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Eleições não se decidem por um único fator. Mas é interessante observar como, no Brasil, a corrupção não parece um dado de relevância na decisão do voto. O governo vem protagonizando o maior escândalo de corrupção da história do país, justo em torno da Petrobras, a menina dos olhos do projeto de Estado do PT. E, no entanto, a candidata Dilma prossegue firme com quase metade dos votos válidos, segundo as pesquisas. Uma parte dessa irrelevância funcional se deve à força da propaganda; é possível que a notícia de que, por exemplo, Aécio dirigiu com carteira vencida tenha mais impacto e provoque mais perda de votos do que a descoberta de que diretores da Petrobras passaram uma década desviando milhões de dólares da estatal.

Há vários motivos para esta indiferença, desde o "sempre foi assim", com um muxoxo de indiferença diante do dinheiro abstrato, até a teoria conspiratória universal, o bombril argumentativo ("é tudo armação da Globo, dos imperialistas e dos banqueiros internacionais"). E outro tanto por eficácia publicitária: a oposição até há pouco demonstrava timidez retórica, um certo pudor em bater, talvez temendo um efeito reverso, assustada com a violência da publicidade do governo, cujo porrete não conhece fronteira, como bem soube Marina.

Mas há outro núcleo resistente de votos, de natureza ideológica, que está na alma de todos os movimentos chamados tecnicamente de "esquerda" (ainda que essa distinção hoje não faça mais sentido), desde que Marx conclamou os proletários a se unirem – a ideia de que o "partido" detém a chave da história, o que lhe daria uma automática superioridade moral. Transferindo o imaginário religioso cristão para a vida prática na Terra, a esquerda promete a redenção final, quando a história chegará ao fim. Dessa forma, a política é o meio de se acabar com a política, que deixa de ser a arte e a cultura de escolher o futuro e administrar diferenças para se tornar uma criação "burguesa" que deve ser esmagada.

Neste imaginário, de raiz emocional para grande parte de militantes sinceros, a derrota de Dilma seria um "retrocesso", uma pedra no caminho científico do Paraíso, interrompendo a "marcha da história". O fato de que seu governo foi quase sempre constrangedoramente inepto e, ele sim, representou um profundo retrocesso passa a ser irrelevante. Para o milenarista, o "aqui e agora" não existe, é uma bobagem descartável, diante da futura e inexorável Terra da Promissão, aqui no Brasil com o profeta Lula carregando a bandeira à frente.

Décadas atrás, o liberal americano Francis Fukuyama considerou que, com a democracia representativa capitalista, havíamos chegado ao "fim da história" e foi, com justiça, massacrado pela esquerda. Mas era apenas uma briga pelos direitos autorais do conceito. Para a esquerda, o seu triunfo é que seria o verdadeiro "fim da história".

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