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Dez princípios conservadores, por Russell Kirk
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Não sendo nem uma religião nem uma ideologia, o conjunto de opiniões chamado de conservadorismo não possui Sagradas Escrituras, nem um Das Kapital, como fonte dos dogmas. 

Não existe um modelo conservador, e o conservadorismo é a negação da ideologia: é um estado de espírito, um tipo de caráter, um modo de viver a ordem civil e social. 

A continuidade histórica da experiência de um povo, diz o conservador, oferece um guia político muito melhor do que os projetos abstratos dos filósofos dos cafés.

Os dez “artigos de fé” seguintes refletem aquilo que os conservadores, nos Estados Unidos de hoje, põem em relevo.

Primeiro, o conservador acredita que há uma ordem moral duradoura. Essa ordem é feita para o homem, e o homem é feito para ela: a natureza humana é uma constante, e as verdades morais são permanentes.

Nosso mundo do século XX experimentou as terríveis consequências do colapso da crença em uma ordem moral. Tal como as atrocidades e os desastres ocorridos na Grécia do século V antes de Cristo, a ruína de grandes nações no nosso século mostra o abismo no qual caem as sociedades que confundem o autointeresse inteligente ou controles sociais engenhosos com alternativas agradáveis a uma ordem moral ultrapassada.

Segundo, o conservador adere aos costumes, à convenção e à continuidade. A continuidade é o meio de unir geração a geração; importa tanto para a sociedade quanto para o indivíduo; sem ela, a vida não faz sentido.

Os conservadores são defensores dos costumes, da convenção e da continuidade, porque preferem o mal que conhecem ao mal que não conhecem.

A lembrança, feita por Burke, da necessidade de uma mudança prudente está sempre na mente dos conservadores; mas a necessária mudança, argumentam, deve ser gradual e judiciosa, nunca desenraizando antigos interesses de um só golpe.

Terceiro, os conservadores acreditam no que se pode chamar de princípio da consagração pelo uso. Os conservadores percebem que as pessoas da era moderna são anões nos ombros de gigantes, capazes de enxergar muito além dos antepassados apenas por causa da grande estatura daqueles que os precederam.

Conservadores afirmam ser improvável que nós, modernos, façamos qualquer descoberta nova e extraordinária em moral, política ou gosto.

Quarto, os conservadores são guiados pelo princípio da prudência. Complexa como é a sociedade humana, as soluções não podem ser simples, se têm de ser eficazes. O conservador declara agir somente após suficiente reflexão, tendo sopesado as consequências. Reformas rápidas e agressivas são tão perigosas quanto cirurgias rápidas e agressivas.

Quinto, os conservadores prestam atenção ao princípio da variedade. A sociedade almeja por uma liderança honesta e capaz; se as diferenças naturais e institucionais entre as pessoas forem destruídas, em breve algum tirano ou alguma sórdida oligarquia criarão novas formas de desigualdade.

Sexto, os conservadores são disciplinados pelo princípio de imperfectibilidade. Por ser o homem imperfeito, uma ordem social perfeita jamais pode ser criada.

Sétimo, os conservadores estão convencidos de que a liberdade e a propriedade estão intimamente ligadas. A instituição das diversas propriedades – isto é, da propriedade privada – é até hoje um poderoso instrumento para ensinar responsabilidade a homens e mulheres, para dar incentivos à integridade, apoiar a cultura geral, elevar a humanidade acima do nível de uma mera lida repetitiva e opressora e proporcionar as horas vagas para pensar e a liberdade para agir.

Oitavo, os conservadores defendem comunidades voluntárias, da mesma forma que se opõem a um coletivismo involuntário. O que quer que seja beneficente e prudente numa democracia moderna é possibilitado por volições cooperativas. Se, portanto, em nome de uma democracia abstrata, as funções da comunidade são transferidas a uma direção política distante – ora, aí o verdadeiro governo pelo consentimento dos governados dá ensejo a um processo padronizante, hostil à liberdade e à dignidade humana.

Nono, o conservador vê a necessidade de limites prudentes sobre o poder e as paixões humanas. A anarquia nunca dura muito, por ser intolerável para todos e contrária ao fato inelutável de que algumas pessoas são mais fortes e inteligentes que seus semelhantes. À anarquia se sucedem a tirania ou a oligarquia, nas quais o poder é monopolizado por uns poucos.

É uma característica do radical pensar no poder como uma força para o bem – desde que o poder recaia em suas mãos.

Sabendo que a natureza humana é uma mistura de bem e mal, o conservador não deposita a confiança na mera benevolência. Restrições constitucionais, freios e contrapesos políticos, um cumprimento adequado das leis, a velha e intricada rede de restrições sobre a vontade e o apetite – são aprovados pelo conservador como instrumentos da liberdade e da ordem. Um governo justo mantém uma tensão saudável entre as pretensões da autoridade e as pretensões da liberdade.

Décimo, o conservador razoável entende que a permanência e a mudança devem ser reconhecidas e reconciliadas em uma sociedade vigorosa. O conservador, em suma, favorece um progresso refletido e moderado; opõe-se ao culto do progresso, cujos devotos acreditam que tudo o que é novo é necessariamente superior ao que é antigo. 

Os trechos acima foram retirados do livro A Política da Prudência, de Russell Kirk, em ótima tradução de Gustavo Santos e Márcia Xavier de Brito, lançado recentemente pela É Realizações. Trata-se do segundo capítulo da obra, que faz um excelente resumo do que é o conservadorismo, esse ilustre desconhecido do brasileiro.

Não concordo com tudo, mas acho extremamente importante trazer tal ponto de vista à tona, por dois motivos. Em primeiro lugar, como já disse, muitos falam de conservadorismo, especialmente as esquerdas que acusam todos disso, sem ter uma ideia razoável do que sustenta, de fato, o movimento conservador.

Segundo, porque realmente acredito que o pêndulo foi demais para um lado na era moderna e, apesar de ser um liberal, creio que os conservadores têm muito a agregar ao debate de ideias com seus fundamentais alertas mais céticos, assim como uma nostalgia de certos valores permanentes que se perderam.

Estou terminando a leitura do livro, pois farei uma palestra durante o lançamento dele no Rio, dia 23 na Travessa do Barrashoping. Mas já posso adiantar que recomendo a todos a leitura!

PS: Vejam, também, esse vídeo feito para o lançamento do livro, com a participação do filósofo Luiz Felipe Pondé e Alex Catharino, que escreveu uma ótima apresentação da obra na edição brasileira:

httpv://youtu.be/z-JSbOSi1LA

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