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O homem esquecido voltou
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Por Alexandre Borges

A expressão “o homem esquecido” (“the forgotten man”) era uma marca registrada de Franklin Roosevelt desde sua primeira campanha eleitoral em 1932. Depois de oito décadas, ele está de volta.

Roosevelt falava diretamente com os desempregados, os miseráveis, os desesperançosos, as vítimas da Grande Depressão que começava a destruir a economia do país. Em 1932, último ano de Herbert Hoover como presidente, o desemprego estava em inacreditáveis 23,6% contra 8,7% de apenas dois anos antes.

Em 7 de abril daquele ano, dia da aceitação da vaga para concorrer na chapa democrata, Roosevelt fez um discurso falando do “homem esquecido” da “parte debaixo da pirâmide”. Dias depois, FDR lança sua campanha falando em “devolver o governo para o povo” e contra “Washington”. Soa familiar? Pois deveria.

Donald Trump fez seu discurso de posse hoje inspirado em Roosevelt, um aristocrata de Nova York como ele e que apelava às massas contra o poder estabelecido, os políticos tradicionais e a favor da população que teria sido deixada para trás pelos ricos e poderosos.

No artigo que publiquei hoje na Gazeta do Povo (“O mundo é laranja” http://bit.ly/2iYS9Ub), já avisava os apressados que não saíssem classificando Trump de “esquerda” ou “direita” porque ele durante a campanha algumas vezes soava como republicano e outras como democrata. Trump, repito, não deve nunca ser colocado nas caixinhas tradicionais da política.

Como pré-candidato republicano, Trump foi atacado ferozmente pelo próprio partido e por conservadores da imprensa, os “never trumpers”, sendo constantemente acusado de “não ser conservador”. Suas declarações a favor de uma política de imigração mais dura, especialmente em relação à entrada de mexicanos ilegais e muçulmanos, além da valorização dos militares, veteranos e policiais, agradou em cheio às bases do partido. Mesmo assim, a desconfiança de muitos republicanos em relação ao seu conservadorismo continuaram.

Trump também falava em mudar as regras dos acordos comerciais com outros países e de trazer empregos de volta, mirando diretamente o coração dos trabalhadores e sindicalistas, muitos deles eleitores do Partido Democrata. Quando Bernie Sanders saiu da disputa, Trump passou a tentar seduzir parte de seus eleitores que viam em HIllary o establishment político e econômico que desprezavam.

Enquanto Trump crescia nas primárias, muitos republicanos sugeriam que a vaga não seria dada a ele, o que fomentou especulações dele sair do partido e concorrer como um terceiro candidato independente. Ele não admitia publicamente a possibilidade de sair do Partido Republicano e continuou a concorrer normalmente até vencer a disputa interna e, depois, conquistar a presidência.

Quando sua vitória eleitoral foi oficializada, Trump passou a fazer indicações para o gabinete com conservadores de primeira linha que passavam a impressão de que o Trump “democrata”, “esquerdista” ou “desenvolvimentista” e “keynesiano” tinha ficado para trás.

Por incrível que pareça, Trump acabou sendo mesmo um terceiro candidato independente, apenas não saiu do Partido Republicano para trilhar seu caminho. Ele venceu como republicano mas hoje passou uma mensagem de que pretende governar como o CEO da América S.A. e não como um tradicional republicano ou conservador.

O novo presidente que se viu hoje foi um líder sem papas na língua, sem tempo para rodeios, sem qualquer vontade de fazer acenos a quem quer que seja da classe política tradicional, o que inclui seu próprio partido. Trump surpreendeu alguns correligionários e aterrorizou opositores com um discurso que reduziu a pó o legado que recebeu do antecessor, talvez o homem mais atordoado do planeta neste momento. Obama deve ir dormir hoje, se conseguir, com a sensação de que quase tudo de relevante que fez nos últimos oito anos será sumariamente descartado ou mutilado até ficar irreconhecível.

No discurso, Trump citou literalmente o “homem esquecido” de Roosevelt, um simbolismo mais que evidente de sua disposição de ser um presidente não do “estado mínimo”, como defendem os conservadores, mas algo entre o “estado eficiente” e o “estado desenvolvimentista”.

O caminho escolhido por Roosevelt foi um desastre. O New Deal aprofundou a crise e mergulhou a América na maior recessão da sua história e da qual só sairia depois de sua morte em 1945. Esta é uma lição que qualquer conservador está torcendo para que Trump tenha familiaridade.

O novo presidente tem auxiliares diretos que compõem um time de qualidade inquestionável em experiência, capacidade profissional, patriotismo e conservadorismo, o que afasta o governo Trump de possíveis paralelos com Roosevelt neste sentido. Se o gabinete de Trump for mesmo influente, não há o que temer.

Como nada em Trump é tradicional ou usual, o discurso de hoje guarda poucas similaridades em estilo ou tom com qualquer antecessor. Foi um discurso de um CEO que assume uma organização em decadência e que necessita de um turnaround e de novos investimentos para redescobrir o caminho do crescimento.

A vampiresca e corrupta classe política de Washington, dos dois partidos, entendeu claramente que o país está sob nova direção, com novas regras, e que eles vão ter que se adaptar e muito para poder ter alguma relevância no novo governo.

Hoje o “homem esquecido” que votou em Trump foi lembrado e, de certa forma, vingado. O novo presidente falou tudo que o “homem esquecido” tinha engasgado e queria gritar para Obama sem a polidez de Ben Carson no famoso discurso de 2013 do National Prayer Breakfast. Obama saiu da presidência como um demitido por Trump em “O Aprendiz”, o que lavou a alma de seus eleitores mais aguerridos.

O “homem esquecido” teve suas esperanças renovadas neste dia histórico. Agora é torcer para que Trump fuja dos atalhos “progressistas” de tantos antecessores e corte impostos, tire regulações e deixe a América florescer como fizeram os presidentes da Era Dourada do final do séc. XIX, Calvin Coolidge e, claro, Ronald Reagan.

Se ele conseguir segurar o ímpeto de usar a caneta presidencial para fazer pacotes de estímulos e colocar o estado como motor da economia, conseguirá entregar suas promessas, que não são nada modestas, e ser reeleito em 2020.

Não é possível fazer qualquer previsão agora, mas será muito interessante acompanhar. Que Deus abençoe a América.

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