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A morte redime? Ou: Da hipocrisia dos humanistas
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Para os célebres, é bom morrer no Brasil. O morto deixa de ser humano, com defeitos e qualidades, e é canonizado. – Paulo Francis

Eu sabia que isso ia acontecer. Nem posso fingir surpresa. Escrevi um texto sobre a suposta coragem de Gushiken, que faleceu recentemente, alegando que coragem mesmo tem quem enfrenta as doenças no SUS, especialmente se for com um “médico” cubano. No Sírio-Libanês é um pouco mais fácil.

Cheguei a alertar, antes, que a sensibilidade com os mortos costuma ser seletiva, demonstrando mais uma vez o duplo padrão da esquerda hipócrita.

Não deu outra: ignoraram o alerta, o fato de que não fiquei celebrando morte alguma (apenas apontei essa incoerência), e partiram para o ataque com adjetivos chulos. Nojento, abjeto, detestável, insensível etc. Como ousa falar assim de alguém que acabou de falecer?

Mea culpa. É que, para mim, a morte não redime. Podemos até respeitar o sofrimento alheio, de qualquer ser humano, por mais que o consideremos condenáveis ou terríveis. Comemorar ou desejar a morte de alguém parece algo um tanto desumano. Mas aqui eu já faria uma ressalva, sem afirmar que é o caso do Gushiken (viu, petralhas?): qualquer morte?

Bom, vamos começar com o argumentum ad Hitlerum logo de uma vez: mesmo a morte de Hitler não deveria ser desejada ou celebrada? Pois é, já começamos a relativizar um pouco a coisa. Mas vamos adiante: haveria esse respeito todo se fosse Bush o falecido? As esquerdas ficariam em obsequioso silêncio em respeito aos seus familiares?

Aos que fazem pose de sensíveis humanitários agora, pergunto: esqueceram quando o “chefe de quadrilha” mandou o povo bater, nas urnas e nas ruas, em Mario Covas, que tinha câncer? E a tropa de choque seguiu a ordem, diga-se de passagem:

httpv://www.youtube.com/watch?v=Akbo33Pet_w

Façamos um exercício hipotético: se for Maluf ou Sarney a bater as botas, essa mesma gente que veio em meu blog, horrorizada e escandalizada, fará o mesmo nos blogs que vão até mesmo celebrar o ocorrido com um velho “já foi tarde”? Quero só ver. E olha que ambos, hoje, são aliados do PT!

A morte costuma transformar todos em santos. Biografias são escritas refazendo a história. Surge uma aura de inocência concomitantemente ao cadáver. Nunca aceitei isso. E sei que, no fundo, ninguém aceita. É questão apenas de transparência.

O cancro que se espalha pelo corpo não transforma um canalha em um homem bom. Um pulha com câncer continua sendo um pulha. Pode até ser politicamente incorreto dizer isso, mas não deixa de ser verdade. O contrário é apelar para a hipocrisia.

O ex-presidente Lula concordaria comigo. Quando o ex-ditador chileno morreu, ele deu logo a seguinte declaração: “Pinochet simbolizou um período sombrio na história da América do Sul; foi uma longa noite em que as luzes da democracia desapareceram”. E o respeito aos seus familiares?

Pois é: um peso, duas medidas. Quando Fidel Castro finalmente deixar esta vida, confesso que não sentirei um pingo de pena. Pena sinto de suas vítimas, hoje. O “El Coma Andante” não merece comoção alguma, e podem aguardar o que vem por aí.

Eis o meu ponto: a esquerda “sensível” e “humanista” é hipócrita, tão falsa como uma nota de três reais. Sua sensibilidade é seletiva. Não aceito ser patrulhado por essa turma.

Não fico desejando a morte dos outros. Tampouco finjo que estou triste quando morre alguém que jamais mereceu o meu respeito. Respeito, afinal, conquista-se! E não é a doença ou a morte que irão conquistá-lo, mas os atos em vida.

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