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Na campanha, Dilma prometeu aumentar a atribuição da União na segurança pública | Ueslei Marcelino/Reuters
Na campanha, Dilma prometeu aumentar a atribuição da União na segurança pública| Foto: Ueslei Marcelino/Reuters

Entidade nacional da PM defende mudança

Diego  Ribeiro

Um dos mentores da PEC 423/2014, que foi apensada recentemente à PEC 430/2009, coronel da reserva paulista e diretor para assuntos legislativos da Federação Nacional de Entidades de Oficiais Militares Estaduais, Elias Miler, acredita que a segurança pública do país precisa de uma reforma urgente. Segundo ele, a mudança começa pelo ciclo completo, mas passa por uma revisão do papel das secretarias estaduais de segurança. Miler, contudo, defende que as polícias se mantenham com a disciplina e a hierarquia. Acompanhe a seguir a entrevista com o coronel:

Como o senhor analisa o modelo de segurança pública no Brasil?

O modelo brasileiro está desgastado. Ele foi montado pelo governo militar. Quando entramos em um estado democrático, ficaram duas polícias disputando espaços. É como se fossem duas empresas filiais no mesmo espaço, disputando o mesmo cliente. Não é racional. No mundo inteiro, não há esse modelo como o nosso. Estados ditatoriais fazem isso, com duas polícias, com órgão central que domina, ou uma polícia só, a polícia única, como na Estônia, China, Cuba.

Quais os principais pontos da PEC 423 e como ela pode ser implementada sem causar um choque grande?

A PEC avança. Começa o ciclo completo pelo crime de menor potencial ofensivo e nos casos de flagrante. A PM chegou, é caso de flagrante? Lavra o flagrante porque não há mais necessidade de nenhum outro conhecimento nesta fase. O flagrante fala por si. Põe no papel e estamos colocando no projeto que ele apresentará o flagrante de imediato ao juiz. Ele vai consolidar as provas. Em todos os municípios de Santa Catarina, a PM já tem o ciclo completo. O policial lá na ponta faz o registro de ocorrência com termo circunstanciado - registro do fato em casos de crimes de menor potencial ofensivo com pena máxima até dois anos de prisão - no local, porque tem computador de bordo. A pessoa já sai dali notificada e com o dia que ela vai estar na presença do juiz porque ali o policial já sabe a agenda do magistrado. O STF já decidiu que a PM deve lavrar Termo Circunstancial, mas por questão política e poderio dos delegados não se consegue fazer em todo país.

E o respeito à ampla defesa?

O juiz vai poder aferir se aquilo foi feito de acordo com os princípios constitucionais e vai ratificar de imediato ou não. Nos EUA, o cidadão vai direto à Corte e o juiz dá a ampla defesa o e o direito ao contraditório [se o autor do delito negar a autoria terá todo direito a defesa e o devido processo legal, de acordo com a PEC].

Qual o papel da Secretaria de Segurança Pública neste modelo de segurança?

Você pode até ter o secretário, mas como coordenador político que vai trabalhar dentro das diretrizes do governador. A gestão tem de ser policial. Alguns colegas foram até Nova York e viram viaturas novas. Perguntaram como eles compravam aqueles veículos. Eles disseram que viam o preço e compravam. Além disso, a Secretaria é mais uma estrutura sobreposta. Podemos fazer muitas coisas que vão agilizar, para dar uma resposta adequada à população. Hoje é muito difícil medir a eficiência da polícia.

Como a PEC 423 pode deixar a polícia menos burocrática e mais moderna?

Ela vai diminuir processos. Neste modelo sobreposto de meias polícias não é possível. Hoje São Paulo tem 100 mil policiais militares e 50 mil policiais civis. Uma estrutura sobrepõe à outra no mesmo espaço geográfico. Cada um faz o serviço pela metade, sem continuidade. Não vai ter estrutura sobreposta, sem polícia atuando pela metade. A polícia civil, que investigaria os grandes crimes, seria mais enxuta e moderna. No mundo inteiro essa polícia não chega a 10% da policia preventiva, que trabalha nos pequenos crimes. No Brasil, chega a 50%.

E a guarda municipal?

Não se pode colocar a guarda para disputar espaço com a PM, como é hoje. Ela vai fazer o policiamento ostensivo e deverá também fazer o termo circunstanciado. É uma segunda etapa.

Como ficaria os tipos penais que cada um cuidaria?

Ainda não está pacificado. Ao invés de estabelecer na Constituição, jogará para a lei determinar. Ela vai trazer a regulamentação.

A PEC não desmilitariza as PM, mas chega acaba com o vínculo com o Exército. Ela semidesmilitariza?

Eu colocaria assim. No artigo 144 da Constituição, a PEC vai desvincular as PMs do Exército. Antes de 1988, quem fazia o currículo da PM era o Exército, mas o vínculo ainda permaneceu como uma sombra. Se a instituição tem a estética e valores militares, mas não se molda nas mesmas técnicas, quebrando o vínculo, acabará com qualquer ideologia de guerra que possa haver. É preciso ressaltar que todo aparelho policial no mundo tem hierarquia e disciplina. Não é prerrogativa de militar.

Como ficam os peritos neste quadro novo?

Vai ter uma perícia atuando de forma independente. Autônoma. Vai ter uma garantia para a sociedade, porque o perito não vai estar sujeito à vontade policialesca. Além disso, vai dar à Justiça uma prova eficaz.

O início da próxima legislatura promete mudar a cara da segurança pública do país. A presidente Dilma Rousseff quer, conforme compromisso de campanha, encaminhar ainda neste ano uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) ao Congresso para aumentar a atribuição da União na área. Ao mesmo tempo, vários parlamentares possuem projetos de lei e PECs em andamento, com o objetivo de revitalizar o modelo de segurança do país. A necessidade de consenso será ainda maior diante do recente crescimento da oposição e a "divisão" do país durante a eleição. O debate maior deve ocorrer mesmo a partir do ano que vem.

INFOGRÁFICO: Confira oito propostas que tentam mudar a segurança pública do país, mas seguem emperradas na Câmara e no Senado

Neste ponto, contudo, mora a principal dificuldade: resolver qual caminho a segurança pública deve seguir. A reportagem selecionou oito propostas (duas tramitam juntas) em andamento no Congresso. Entre elas, estão a PEC 51 e a PEC 423, que se destacaram recentemente entre especialistas da área.

A primeira tem um viés amplo, defende o ciclo completo de polícia (prevenção, repressão e investigação), a desmilitarização da Polícia Militar e a carreira única para os policiais, pondo fim à divisão de oficiais e praças, delegados e investigadores. A segunda também defende o ciclo completo, mas traz a vinculação constitucional do orçamento da segurança, como ocorre na saúde e na educação. Porém, não desmilitariza totalmente a PM.

O ciclo completo é, aparentemente, o único consenso entre os projetos dos parlamentares. Um dos autores do livro Superando o Mito do Espantalho – Uma Polícia Orientada Para a Resolução dos Problemas de Segurança Pública, o tenente-coronel da PM catarinense Marcello Martinez Hipólito, defende a segunda proposta. Segundo ele, as polícias de rua [como a PM no Brasil] no mundo inteiro são responsáveis pela investigação de crimes de pequeno potencial ofensivo. Ele sugere ainda que apurar os furtos seja atribuição da PM, aliviando ainda mais as delegacias. "A Polícia Civil no Brasil tem o dobro da média do efetivo das polícias equivalentes em outros países. Não existe no mundo uma polícia que investiga de forma genérica todos os crimes." Para ele, policiais civis precisam focar em grandes crimes.

Para Francisco Carvalheira Neto, assessor parlamentar e especialista em gestão pública que participou da criação da PEC 51, a proposta modifica o caráter da segurança brasileira. Segundo ele, pobres e negros são os mais atingidos pela "violência seletiva". "Ela atinge os mais vulneráveis", reitera. Carvalheira Neto defende ainda a tese de que o militarismo carrega boa parte dos problemas da segurança, segregando praças e oficiais, o que atrapalha os processos de trabalho.

Senadores do Paraná defendem diálogo

Em lados opostos, os senadores do Paraná Álvaro Dias (PSDB) e Gleisi Hoffmann (PT) defendem o diálogo quando o tema é reforma da segurança pública no país. Eles têm ideias semelhantes sobre o tema e acreditam na necessidade de reunir um pacote de medidas que atenda as demandas existentes no Congresso. Ambos acreditam que, mesmo diante da relativa divisão do país pós-eleição, há espaço para aprovar reformas no país.

"Segurança pública é uma matéria polêmica e difícil. Temos de focar no que é consenso", afirma Gleisi. Na avaliação da senadora, os temas divergentes podem aguardar um pouco. A parlamentar acredita que uma proposta de reforma que melhore a estrutura da segurança no país terá apoio de governadores de oposição também. "Tanto oposição como situação querem que se avance. Há espaço para conversa."

Alvaro Dias, por sua vez, sugere desconsiderar todos os projetos que tramitam no Congresso para tentar reunir ideias que possam atender a todas as necessidades da área. "Temos de desconsiderar todas as propostas existentes para estabelecer um entendimento", reitera. Na opinião do senador, é preciso iniciar um amplo debate para agregar propostas de consenso e avançar na reforma da segurança pública.

Santa Catarina caminha para o ciclo completo

A Polícia Militar (PM) de Santa Catarina caminha rumo ao ciclo completo. Em todo o estado, os policiais militares atendem os flagrantes e deliberam termos circunstanciados (TC) com autores de delitos pequenos, que saem com audiência marcada pelo próprio policial no juizado especial. "Assina o TC na rua mesmo", resume o tenente-coronel da PM catarinense e comandante do 12º Batalhão de Balneário Camboriú, Marcello Martinez Hipólito.

Na prática, todas as PMs do país poderiam fazer o mesmo – há uma decisão do STF que autoriza a Polícia Militar a aplicar o TC –, mas a principal barreira ainda é cultural, segundo Hipólito. "Aqui [em SC] foi atitude. O governador conciliou polícia civil e militar, mas a briga foi dura. Apesar disso, hoje, do ponto de vista processual e policial, é muito melhor. Além disso, quem assina o TC na rua com o PM não precisa passar pelo constrangimento de ir a uma delegacia", explica. O termo circunstanciado aplicado para crimes de pequeno potencial ofensivo prevê penas menores de dois anos de prisão.

Para o assessor parlamentar e especialista em gestão pública Francisco Carvalheira Neto, o que ocorre em Santa Catarina ainda não é o ciclo completo de polícia. "É uma reforma em direção ao ciclo completo. Não é o suficiente. Ela tira o trabalho cartorial da polícia civil, mas não investiga os pequenos delitos", pondera.

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