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Mulher de 29 anos vive sozinha, em um casebre no Parque Diadema | Antônio More/Gazeta do Povo
Mulher de 29 anos vive sozinha, em um casebre no Parque Diadema| Foto: Antônio More/Gazeta do Povo

O barraco em pleno Parque Diadema, na Cidade Industrial de Curitiba, foi construído aos poucos pela haitiana Milande Charles, 29 anos. Ela chegou à área há um ano, com um colchão e uma mala pequena. Inicialmente, dormia sob uma árvore, mas, como gostou da vizinhança, foi levantando sozinha a cabana que lhe serve de abrigo. Isolada, vive às escuras e sem água encanada, mas não se queixa: ao menos comida não tem faltado.

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“Eu tenho saudades do Haiti, sim, mas aqui é bom. Tem o que comer. Está bom assim. Eu gosto daqui”, resume Milande, em português precário, aprendido no Brasil, aonde chegou três anos atrás. Morou por um ano e dois meses em Porto Alegre (RS), trabalhando em uma empresa de limpeza. Após ser demitida, migrou para Curitiba, mas não conseguiu emprego. Sem trabalhar, acabou nas ruas. Elegeu a praça como endereço, após ter passado um ano praticamente ao relento.

Os primeiros dois cômodos da casa foram erguidos ao longo de quatro dias de trabalho. Usou como material o que lhe chegava às mãos: madeira, lonas, telhas de cimento-amianto e até cobertores. Com o passar do tempo, foi aumentando as dimensões da moradia, que hoje tem cerca de nove metros por 3,5 metros – mais ou menos o tamanho de uma casa popular.

“Eu ia gostar de trabalhar. Mas, se não der, está bom assim. Tem comida. Não posso reclamar”

Milande Charles, haitiana que chegou a Curitiba há um ano.

Logo depois da sala – em que há um sofá e uma cadeira de plástico, como móveis –, fica a cozinha, onde Milande prepara as refeições, em um fogão a gás que recebeu como doação. No dia em que a Gazeta do Povo a visitou, ela havia comido arroz, feijão, repolho e um pedaço de carne. Caprichosa, mantém o casebre limpo e bem arrumado, com os alimentos que ganha de vizinhos sobre uma mesa, e com tapetes cobrindo o chão.

“Eles [os vizinhos] me ajudam bastante, me dão comida e algum dinheiro”, conta. A haitiana sonha em voltar a trabalhar, mas diz não ter recursos nem sequer para procurar emprego.

Às escuras

Nascida em Cap-Haïtien, Milande migrou sozinha. Tem um primo em São Paulo, com quem perdeu contato. Apesar de conhecer outros haitianos, a mulher de olhos tristes e pouca prosa preferiu a solidão. Gosta de se sentar à porta do barraco, de onde contempla o tráfego do Contorno Sul. Diz nunca ter sido incomodada. “Eu não tenho medo, não. Eles [usuários de drogas] não mexem comigo. Sabem que eu não gosto disso”, diz a mulher, que, apesar da timidez, gosta de posar para fotos.

Como a casa não tem janelas nem energia elétrica, os cômodos internos ficam bem escuros, mesmo durante o dia. À noite, vira um breu total. Milande até tem um maço de velas, mas diz que decorou os caminhos e prefere mesmo a escuridão. Explica que gosta de ficar deitada na cama de casal, que mantém arrumadinha.

“Quando eu canso daqui [da cama de casal], eu vou para aquela ali”, diz, apontando uma cama de solteiro, que mantém em outro cômodo.Considera suas duas camas um pequeno “luxo”, a que se dá o direito de manter.

A falta de energia elétrica só a incomoda quando precisa recarregar o celular. Para isso, recorre aos vizinhos, que também lhe cedem água para que possa tomar banho – de bacia – e lavar roupa à mão. Também gostaria de ter um rádio, para ouvir músicas.

Perspectivas

Toda semana, Milande conversa pelo celular com a mãe, que é quem faz as ligações. “Mas ela não gosta de falar muito sobre o Haiti. Sou mais eu quem fala”, diz, inferindo que as coisas não vão bem no país caribenho. Por sorte, o furacão que recentemente atingiu o Haiti não afetou a região em que sua família vive. “Eu queria voltar pelo menos para ver como eles estão. Mas, sem dinheiro... voltar como?”.

As equipes de busca ativa da Fundação de Ação Social (FAS) de Curitiba a visitam praticamente toda semana. Tentam convencê-la a sair dali e a integrar algum programa assistencial da prefeitura. Resoluta, Milande nega. Acredita estar bem daquele modo.

Ao mesmo tempo em que deseja voltar a trabalhar – e sabe que o Brasil passa por uma crise –, a haitiana se dá por satisfeita por ter o mínimo: um teto – ainda que improvisado – e comida. “Eu ia gostar de trabalhar. Mas, se não der, está bom assim. Tem comida. Não posso reclamar”, finalizou.

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