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O papel do estado
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Para falar sobre o papel do estado, precisamos antes falar sobre suas origens. Há teses concorrentes, e uma delas, endossada por Franz Oppenheimer, Nietzsche e David Hume, é de que o estado sempre surgiu da conquista militar. Um grupo domina outro e impõe suas regras. Estado seria, portanto, fruto da conquista.

Essa visão é importante para nos lembrar de que estado é sempre coerção. Significa monopólio da lei e da força em determinado território. Oppenheimer chamava a atenção para a distinção entre via política e via econômica. A primeira é essa que, após um processo de conquista ou mesmo eleitoral, uma decisão será imposta com o uso da coerção. A última compõe as trocas voluntárias no mercado.

Mercado, aqui, deve ser entendido como um grande mecanismo de formação espontânea, de complexa cooperação entre diferentes agentes em busca de suas próprias preferencias. Na metáfora de Adam Smith, cada um, buscando seus interesses, é levado como que por uma “mão invisível” a atender ao bem-geral. As trocas se dão em processo de livre escolha, portanto, pacíficas.

Como fica claro, a via do mercado parece bem melhor do que a via política, da coerção. Por que, então, ter qualquer tipo de coerção? Por que não deixar tudo a cargo do mercado? A resposta passa pela visão de Hobbes, de que o homem é o lobo do homem. Como sabia Freud, precisamos abrir mão de parte de nossa liberdade para viver em sociedade. Evitar a lei do mais forte, a constante ameaça de uso de coerção ou violência de terceiros, eis o objetivo.

Surge, então, o estado. Sob esta ótica, presente na visão de Locke, ele seria uma espécie de “pacto social”. Os “pais fundadores” dos Estados Unidos se inspiraram nessa visão, e Thomas Paine resumiu a ideia quando disse que o estado é, no melhor dos casos, um “mal necessário”. Sua primeira grande função precípua, portanto, seria preservar a propriedade privada, a liberdade individual, a segurança na vida em sociedade.

Tal ponto de vista é fundamental para nos lembrar de que o estado não existe para promover o paraíso terrestre, e sim para evitar o inferno. Na era moderna, com a “morte” de Deus, o estado assumiu a postura de um Deus laico, o messias salvador que vai ser o instrumento de justiça social e locomotiva do progresso, capaz de curar todos os males da sociedade. Abriu-se, assim, as portas do verdadeiro inferno.

O poder corrompe, como sabia Lord Acton, e o poder absoluto corrompe absolutamente. Tendo isso em mente, os liberais defendem a descentralização do poder. O federalismo é o caminho para isso, respeitando-se o princípio de subsidiariedade. Tudo aquilo que puder ser feito pelo indivíduo e sua família, assim deve ser. Depois, a comunidade local, o bairro, o município, o estado e, finalmente, o governo federal, cuidando somente daquilo que as demais esferas não podem.

O mecanismo do mercado será falho, pois os seres humanos são falhos. O que não quer dizer que a intervenção estatal irá consertar tais falhas. Mais comum será essa intervenção agravar os males que pretende curar. O mecanismo de incentivos não é adequado no estado para muitas tarefas, pois falta meritocracia, risco de falência, premiação dos mais competentes e punição aos incompetentes.

O estado empresário, que se mete demais nos assuntos econômicos, acabará produzindo mais ineficiência e novas falhas. Além disso, ele vai desvirtuar os incentivos do próprio mercado. Os empresários, em vez de investir em produtividade e eficiência, passam a “investir” em lobby perante o governo, cuja decisão pode selar o destino de um setor inteiro. Acaba-se com o capitalismo de estado, ineficiente e corrupto.

Logo, não deveria ser função do estado cuidar da economia, e sim preservar as regras do jogo, garantir a propriedade privada, a estabilidade econômica, e a segurança. Enfim, fomentar a livre concorrência, e não querer decidir o resultado do jogo.

Como alguns podem ficar para trás nesse processo de cooperação competitiva, caberia ao estado, também, manter uma rede de proteção social, inspirada na ideia religiosa de solidariedade. Mas essa rede deve ser descentralizada, pois o governo local sabe melhor das necessidades em pauta, e também deve ser temporária: não pode virar um instrumento para sustentar para sempre preguiçosos e vagabundos.

Em suma, esta seria a visão liberal acerca das funções básicas do estado. Seu escopo deve ser bastante limitado, mas ele deve ter força para cuidar direito dessas poucas e importantes funções. Infelizmente, isso parece utopia no mundo atual. O estado ainda é visto como um ente abstrato que obtém recursos do além e que será dirigido por seres abnegados e clarividentes. Tal mentalidade produz um estado cada vez mais intervencionista e paternalista, colocando em xeque nossas liberdades e a prosperidade da nação.

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