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Ferido por um policial, Wellington Oliveira se suicidou. Parentes e amigos do atirador ficaram chocados com o crime | Jadson Marques/ Folhapress
Ferido por um policial, Wellington Oliveira se suicidou. Parentes e amigos do atirador ficaram chocados com o crime| Foto: Jadson Marques/ Folhapress

Ministério fará campanha de desarmamento

O Ministério da Justiça fará uma campanha nacional de desarmamento a partir de dados sobre a circulação de armas de fogo no país. O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, disse que a tragédia ocorrida ontem, no Rio de Janeiro, reforça a necessidade de reagir ao armamaento da população brasileira. "Uma situação como essa mostra que precisamos agir." Inicialmente, a campanha estava prevista para acontecer em junho. Em fevereiro, durante o lançamento do relatório Mapa da Violência, Cardozo disse que o desarmamento da população era uma das prioridades do ministério. "Não é mais necessário que crianças e pessoas morram desta forma tão triste para que nós possamos aprender. É um momento muito triste. Todos nós, brasileiros, temos de nos solidarizar com essas famílias", disse o ministro.

Local do crime

Escola leva o nome de poeta curitibano

O nome da escola do Rio de Janeiro onde aconteceu a tragédia é uma homenagem ao poeta curitibano Tasso da Silveira (1895–1968), filho do também poeta simbolista Silveira Neto. No Rio de Janeiro, Tasso formou-se advogado, lançou seu primeiro livro e atuou na imprensa. Influenciou a segunda geração do Movimento Modernista ao ser um dos fundadores da Revista Festa. Entre os poemas que escreveu, a segunda parte de Fronteira pode ser lembrada em um momento de dor como o atual: "Há uma saudade da vida / porém tão perdida e vaga, / e há a espera, a infinita espera, / a espera quase presença / da mão de puro mistério / que tomará minha mão / e me levará sonhando / para além deste silêncio, / para além desta aflição."

Histórico

Casos parecidos já foram registrados em todo o mundo. Veja os principais:

Mar 1996 – Um homem armado mata 16 alunos e um professor em uma escola em Dublane, na Escócia. Ele se mata no local.

Abr 1999 – Dois estudantes armados com rifles matam 12 alunos e um professor no colégio de Columbine, nos Estados Unidos. Os dois cometem suicídio após o ataque.

Nov 1999 – Armado com uma submetralhadora, o ex-estudante de medicina Mateus da Costa Meira dispara contra pessoas em um cinema no Shopping Morumbi, em São Paulo. Três morrem e quatro ficam feridas. Ele está preso.

Jun 2001– Armado com uma faca, um homem entra em uma escola primária em Osaka, no Japão, e mata oito crianças. Ele foi condenado à morte e executado.

Abr 2002– Um homem mata 18 pessoas em uma escola em Erfurt, na Alemanha.

Jan 2003– Ex-aluno invade uma escola na cidade de Taiúva (SP) e, no intervalo, sai do banheiro atirando. Sete estudantes são feridos e um deles fica paraplégico. O atirador de 18 anos se suicida.

Set2004– Terroristas chechenos fazem mais de 400 reféns em uma escola de Beslan, na Rússia. As forças de segurança russas atacam e 330 pessoas morrem, entre elas 156 crianças.

Mar 2005– Um estudante de 16 anos mata cinco alunos, um professor e um segurança em uma escola no estado de Minesotta, nos Estados Unidos.

Abr 2007– O sul-coreano Cho Seung-Hui no mata 32 pessoas no campus do Instituto Politécnico e Universidade Estadual da Virgínia, na localidade de Blacksburg, nos Estados Unidos. Seung-Hui comete suicídio com um tiro na cabeça.

Mar 2009– Com uma pistola automática de seus pais, o alemão Tim Kretschmer matou a tiros nove alunos de uma escola na Alemanha e depois se matou.

  • A íntegra da carta deixada por Wellington: atirador já previa a própria morte

Ao longo de todo o dia, um Brasil estarrecido tentava compreender as motivações que le­­va­­ram o ex-auxiliar de almoxarifado Wellington Menezes de Oliveira, de 23 anos, a cometer a chacina na Escola Municipal Tasso da Silveira. O planejamento detalhado do jovem, que chegou a escrever uma carta instruindo sobre a destinação do próprio corpo, demonstram que o rapaz calado e introvertido, segundo descrições de conhecidos, estava ciente da irreversibilidade de sua ação. Ele não tinha antecedentes criminais, segundo a polícia.

Veja slide-show com mais imagens da chacina em Realengo

Pessoas que conviveram com Wellington ficaram chocadas com o crime. O surto de violência do rapaz foi uma surpresa no restrito círculo social do jovem carioca. Atordoadas com a tragédia, muitas pessoas se perguntavam como ele teria conseguido as duas armas e tanta munição, já que nunca tiveram notícia de envolvimento do amigo, colega e vizinho com drogas nem com criminosos. Algumas relataram, no entanto, uma mudança de comportamento nos últimos tempos.

Wellington completou o ensino médio, cursado na Escola Estadual Madre Teresa de Calcutá, em 2006, e, em fevereiro de 2008, conseguiu um em­­prego de auxiliar de serviços ge­­rais em uma fábrica de embutidos em Jacarepaguá. Em agosto do ano passado, deixou o emprego onde ganhava pouco mais de R$ 400 mensais. No mesmo período, saiu da casa na Rua Jequiti­nho­nha, também em Realengo, onde viveu com os pais adotivos, já falecidos, e foi morar em Sepetiba.

O gerente de Wellington na fábrica, que preferiu não se identificar, comentou que, nos últimos meses de trabalho, o rapaz passou a demonstrar desinteresse e baixo rendimento. A demissão chegou a ser recomendada, mas ele pediu dispensa antes de qualquer iniciativa da empresa. "Estamos todos perplexos, estarrecidos. Ele era quieto, observador, na dele, mas sempre pareceu uma pessoa normal. Hoje a gente já faz outra leitura da timidez, devia estar muito perturbado para fazer o que fez", disse o gerente, que acompanhou o funcionário desde a contratação.

Religião

Na adolescência, Wellington foi adepto da religião cristã Testemunhas de Jeová, a mesma seguida pela mãe adotiva, Dicéa Menezes de Oliveira, que morreu no ano passado. Vi­­zinho e companheiro da mesma igreja durante alguns aanos, o estilista Guilherme Boniole Abel, de 28 anos, que também deixou a Testemunhas de Jeová, descreveu Wellington como "uma pessoa calma, tranquila, mas com sinais de tristeza e mui­­to reservada".

Os hábitos do atirador nos últimos meses são um mistério para amigos e vizinhos. Guilherme disse ter ouvido que Wellington passou a frequentar "uma religião secreta". Uma das irmãs do atirador, Rosilane, de 49 anos, disse em entrevista à rádio BandNews do Rio de Janeiro que o jovem andava "estranho" e "falava desse negócio de muçulmano". Rosilane contou que, no período das eleições, no ano passado, o irmão adotivo apareceu na antiga casa "e estava com a barba grande". Outro morador, que não quis se identificar, disse ter visto Wellington na última segunda-feira vestido de preto, nas redondezas, mas não soube dizer o que tinha ido fazer em Realengo.

Ontem, diante da repercussão, o presidente da União Nacional das Entidades Islâmicas do Brasil, Jamel El Bacha, divulgou nota informando que Wellington não era "muçulmano e não tem qualquer vínculo com as mesquitas e sociedades beneficentes mantidas pela comunidade".

"Missão"

A avaliação isolada da carta não permite que se faça um diagnóstico do atirador, afirma o psiquiatra forense Marcos Gebara. Mas, para ele, "aparentemente" o texto foi escrito por uma pessoa sob um "surto psicótico paranoide delirante alucinatório". "É como se a pessoa tivesse recebido uma missão, que sabia como executar. Inclusive ele prevê a maneira como as pessoas deveriam lidar com ele já morto."

De acordo com Gebara, ex-presidente da Associação Psiquiá­­trica do Rio de Janeiro, não há sinais de que Wellington Menezes de Oliveira tenha transtorno de personalidade, como psicopatia. "O sociopata sempre foi assim. É uma pessoa ruim, indiferente aos sentimentos alheios, abusou dos outros. Já o psicótico é uma pessoa normal, que de repente entra em surto. Ao que me parece, é o caso desse rapaz."

As características do crime reforçam a tese de que Wellington desenvolveu transtornos psicológicos enquanto cursava o ensino fundamental. Porém a genêse não está no ambiente, e sim nas condições clínicas do autor dos disparos, avaliam especialistas. "Ele estava querendo colocar esses problemas para fora. Queria colocar uma ordem no mundo exterior, pois não a sentia dentro de si mesmo", analisa a psicopedagoga Maria Irene Maluf, consultora do Instituto Saber, da Escola Paulista de Direito. "Ati­­rando nas crianças, ele está atirando contra uma dor dentro dele. Ele deve ter sofrido bastante, carregando toda uma história de conflitos", relaciona.

As suspeitas de que o atirador tenha sofrido bullyng, embora consistentes, não funcionam como estopim único para a tragédia, defende Maria Irene: "In­­depen­­dentemente de ele ter sido vítima de alguma agressão física ou psicológica durante a vida escolar, ele devia ser uma pessoa com uma doença mental, que em algum momento precisou colocar sua mágoa para fora dessa maneira extremada. A escola não é a culpada, e sim as condições internas do indivíduo", aponta.

* * *

Veja os nomes das vítimas em Realengo:

Karine Lorraine Chagas de Oliveira, 14 anos

Rafael Pereira da Silva, 14 anos

Milena dos Santos Nascimento, 14 anos

Mariana Rocha de Souza, 12 anos

Larissa dos Santos Atanásio, 13 anos

Bianca Rocha Tavares, 13 anos

Luiza da Silveira Machado, 14 anos

Laryssa Silva Martins, 13 anos

Géssica Guedes Pereira, de idade não divulgada

Samira Pires Ribeiro, 13 anos

Ana Carolina Pacheco da Silva, 13 anos

Igor Moraes da Silva, 13 anos

Veja as imagens do tiroteio em escola municipal no Rio de Janeiro

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