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O "Edmund Burke" brasileiro
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Por Thiago Kistenmacher, publicado no Instituto Liberal

Quando estivermos desanimados com nosso cenário político – o que não é nada incomum em qualquer brasileiro sensato – é bom, para respirar novos ares, embora sejam obras antigas, recorrer a intelectuais como José da Silva Lisboa (1756 – 1835), mais conhecido como Visconde de Cairu. Ainda que na academia qualquer estudo que não exalte a perspectiva hegemônica seja visto como militância “reacionária” ou “coxinha”, não importa, ainda insisto em dizer que ler intelectuais como Lisboa faz uma diferença enorme.

José da Silva Liboa, a despeito de muito conhecido por propagar as ideias do economista Adam Smith, que lhe encantou, afirmação esta que podemos encontrar nas memórias de seu filho Bento da Silva Lisboa, lidas na sessão do Instituto Histórico no dia 24 de Agosto de 1839 e registrado na revista do IHGB de 1908, também tratou de divulgar as principais ideias do irlandês Edmund Burke (1729 – 1797), quem o brasileiro considerava como o “grande mestre na ciência da política”. [1] Mas, se o próprio Burke é praticamente nulo nas discussões atuais, imagine então Lisboa, um intelectual que defendia a coroa e o livre mercado.

Pedro Meira Monteiro, professor da Princenton University, em artigo para o site da Revista de História intitulado O “Reacionário”,[2][1]explicando o título, aponta que Lisboa “tem sido objeto de opiniões extremas – ora endeusado como um benfeitor da pátria, ora rejeitado como um indivíduo que, pelas suas ideias e posições, poderia ser tachado, na terminologia de hoje, de  um consumado ‘reacionário’”. Ainda muito comum, geralmente os simplificados rótulos mais atrapalham do que ajudam no entendimento de posições políticas ou ainda outras quando estas são reduzidas a um maniqueísmo inexistente. Influenciado por Edmund Burke, teria sido contrário às ideias do irlandês – ou mesmo da Providência, conforme defendia Burke – caso tivesse sido entusiasta de um reacionarismo tão utópico quanto os dogmas revolucionários, pois Burke não era contrário a mudanças, mas avesso às mudanças que necessitassem da completa destruição das tradições e ordem social, ou que fizessem tábula rasa do passado. Em suma, o parlamentar britânico atuava como reformador prudente, que para Russell Kirk (1918 – 1994) é aquele que combina uma capacidade para reformar com uma disposição para preservar; o homem que ama a mudança é totalmente desqualificado, do seu desejo, para ser o agente da mudança.”[3] E como citou o próprio Cairu: “reformar não é fazer em pedaços a arquitetura do Estado.”[4]

Basta ler algumas linhas dos livros desse intelectual que estão disponíveis on-line [5], para notarmos que este homem, natural de Salvador, não foi qualquer um. Quando Cairu iniciou seus estudos na Universidade de Coimbra, esta “havia passado por ampla reforma, concluída apenas dois anos antes, e ainda se ajustava aos recém-criados estatutos” [6]. Além disso, a partir da universidade lusitana e da Reforma Pombalina, de acordo com Antônio Paim no livro A História do Liberalismo no Brasil, “distinguiram-se muitos brasileiros que passaram a liderar várias das novas esferas do conhecimento científico”. Cairu foi um deles… São tantas coisas que podemos extrair desses conterrâneos que às vezes não temos nem ideia, até porque nunca são citados, nem nas escolas, nem nas universidades, salvo raríssimas exceções…

Pra quem se interessar em ler as interpretações e os acréscimos que o Visconde de Cairu fez às ideias de Burke, poderia começar lendo duas obras, a saber, o livro Extratos Políticos e Econômicos de Edmund Burke [7], publicado pela Impressão Régia em 1812 e posteriormente em 1822, onde Cairu fez uma tradução de cinco textos de Burke, com uma belíssima introdução, que dedica a D. Rodrigo de Souza Coutinho, e também outra, intitulada Roteiro Brazílico [8], publicada em 1822 pela Typographia Nacional. Nessa última, Cairu dedica um capítulo aos escritos do “pai do conservadorismo moderno” intitulado “Doutrinas de Burke”.

Evidente que tais ideias não são verdades absolutas, até porque somos pequenos, racionais e por isso, limitados. Burke alertou que “Se circunspecção e cautela fazem parte da sabedoria, quando trabalhamos apenas com matéria inanimada, certamente elas fazem parte do dever também, quando o objeto de nossa demolição ou construção não é tijolo e madeira, mas seres humanos pela súbita alteração de cujo estado, condição e hábitos, multidões podem se tornar infelizes.”[9] E por isso mesmo, como afirmou Cairu, “O verdadeiro Legislador deve ter hum coração cheio de sensibilidade. Elle deve amar e respeitar a sua espécie, e muito temer de si próprio”. [10]

Alguém discorda que tal perspectiva serviria muito bem ainda hoje em nossas universidades e entre “nossos” governantes, onde reina a presunção? Onde utopias que já derramaram milhões de litros de sangue são romantizadas? Onde a “arte do possível” se tornou a ilusão do impossível? Ou para políticos que veem o poder como um fim em si mesmo?

Ainda é possível ter orgulho dos nossos políticos, ainda que do passado…

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