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Globalização sim; governo mundial não!
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O resultado do plebiscito do Reino Unido pela saída da União Europeia – o Brexit – representa o “fim da globalização”, escreveu um banco de investimento. Ou pior: é o “fim do mundo”, como uma revista estampou. Analistas entraram em pânico. Com suas visões míopes, enxergam apenas o imediato, incapazes de focar no longo prazo. Aderem aos profetas do apocalipse, que previram cem das últimas dez crises. Essa turma ainda nos deve o caos do “fim do petróleo” (década de 70), do “esfriamento global” (década de 70), ou do “bug do milênio” e do “aquecimento global” mais recentemente.

O mundo não vai acabar. Talvez o mundo idealizado pelos globalistas. Mas será que esse mundo vale a pena ser salvo mesmo? É preciso fazer uma importante distinção aqui: globalização é uma coisa, governo mundial é outra, bem diferente. O que essa gente parece defender não é tanto a globalização, ou seja, a integração comercial dos indivíduos de diferentes países, para deixar o livre mercado fazer sua “mágica”, para que a “mão invisível” realize seus “milagres”. O que eles querem é um governo mundial, com poderes centralizados na elite intelectual e financeira.

A decisão do Reino Unido foi um duro golpe a esse globalismo, mas não necessariamente à globalização. É verdade que o risco nacionalista existe, que há líderes populistas aproveitando esse clima de insatisfação para vender uma agenda de fechamento, inclusive comercial. Mas a xenofobia aumentou no mundo justamente pela integração forçada imposta pelos globalistas. Eis o que eles ainda não se deram conta. Quando você obriga um a conviver com o outro, e ainda pagar sua fatura, isso pode levar ao aumento, não diminuição dos antagonismos. Separação amigável é melhor do que casamento forçado.

Ser europeu é mais do que ter nascido num país europeu; é ser depositário de um legado civilizacional importante, contido nas instituições que foram moldadas ao longo de séculos. É isso que os conservadores entendem, e os “liberais” globalistas não. A “arrogância fatal” de que falava Hayek faz com que esses “ungidos” queiram redesenhar as instituições do zero, fazer tabula rasa do passado, criar “um novo mundo” do nada, imposto de cima para baixo. E isso não acaba bem quase nunca. O filósofo conservador Roger Scruton explica melhor o que significa ser europeu (infelizmente, não tem legenda em português):

É perfeitamente possível ser europeu, defender a união voluntária, a integração econômica, e não desejar um casamento político forçado, como querem os globalistas. É o que explica o professor João Carlos Espada no artigo de hoje para o Observador:

O povo falou, como se costuma dizer, ou, como eu prefiro dizer, as pessoas falaram. Com o veredicto popular, termina, em meu entender, o ciclo da saudável rivalidade democrática. E abre-se o ciclo da saudável re-união democrática. É assim que o regime parlamentar britânico tem funcionado desde 1688. Acredito que o Reino Unido será capaz de conservar essa antiga e nobre tradição. Faço votos de que as outras nações da União Europeia possam agora também parar para reflectir e lançar pontes de re-união dos seus eleitorados.

A principal mensagem do referendo britânico, em meu entender, não é a vitória de um lado sobre o outro. É a muito pequena diferença entre ambos os lados: 51,9 contra 48,1 por cento. Devemos saudar o facto de essa profunda divisão do país ter tido voz no interior dos partidos centrais — conservador e trabalhista —, sobretudo no interior do partido e do Governo conservador. É o mais antigo partido das democracias ocidentais. É o partido de Winston Churchill. No seu ADN, está a alergia a revoluções — de esquerda ou de direita — à xenofobia e a fanatismos de sinal contrário.

[…]

E façamos votos de que as nações da União Europeia possam também parar para refletir. É preciso acabar com o dogma de que ser europeísta significa ser a favor de sempre maior integração supra-nacional. Em democracia, tem de ser possível defender menos integração supranacional sem por isso ter de ser contra a União Europeia. Essa é talvez a principal lição a retirar do referendo britânico. O tempo agora deve ser de re-união, não de divisão.

De acordo. E nada de valioso precisa ter se perdido nessa votação inglesa. São mudanças relevantes, sem dúvida, o que sempre representa riscos. Mas o maior risco talvez fosse insistir mesmo no casamento forçado, globalista. O mundo não fica mais próximo com um governo mundial. Isso é balela. Da mesma forma que não houve uma melhoria no relacionamento entre negros e brancos com a vitória de Obama nos Estados Unidos, a despeito de toda a retórica “progressista”.

Quando se tenta impor uma visão de mundo das elites aos demais, o tiro costuma sair pela culatra. A união saudável deve ser voluntária, espontânea. E quando ela não for possível, é melhor ter uma divisão pacífica do que tentar forçar a barra em nome de um universalismo utópico. A declaração da morte do estado-nação foi muito prematura. A identidade de um povo importa, e não pode ser apagada ao bel prazer dos governantes “esclarecidos”.

O europeu não necessariamente se enxerga como europeu acima de tudo; antes, ele é um inglês, um italiano, um espanhol, um grego, um francês. Que, de preferência, poderão viver em paz e praticando trocas voluntárias, comércio livre. Mas que nem por isso precisa levar a uma união política plena, todos sob um governo único, distante, centralizador, afastado do povo lá em Bruxelas, comandando o show todo como se os indivíduos fossem marionetes apenas.

Rodrigo Constantino

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