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Fonte: Folha
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Volto ao tema do Brexit, pois os ataques continuam com tudo. Os mercados parecem já ter se acalmado, e não houve nada perto daquele “fim do mundo” que tantos “especialistas” previram com a decisão britânica. Os ânimos já estão mais tranquilos, e a fase de negociações tem início.

Nigel Farage, do Ukip e líder do movimento que levou ao Brexit, surpreendeu muitos ao anunciar sua renúncia da política, após dizer que concluiu sua missão e gostaria de ter sua vida normal de volta. Talvez seja projeção dessa turma que não entende como alguém pode não alimentar tanta ambição pelo poder. Mas não são poucos os que ainda olham para isso tudo assustados.

Não falo apenas dos suspeitos de sempre, dos esquerdistas que tratam todos aqueles que escolheram a saída da União Europeia como um bando de idiotas xenófobos, manipulados por populistas ultranacionalistas. Falo de gente mais séria, como Carmen Reinhart, professora de Harvard, que falou em “golpe” contra a globalização em artigo que foi publicado ontem no GLOBO. Diz ela:

A crise financeira global representou um golpe significativo contra a globalização, especialmente em termos de comércio e finanças. Agora, o Brexit deu outro golpe, somando a mobilidade de mão de obra à lista.

Os mercados financeiros não gostam de incertezas. Com o mundo ainda vivendo um crescimento anêmico e baixos níveis de investimento, qualquer plano de contingenciamento adequado precisa incluir a resolução imediata das novas regras do jogo para o Reino Unido e seu relacionamento com a UE. Qualquer atraso causará mais frustração e elevará as chances de políticas de retaliação dos membros da UE. A última coisa de que se precisa e um processo de divórcio do tipo toma-lá-dá-cá, que apenas servirá para aprofundar as já crescentes falhas da economia global.

A coautora de Oito Séculos de Delírio Financeiro (“This time it’s different”), com o também sério Kenneth Rogoff, tem um ponto: se a decisão pelo Brexit levar a uma “guerra comercial”, ela terá sido péssima para a globalização e para o mundo. Mas não precisa ser assim.

Aliás, quem está adotando uma retórica de “retaliação” e “punição” é a própria UE, o que diz muito sobre sua atitude, seu viés e visão de mundo. A UE quer punir os britânicos para sinalizar aos demais o alto custo de uma decisão dessas. E como faria isso? Aumentando o protecionismo na região. Dando um tiro no pé!

O Brexit pode muito bem ser um ataque não à globalização, mas ao que a UE representa hoje, que é um modelo antiglobalização, protecionista, contra o livre mercado. Essa “globalização” com amplo poder concentrado numa elite burocrática é o ideal de muito economista “mainstream”, mas não necessariamente o melhor para o mundo. Os defensores do livre comércio, desde Adam Smith, sabem que não é com um exército de burocratas e políticos que o comércio prospera, e sim com menos burocracia e amarras regulatórias.

Nesse sentido, o Brexit pode muito bem significar mais, e não menos globalização. É o ponto de vista sensato que o economista e diplomata Marcos Troyjo defende em sua coluna de hoje na Folha:

Os países em desenvolvimento, em especial aqueles mais dependentes da exportação de commodities agrícolas, enxergam a UE mais como um obstáculo do que um facilitador para o comércio em que a maior parte do mundo emergente apresenta vantagens comparativas.

Isso fica bastante claro nas inúmeras barreiras tarifárias e não-tarifárias, e em particular no estabelecimento de intrincadas normas técnicas, que a UE impõe na arena multilateral, como a Organização Mundial do Comércio (OMC) ou nas negociações bloco-a-bloco, caso das tratativas Mercosul-UE, que se arrastam há 17 anos.

Poucos contestariam a noção de que, na esfera agrícola, a UE tem representado menos, e não mais globalização. E mesmo em setores industriais, no que toca ao resto do mundo, a Europa é mais parecida com um veículo de integração comercial ou um ator protegido por sofisticados escudos das mais diferentes ordens?

O Brexit dá ao Reino Unido espaço de manobra e velocidade para acordos de qualquer natureza e com o parceiro que desejar. Nesse cenário, poderia adquirir um perfil de nação-comerciante bem mais pronunciado do que apresenta hoje.

É muito cedo —e ainda pouco provável— que esses vetores favoráveis a mais livre comércio sem as limitações impostas por pertencer à UE predominem sobre o sentimento de “proteção de individualidade” que governou a decisão britânica.

Ainda assim, se nos próximos dois anos, período previsto para o transcurso do divórcio, os britânicos multiplicarem acordos comerciais e desregulamentarem sua economia, isso incentivará mais, e não menos globalização.

Se tantos economistas renomados estão mesmo preocupados com o recuo da globalização, então eles deveriam voltar suas energias contra os burocratas da UE, não contra os britânicos que escolheram sair dela. Não há nada dizendo que tal decisão deve necessariamente levar a um fechamento de fronteiras. Ao contrário: os britânicos resgataram maior controle político agora, e isso pode representar mais abertura para o mundo, em termos de comércio.

É um equívoco associar automaticamente UE à globalização. Até porque vemos várias figuras historicamente contrárias à globalização indignadas com o Brexit. Será que isso não quer dizer alguma coisa?

Rodrigo Constantino

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