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Breaking Bad: um pacto mefistofélico sem volta
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Não entrei na febre das séries de TV, que dominaram os debates nas redes sociais por anos e suscitaram até livros sobre o assunto. O tempo sendo escasso, a preferência era pela leitura. Mas, tardiamente, resolvi ver, numa talagada só, aquela que foi uma das mais badaladas e elogiadas: Breaking Bad. Em pouco mais de um mês, as cinco temporadas estavam liquidadas.

Sensacional! Acho que terei até crise de abstinência sem Walter White e aquela musiquinha da entrada. Uma trama espetacular, com um elenco ainda mais fantástico. A atuação tanto de Bryan Cranston como de Aaron Paul é simplesmente perfeita, inclusive na química entre ambos. Química, aliás, que tem tudo a ver com a trama.

Muito já foi dito sobre a série, e não pretendo chover no molhado. Deixo apenas registrado o meu gosto pelo tema deveras instigante: a besta presente em cada um de nós, sempre à espreita para tomar o controle da situação. Um tema capturado pela metáfora do “pecado original”, e caro aos conservadores, que sempre desconfiam da natureza humana.

Walter White era um professor de química brilhante, mas em uma escola de secunda categoria, e ainda lavava carros para arrecadar um trocado extra. Descobre que está com câncer terminal nos pulmões, e isso muda tudo. Em uma medida desesperada, torna-se um “cozinheiro” de metanfetamina ilegal, um traficante. E isso exerce profunda influência em sua personalidade, ou a modificando, ou, o que é mais provável, revelando um lado seu sombrio que permanecia oculto.

O homem incorpora o personagem que criou, Heisenberg, cujo símbolo é um chapéu de mafioso, no mesmo estilo que o ex-presidente Lula usou após o tratamento de seu câncer. É uma nova pessoa, completamente mudada. Viril, corajoso, seguro de si, disposto a praticar os atos mais sinistros para sua única finalidade: deixar uma herança para garantir o futuro de sua família, cujo filho tinha problemas e a mulher, sem emprego, estava grávida.

Ao menos essa foi sua racionalização o tempo todo: a cada novo ato absurdo, o autoengano de que tudo era pelo bem da família. Os fins justificam os meios, a máxima de todo revolucionário. Ocorre que esse é um caminho sem volta, um pacto mefistofélico, uma avenida escorregadia que acaba levando o sujeito cada vez mais na direção escolhida inicialmente. Não há meio-termo, como não há mulher meio grávida. Escolhido o crime, o crime irá atormentá-lo para sempre.

Há traços de perversidade em sua personalidade. Falo de um assunto que não é minha praia, mas como vi a série ao lado de minha esposa, que é psicóloga e psicanalista, apreendi alguma coisa por osmose. Não creio que sua estrutura fosse perversa, mas sim a de um neurótico obsessivo, que reprimia demais todo o ódio que sentia por sua situação, especialmente pela oportunidade perdida: ele fora sócio de uma empreitada que se mostrou bilionária, mas decidiu abandoná-la antes do sucesso, sem levar nada em troca.

O ressentimento, quando liberado, veio como uma mola propulsora, uma válvula de escape, uma panela de pressão. É análogo aos jovens que aderem a grupos rebeldes e criminosos, ou mesmo terroristas, para dar algum sentido “nobre” às suas vidas medíocres, para gozarem com a sensação inebriante do poder, um entorpecente bem mais forte do que a droga química que Walter produzia.

Mas, como já foi dito, uma vez escolhido este caminho, não há mais volta, ou dificilmente haverá uma chance de sair ileso, de fingir que nada aconteceu, de resgatar a antiga vida pacata. Jesse Pinkman, personagem de Aaron Paul, bem que tentou, mas não conseguiu. Yo, bitch, that sucks! But it’s just how it is…

“Breaking bad” é uma gíria sulista que significa mais ou menos cruzar o Rubicão, desviar-se do caminho correto e passar a fazer coisas erradas, “liberar o mal”. Quando essa linha é cruzada, o mal toma conta da situação. A virtude é uma prática constante, um exercício diário de escolhas éticas e morais. Quando ela é “temporariamente” abandonada em prol de um resultado imediato, nem sempre há volta. Dependendo da magnitude do desvio, ele tende a ser permanente. E sempre haverá um alto preço a ser pago por isso.

Rodrigo Constantino

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