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Ludwig von Mises, o grande Cavaleiro do Liberalismo
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Por Luan Sperandio, publicado pelo Instituto Liberal

Líder da Escola Austríaca, Ludwig von Mises era filho de engenheiro ferroviário. Nascido em Lemberg, em 1881, à época território do Império Austro-Húngaro, sua família tinha origem judaica e título de nobreza, concedido pouco antes de seu nascimento pelo Imperador Francisco José I.

O austríaco frequentou o ginásio acadêmico de Viena e, após sua formatura em 1900, matriculou-se para estudar Direito e Economia na Universidade de Viena, onde teve contato com os seminários do economista Eugen von Bohm-Bawerk, que exerceram profunda influência em toda sua obra. Dois anos depois, já havia publicado seu primeiro livro, uma monografia da história econômica que versava sobre o desenvolvimento da Galiza entre 1772 e 1848. Em 1906, obteve seu título de doutorado em Direito.

Entre 1909 e 1934, foi o principal conselheiro econômico do governo austríaco na Câmara de Comércio de Viena, onde dizia que sua função era “dizer o que os políticos não poderiam fazer”. Nesse ínterim, também lecionou na Universidade de Viena. Ao final desse período, preocupado com a influência Nazista na Áustria, mudou-se para Genebra com sua companheira Margit, onde teria vivido os dias mais felizes de sua vida. Na Suíça, lecionou no Instituto de Universitários de Altos Estudos Internacionais.

Quando os nazistas avançavam pela França em 1940, porém, eles tiveram de fugir para os Estados Unidos. Sua casa em Viena foi saqueada pelos comandados de Adolf Hitler, que pilharam livros, documentos e seus ativos. O Reich Alemão o considerava “um arqui-inimigo do nacional-socialismo e de qualquer outro tipo de socialismo”. Após o final da guerra, descobriu-se que a Gestapo detinha 10 mil documentos de Mises, liberados apenas após o fim da União Soviética.

Ao chegar aos Estados Unidos, era um refugiado que precisava recomeçar sua vida às vésperas de completar 60 anos. Suas obras até então tiveram pouco impacto no Novo Continente, sobretudo por terem sido originalmente escritas em alemão. John Maynard Keynes, por exemplo, reconhece que não considerou Mises em sua obra acadêmica por não ler bem naquela língua. A despeito das adversidades, Ludwig não se abateu e, ao final da década de 1940, passou a lecionar Teoria Econômica na Universidade de Nova York, onde ministrou aulas por 25 anos. Seu salário era pago por doações de indivíduos privados – vale dizer que sua situação financeira nunca foi muito confortável.

Em sua vida pessoal, casou-se com Margit apenas aos 57 anos, apesar de ter vivido com ela por décadas. Seu hobby era chamar os amigos para tomar chá, como se fosse um inglês, além de frequentar o teatro. Embora tivesse costume de caminhar, não se interessava por esportes.

Mises foi um dos fundadores da Mont Pelerin Society, mas parou de frequentar seus encontros porque considerava que a organização prestava um mau serviço ao promover debates que considerava “socialistas”. Justamente por esse traço em sua personalidade, Mises era chamado de ‘O Último Cavaleiro do Liberalismo’: jamais fazia concessões ao intervencionismo. Preferia ser rejeitado a abrir mão de suas convicções, segundo as quais o Estado deveria ser sempre limitado a apenas proteger a vida, a propriedade e as liberdades individuais.

Justamente por isso, Mises não era um economista popular. Lutava contra o inflacionismo em um momento em que a maioria das pessoas estava convencida de que uma expansão agressiva da moeda, do crédito e dos orçamentos governamentais eram a chave para assegurar a prosperidade. Ademais, era crítico do igualitarismo coercitivo, ao passo que a maioria das pessoas de sua época entendia que a justiça social necessitava de distribuição de renda. Além disso, lutava contra o sindicalismo governamental, destoando de progressistas da Ciência Política da época, que acreditavam que se tratava de um elemento essencial da democracia.

Despertava ainda rejeição até mesmo por liberais da época, que consideravam sua postura intransigente como um obstáculo para a difusão das ideias da liberdade. Muitos compreendiam que “uma maior vontade de dialogar e demonstração de piedade com pessoas de pouca sorte no livre mercado tornaria o liberalismo mais aceitável para a maioria”. Ato contínuo, criticavam a forma como Mises defendia suas ideias, por considerarem que ele afastava as pessoas.

Mises atraía ainda a oposição dos neopositivistas e empiristas, por sua postura antipositivista e epistemologia apriorística. Sua obra possuía críticas veementes demais “para não despertar animosidade por parte dos criticados”.

A despeito de ter conquistado muitos seguidores e admiradores ao lecionar em seus seminários, quando contrariado Mises tratava seus interlocutores como verdadeiros hereges. Exemplo disso ocorreu com seu amigo Fritz Machlup. Por questionar a infalibilidade da teoria da soberania do consumidor aprioristicamente e algumas questões sobre o padrão ouro, Mises ficou anos sem falar com o colega, em detrimento de uma amizade que perdurou por mais de 50 anos. Fritz precisou pedir a Margit para que interviesse e assim voltassem a se falar. Logo, a personalidade do teórico austríaco não era nada fácil.

Esses motivos levaram alguns institutos defensores do Livre Mercado, como o Institute for Humane Studies e o Cato Institute, a darem, a partir da década de 1970, maior atenção a Friedrich Hayek e Ludwig Lachmann, que consideravam que possuíam ideias mais palatáveis de serem absorvidas pelo debate público.

A obra de Mises contém 47 livros, dos quais destacam-se:

A Teoria da Moeda e dos Meios Fiduciários (1912): Mises conclui que a moeda também está sujeita a utilidade marginal decrescente, por meio do que ficou conhecido como Teorema da Regressão;

Socialismo: Uma Análise Econômica e Sociológica (1922): Reconhecido pelo mainstream acadêmico contemporâneo como sua maior contribuição, Mises desenvolveu artigo publicado 2 anos antes em que expunha a impossibilidade da realização do cálculo econômico sob o socialismo. Tratou-se de uma objeção fundamental ao socialismo, a primeira levantada pelos economistas do livre mercado, incapazes até então de contra-argumentar teoricamente contra o socialismo. A obra foi elemento decisivo no chamado “Debate do Cálculo Econômico Socialista”;

Ação Humana (1949): A magnum opus de Mises é chamada por Murray Rothbard de “a bíblia da economia para os homens civilizados”. É um tratado da visão dele acerca das potencialidades e qualidades da economia e dos diversos conceitos que a envolve.

Teoria e História (1957): Mises discute o dualismo metodológico, rejeitando os princípios metafísicos aplicados à economia, criticando a regularidade e a previsibilidade estatística de fenômenos econômicos. Discute leis da natureza, limitações do conhecimento humano, critica visões deterministas e fatalistas da história.

O Último Cavaleiro do Liberalismo faleceu em Nova York aos 92 anos, sem ver aquilo que previu acertadamente com 7 décadas de antecedência: a implosão do império soviético pela enorme ineficiência característica de um sistema que não permite a realização do cálculo econômico. O Prêmio Nobel concedido a seu aluno FA Hayek no ano seguinte despertou novo interesse pela teoria misesiana, corroborada ainda pela recessão entre 1973-1975, caracterizada pela inflação e pelo desemprego, violando os cânones da teoria keynesiana.

O empresário e grande defensor da liberdade no Brasil, Donald Stewart Jr., lançou as bases do pensamento de Mises no Brasil ao criar em 1983 o Instituto Liberal e patrocinar, além dele próprio traduzir, diversas obras de Mises e da Escola Austríaca no Brasil.

No início dos anos 2000, houve o nascimento do libertarianismo no Brasil, difundindo as ideias de Mises. Um dos principais responsáveis foi o Instituto Mises Brasil, criado em 2007 por Hélio Beltrão, ao passo que o Instituto Liberal assumiu novo protagonismo sob a liderança do economista Rodrigo Constantino. Em meio ao colapso do Lulo-petismo, cujo auge observou-se nas maiores manifestações populares da história do país pedindo o impeachment de Dilma Rousseff, diversas pessoas carregavam no protesto frases como “Menos Marx, Mais Mises”. O Brasil é o único país do globo em que o termo Mises é mais pesquisado na internet que Keynes. O Último Cavaleiro do Liberalismo certamente ficaria orgulhoso.

Referências:

MISES, Ludwig. O Contexto Histórico da Escola Austríaca de Economia. São Paulo: LVM, 2017.

Mises: The Last Knight of Liberalism (2007) de Jorg Guido Hulsmann.

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