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Passei a vida sonhando com férias paradisíacas e impossíveis, longos meses fazendo nada em algum lugar inexistente, e entretanto inteiro na memória, quase que mais uma lembrança que um desejo. As formas das férias vão variando – podem ser um simples sinal libertador no fim de uma aula chatíssima, aos 8 anos, uma sexta-feira prometendo a eternidade de um fim de semana; depois, a namorada cuja simples presença, como queria Camões, é ao mesmo tempo escravidão e liberdade; ou o incrível prêmio de loteria, o clássico número em dez bilhetes da federal. Às vezes, como nos filmes, as férias chegam em forma de herança, quem sabe um baú milagroso no sótão, ou aquele parente inóspito que se despediu com uma inesperada boa ação. Férias são pequenos milagres que existem mais no ouvir dizer e no contar do que nelas mesmas, tão rápidas e voláteis, às vezes decepcionantes sob o peso de miudezas – em qualquer caso, é preciso sonhar com férias, a liberdade definitiva, a transcendência, a derrota do tédio nosso de cada dia.

Enquanto elas não vêm, vou viajando, camelô de mim mesmo. Há duas semanas participei de um périplo caipira no interior de São Paulo, que de caipira, hoje, só tem o sotaque. Pequenas cidades de nomes brasileiríssimos – Penápolis, Getulina, Pro­­missão, Pacaembu, Osvaldo Cruz – em outro tempo também foram o sonho do avesso: a utopia da cidade pequena e pura, o riachinho, o morro verde, a casinha de sapé, a toalhinha na me­­sa, o rádio na prateleira, o mugido da vaca, signos da pintura in­­gênua do passado.

Hoje, essa pintura é memória; o agronegócio esparrama-se em cana de açúcar, máquinas e indústrias, restando em torno da velha igreja não a miragem rural da autossuficiência, mas o breve entreposto urbano. Em cada bi­­blioteca municipal, uma rede de computadores. Aqui e ali não se acham restaurantes, enquanto se abrem lan-houses. A história se repete: a tevê chegou antes da palavra escrita (com Assis Cha­­teaubriand, no agreste nos anos 50, fazendo campanha ao Se­­nado levando à praça a tevê preto e branco, diante do povo boaquiaberto, de enxada na mão); e o computador amarra o Brasil ao mundo antes mesmo do livro, que parece obsoleto (mas que ninguém se engane: sem ele, estaremos realmente perdidos). A rica Feira do Livro de Ribeirão Preto, de onde acabo de chegar, é o encontro de dois mundos: shows de artistas populares enchem a praça de uma multidão cantante; e escritores levam, como sempre, seus 40 leitores aos auditórios; o livro vai marcando presença pelas beiradas.

E continuo sonhando com as férias. Algum gostinho já estou sentindo, amador de futebol. Mesmo com a pior Copa de todos os tempos, é muito bom sentar diante da telinha, às oito da manhã de um dia de semana, sem culpa, café quentinho na mão, cobertor nas pernas, e assistir clássicos obscuros como Nova Zelândia e Eslováquia.

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