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Viagem no tempo a um mundo em extinção (ou assim se espera)
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Decidi fazer uma viagem no tempo este fim de semana. Fui guiado por Theodore Dalrymple a países marxistas pouco antes da queda do comunismo (na verdade, dois desses países ainda são ditaduras comunistas até hoje).

Falo de seu livro The Wilder Shores of Marx: Journeys in a Vanishing World, onde o médico britânico relata suas bizarras experiências na Albânia, Coreia do Norte, Romênia, Vietnã e Cuba. Ele foi conhecer in loco a realidade desses países sob regimes marxistas.

Além das mortes, dos massacres e da fome que o comunismo produziu, a pior coisa, em sua opinião, foi a mentira oficial. Uma mentira em que todos eram obrigados a participar, e por repetição, concordar ou ao menos se negar a contradizer.

Dalrymple chegou à conclusão de que a propaganda comunista não tem o propósito de persuadir, muito menos de informar, e sim de humilhar aqueles que precisam fingir publicamente que acreditam nela. O auto-respeito se torna inviável.

Por tras desses regimes comunistas que enalteciam todo seu amor pelos mais pobres, Dalrymple foi capaz de perceber claramente o ódio que sentiam, muitas vezes ignorado por eles mesmos. Intelectuais frustrados eram atraídos para o marxismo como uma espécie de revolta dos medíocres contra o mundo.

Quem já leu livros de Dalrymple sabe que ele em nada se encaixa no perfil típico de consumista fútil ocidental. Pelo contrário. Entretanto, ele notou a falta que faz o trivial nesses países. Além disso, há uma enorme diferença entre voluntariamente abrir mão de certos produtos, e ter de viver constantemente em meio ao racionamento e à escassez plena.

O regime de terror imposto aos cidadãos gera uma sociedade emasculada, abatida, medrosa, onde qualquer um pode ser um informante, um traidor. As amizades acabam destruídas. A responsabilidade coletiva faz com que cada um seja um espião do outro, clima no qual é impossível florescer amizades espontâneas e desinteressadas.

O culto à personalidade era espantoso em cada um desses países, com diferentes graus. Kim Il Sung e Enver Hoxha, por exemplo, eram vistos como semideuses por seus súditos. Será que acreditavam em sua infalibilidade, ou eram cínicos? Eis a dúvida que atormentava o nosso viajante.

Algo um tanto cômico, ainda que trágico, era a tentativa de enganar os estrangeiros. A homenagem hipócrita que o vício presta à virtude. Simulacros de mercados com “atores” obrigados a fingir que compravam produtos apenas para impressionar as comitivas estrangeiras eram freqüentes, especialmente na Coreia do Norte.

Nessas horas ficava claro para Dalrymple como a escolha é fundamental para dar sentido à vida, mesmo em se tratando das pequenas coisas. Escravos forçados a participar de uma encenação patética eram humilhados, sensação útil ao regime totalitário, pois reduz a chance de rebeldia.

A intromissão dos governos na vida pessoal era simplesmente total. O ditador romeno Ceausescu decidia até mesmo quantos filhos os casais deveriam ter, de olho em uma Romênia com milhões de habitantes a mais no futuro, uma potência mundial.

A economia desses países marxistas, desnecessário dizer, era o caos completo. Conseguir um café na Romênia podia ser o trabalho de uma tarde inteira. Faltava tudo, o mercado negro era enorme, e para conseguir alguma coisa era preciso subornar autoridades corruptas. A “sociedade sem classes” tinha uma clara distinção entre os poderosos e o restante, a começar pela cor do carro – ou sua simples posse.

Essa escassez toda podia ser fruto da incompetência dos burocratas e do próprio sistema econômico centralizado, mas também tinha um aspecto político. Quando falta tudo, e a obtenção de um pedaço de pão passa a ser um desafio homérico, então todos acabam reféns das autoridades, e se mostram dispostos a participar do esquema corrupto também.

Suas mentes ficavam ocupadas com tais conquistas de subsistência, deixando de lado a potencial subversão, e todos estavam dispostos a colaborar com o regime em troca de favores especiais ou de algum privilégio. A atividade do dia a dia servia para lembrar que todos tinham traído seus princípios em troca de pão ou batata. Era o espírito do povo que saía destruído sob o marxismo.

Após visitar todos esses países comunistas, Dalrymple, abalado, resolveu ir para o Peru. Chegando lá, deparou-se com o Sendero Luminoso, grupo liderado pelo professor de filosofia Abimael Guzman (nunca são proletários que lideram tais revoluções marxistas).

Em nome do proletariado, o grupo justificava seus meios abjetos com o fim “inevitável”: milhões de anos de matéria em movimento estariam inexoravelmente levando o mundo na direção de uma sociedade de Completa Harmonia.

Foi sempre a mesma coisa. Sempre a mesma desculpa. Fracasso após fracasso, sempre haverá um “intelectual” frustrado e com o ego maior que o mundo disposto a sacrificar milhões de inocentes no altar da utopia.

PS: O Peru conseguiu se livrar da ameaça vermelha, mas se Dalrymple tivesse visitado o Brasil, conheceria um tal de Partido dos Trabalhadores, que tinha como braço armado no campo um certo MST, ambos sócios de Fidel Castro no Foro de São Paulo. O médico britânico saberia, então, que é o Brasil, e não o Peru, que corre o risco de ver uma reedição da utopia marxista na América Latina, para a desgraça de todos nós, brasileiros.

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