa para com os conservadores, e acaba reduzindo bastante o espaço para conversas verdadeiras, calcadas em argumentos, e pontos de convergência ou nas divergências legítimas, de forma civilizada.

Ou seja, culpar a “direita raivosa” pela perda do diálogo é um equívoco que ignora a origem do problema: uma esquerda cada vez mais arrogante e monopolizadora das virtudes, que prefere rotular o outro lado com base em suas supostas intenções malignas.

Outro fator importante é que, na era das redes sociais, fica cada vez mais difícil controlar o lado sensacionalista e populista da política. A democracia de massas virou verdadeiro espetáculo, entretenimento, circo mesmo, onde palhaços carismáticos precisam seduzir o grande público, não com propostas e argumentos, mas com emoções, promessas irreais, show de humor ou agressões. Como colocar o gênio novamente dentro da lâmpada? Ninguém sabe.

Mesmo o jornalismo foi cedendo cada vez mais espaço para a demagogia e o sensacionalismo, em busca de audiência. Dou um exemplo particular, com base em minha própria amostragem, que sem dúvida é bem melhor do que a média: quando escrevo textos mais sóbrios, apenas com argumentos e mais teóricos, profundos, propondo uma conversa com o leitor, eles atraem bem menos público do que aqueles em que simplesmente esculacho um típico esquerdista bocó, como Jean Wyllys ou Gregorio Duvivier.

O público quer ver sangue, quer se divertir, quer UFC em vez de simpósios filosóficos, quer ataques pessoais em vez de bons debates. Há um claro trade-off aqui entre quantidade e qualidade. Só há um pequeno problema: o resultado da democracia vem com a quantidade. O político, para ser eleito, precisa de votos, muitos votos. Exigir, portanto, uma conversa madura entre dois candidatos, quando se está em jogo a vitória de apenas um deles, é ser refém de uma ilusão. Sim, a democracia deveria ser assim. Mas o mundo real não é como gostaríamos que fosse.

Por fim, um último ponto que destacaria é o argumento popperiano sobre a tolerância. O filósofo Karl Popper disse sobre o assunto: “Não devemos aceitar sem qualificação o princípio de tolerar os intolerantes senão corremos o risco de destruição de nós próprios e da própria atitude de tolerância”. E acrescentou, para ilustrar: “Não é possível discutir racionalmente com alguém que prefere matar-nos a ser convencido pelos nossos argumentos”.

Concordo que a democracia precisa de mais conversa, diálogo e tolerância. Mas cuidado! Não dá para debater com os terroristas do ISIS, como queria a ex-presidente Dilma. Não dá para tolerar nazistas e comunistas, que não respeitam a própria democracia e as regras do jogo. Enfim, não dá para achar que vamos sempre conseguir dialogar, pois uma conversa civilizada pressupõe pessoas civilizadas de ambos os lados, gente que aceita a própria premissa da conversa como instrumento louvável e respeita o resultado depois.

Não há espaço na democracia civilizada para os extremistas. Meu sonho era ver um dia debates saudáveis entre uma esquerda civilizada e democrática (como a social-democracia dos tucanos), liberais clássicos e conservadores de boa estirpe. Infelizmente estamos muito longe disso. No mundo real, temos Crivella e Freixo. E mesmo nos Estados Unidos, temos Hillary Clinton e Donald Trump. É triste, eu sei. Mas meu lado conservador não me permite ter utopias: it is what it is. E que vença não o melhor, mas o menos pior…

Rodrigo Constantino

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